66. Caminhada

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E este poderia ser o fim da estória, não fosse por um quarto segundo. Aquele que fez Zeck encontrar-se estatelado em um chão encarpetado de grama fofa sentindo debaixo de si a protuberância do tratado que tentava encravar-se em sua costela.

Zeck ergueu-se um pouco e cuspiu um tufo de grama que havia grudado entre seus dentes. Sentando-se, apalpou-se para ver se ele era real e olhou ao redor. Atrás dele o riacho borbulhava sua monótona canção, correndo em direção a um refeitório que explodia em risos, conversas e barulho de pratos e talheres como se tudo estivesse normal, como se o mundo não tivesse entrado em colapso.

Acima dele, resplandecente no alto da colina o palácio de cristal brilhava uma luz infinita em cores alternadas. E naquela noite em especial era possível enxergar acima dele, apesar da claridade que a tudo dava um tom de eterno por do sol, o Guerreiro que brilhava imponente com a Serpente a seus pés e Adama logo abaixo do cinturão; com certeza só para provocar o rapaz.

Zeck levantou-se de um salto. Já não mais sentia dor alguma a não ser aquela incurável na alma. Apanhou a esfera, não mais dourada e lapidada em motivos, mas naquele velho tom de prata intacta, como no primeiro dia em que a pegou. A única coisa que permanecera sem dano. Ele passou a mão no peito para perceber o medalhão que partido em dois pendurava-se como pêndulos sobre seu peito. A única coisa.

Só havia uma coisa a fazer.

Ele jogou a esfera de leve para o ar e voltou a pegá-la como uma bola de beisebol e se preparou para arremessá-la para o alto o mais forte que podia em direção a Adama, com a real, apesar de absurda, intenção de acertar o reino. O coração de Myichaim subiu e subiu, mas jamais com a intenção de alcançar o alvo. Não, seria bom demais para ser verdade.

Fazendo um arco, foi cair do outro lado da colina, em algum lugar desconhecido que Zeck não fazia questão nenhuma de descobrir.

- Por que você não nos deixa em paz?! - ele gritou cheio de revolta, sem se importar em ser ouvido, olhando para cima.

- Por que nos envolver nesta história absurda?! - inconscientemente seus olhos desceram do reino banido para o palácio de Cristal e ali se perderam

- e por que eu me importo...?! - estremecendo caiu prostrado, pelo que ele sabia ser a última vez. E prostrado começou a soluçar e chorar todas as lágrimas que ainda não havia chorado.

- Por que, Daiv, por quê?!! - ele escondeu as mãos no rosto e se engasgou em seu próprio choro desejando que tudo tivesse acabado no momento em que caiu no mar do Caos. Desejando que aquilo fosse a última coisa que tivesse que fazer na vida.

Mas por algo que no futuro ele entenderia como ironia do destino ele estava ali. Sem mãos para o tirar do mar, sem nenhum esforço. Ele estava de volta no lugar de onde ele nunca deveria ter saído, enquanto seu amigo estava... estar já não cabia ali. Estar era a maior aberração.

Ouviu passos se aproximando da esquerda e enxugou os olhos depressa. Quem quer que fosse não era bem vindo e ele esperava passar despercebido o que, é claro, não aconteceu.

- Acho que foi você que deixou cair isto. - disse o recém chegado com uma voz convidativa e amiga.

Zeck levantou os olhos emburrado, já se preparando para dizer a a quem quer que fosse para que fosse embora e o deixasse em paz, mas não conseguiu.

Ali diante dele estava a figura mais atípica com a qual ele havia deparado por aquelas bandas. Pela forma como se vestia dava para ver que não era dali, mas de onde vinha não soube dizer.

Usava roupas simples e claras. Camisa bem engomada e calças da mesma cor que batiam no meio da perna. Sandálias com correias que se entrelaçavam até onde terminavam as calças cobriam pés sujos de terra, dos quais Zeck não conseguiu desgrudar os olhos por um bom tempo. Ele nunca havia visto pés como aqueles.

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