61. Violação

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Ele não veio sozinho. Para onde quer que os três olhassem estavam cercados de desnaturados olhando para eles com carrancas de quem sentia dores constantes. Não havia ali no topo da montanha do velho portal uma brecha, um espacinho sequer por onde pudessem escapar. E voltar pelo portal para avisar Ancião já não era uma escolha porque não havia mais portal por onde voltar.

À direita e à esquerda do antigo mehlak, seus capangas esboçavam um sorriso maquiavélico de triunfo. Um era um brutamontes talhado em músculos com um pescoço tejo, coberto em veias saltadas. Vestia-se como um guerreiro do mundo antigo, a mão esquerda sempre sobre uma cimitarra gigantesca que ele carregava na cintura. A outra era bela além da conta, com um rosto mais calmo e olhos prescrutadores, inteligentes, mas igualmente ardilosos. No momento em que os viu Zeck percebeu se tratar daqueles que no labirinto conversavam com Nasaht.

- Finalmente nos reencontramos, Haizeck - ele disse, e apesar de já conhecer muito bem sua voz, ouvi-la fora de Biblion era algo para o qual ele não estava preparado. Parecia errado. Sujo.

- O que você quer? - lançou o rapaz entre os dentes.

- Mais respeito com vossos superiores, moleque - rosnou o brutamontes.

- Não é porque vocês tem o sotaque dos filhos de Salém que significam que o sejam - Zeck lançou de volta - eu não tenho que respeitar vocês.

- Hum, ousado e desafiador - analisou a outra - gostei. De todos os desnaturados ouviu-se aquela risadinha nem um pouco agradável.

- Zeck, controle-se - advertiu Fleim que estava, inconsciente ou não, um passo a frente com o braço como que barrando o que quer que Zeck estivesse pensando em fazer. Linda do outro lado fazia mesma coisa.

- Tua petulância é comovente - Nasath colocou a mão espalmada sobre o peito, fingindo estar emocionado - e por isso responderei sua pergunta. - Ele apontou um dedo longo e pálido para Zeck - você está com uma de minhas posses, e eu a quero de volta.

Zeck levantou a mostra a esfera que segurava e pode notar um certo murmurinho ao redor.

- O tratado é meu. Presente de aniversário - ele disse para divertimento de todos os desnaturados.

- Ele não é precioso? - Zombou a capanga de Nasaht.

- Zeck... - advertiu Linda ao ver que Zeck já estava com uma resposta na ponta da língua. Se aguentar Nasath já era difícil aqueles dois tornavam a tarefa quase impossível.

- Oh, eu sei que você acha que a esfera pertence a você e é sua chave para sair da Sociedade - disse Nasaht - mas sejamos sinceros. Nós dois sabemos lá no fundo que se as regras não se aplicaram para sua entrada, não vão se aplicar para sua saída.

- Mentira! - Zeck gritou com conhecimento de causa. Ele sabia o que aquela palavra significava.

- Não dê ouvidos para ele, Zeck. É exatamente o que ele quer! - Fleim disse por cima do ombro.

- Ah, o que é isso? - Nasath ergueu os braços e ergueu um pouco a voz como que para demonstrar que falava com todos os presentes - primeiro este estrangeiro se coloca entre você e sua garota e agora vai ficar te dizendo o que fazer? Não, espere - ele colocou o dedo comprido sobre a boca em sinal de silêncio - ele já vive se intrometendo na sua vida não é mesmo?

- AAAh - Zeck gritou colocando as mãos sobre a cabeça mas sem largar a esfera. Linda e Fleim viraram para vê-lo cerrar os olhos em sofrimento sem saber o que fazer, mal entendendo que dentro dele acontecia uma batalha estranha mas não nova. Uma que ele já havia tentado controlar por tempo demais. De repente, uma luz verde começou a vazar por entre seus dedos.

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