56. Deserto

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Aquilo era absurdo. Pensar que eles poderiam ser incluídos em algo como aquilo. Mas Fleim estava certo e Zeck sabia daquilo.

- Para as colinas então - ele foi na frente, seguido pelos outros.

O crepúsculo se tornou em noite a dentro em um piscar de olhos. Corriam agora por becos e ruas mais espaçadas e completamente desertas, tentando sair daquele labirinto. Se pudessem sentir sua energia usual, teriam escalado uma das casas e pulado de telhado em telhado mas aquela energia se fora. Não iam arriscar-se a usar seus corpos de adamenses e se arrebentarem como os adamenses.

Aquela era uma corrida estranha, que Linda e Zeck já haviam experimentado mais cedo naquele dia. Não aquelas corridas prazerosas pelos campos de Vernom ou Édimo, mas uma corrida pelas suas vidas. Com o coração batendo como louco dentro do peito, eles viram quando o céu estrelado começou a ser coberto por uma nuvem de entonação estranha. Apressaram ainda mais o passo até entrarem em uma avenida larga com as colinas maiores e mais visíveis logo no final. Estavam quase lá quando atrás de si puderam perceber que a nuvem descia como um redemoinho bem no meio da cidade dos escravos.

Corriam determinados, mas não a ponto de perderem a noção de tudo o que acontecia ao seu redor, e não puderam deixar de reparar, pela primeira vez talvez, que nem todas as portas estavam pintadas com sangue. Aquilo fez com que Linda parasse.

- O que você está fazendo? - Fleim parou ao seu lado incrédulo. Linda respirava com dificuldade

- Precisamos avisá-los - ela disse por trás de um soluço, dirigindo-se a uma das portas sem sangue.

Zeck parou seu braço antes que ela pudesse dar a primeira batida.

- Não há tempo! Ele disse com pressa e tentando quebrar a resistência da menina.

- O Zeck está certo Li. O anúncio foi dado para todos e aqueles que não obedeceram sabiam o que estavam fazendo.

- Mas... - Linda olhava para a porta sem saber o que fazer e quase chorando. Os meninos partilhavam de sua confusão e revolta. Por que ignorar um aviso que lhes salvaria a vida?

- É tarde demais... - Fleim conseguiu dizer antes que sua fala cortasse.

Linda cedeu às mãos sobre seu braço e ombros e no momento em que o primeiro grito foi ouvido na cidade, eles estavam subindo a colina.

Lá de cima puderam avistar o rastro que o mehlak de asas negras deixava atrás de si cada vez que subia um pouco mais alto que as casas só para desaparecer em seguida em uma outra ruela onde os gritos eram ouvidos.

- Vejam, quase nenhuma casa foi atingida na cidade dos escravos - Zeck apontou tentando animar Linda que parecia ter colocado uma máscara de profunda tristeza. Fleim não parecia muito animado também.

- Em compensação, na cidade do rei - ele apontou para a silhueta dos prédios mais altos que se espalhavam ao redor do esplendoroso palácio mais ao longe.

Seu esplendor desaparecia agora sob o rastro de agouro do Mehlak que descia mas levava muito mais tempo agora para voltar a subir. Os gritos que chegavam até seus ouvidos eram de arrepiar. A sensação que se tinha é que não havia uma casa ali que não tivesse alguém atingida pela espada do enviado de Salém. O que teria acontecido se eles não tivessem saído a tempo da cidade, eles nunca saberiam.

Um silêncio sepulcral se instalou quando o mehlak, terminando sua obra, subiu em direção ao céu, sumindo dentro de uma núvem espessa. Era como se o próprio tempo tivesse deixado de existir por ali e eles estivessem a contemplar uma figura, um quadro cheio de contraste e perguntas.

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