Parado junto ao riacho próximo à colina do palácio, Zeck tentava se lembrar como havia ido parar ali. Puxando um pouco por sua memória ele pode ver mais uma vez o Cinzento sair voando pelo meio do teatro e ele correndo atrás, trombando com um ou dois colegas no caminho. A mesma misteriosa figura do monte das brisas e do seu sonho, mostrando-lhe a esfera prateada que pegara em seu quarto, querendo que o garoto fosse atrás de si.
Zeck abaixou-se na beira do riacho e com a mão em forma de concha apanhou um pouco d'água, que jogou em seu pescoço e rosto. Sentiu o líquido frio descendo pelas suas costas, despertando-o para o mundo ao redor. A noite não podia estar mais tranquila. O riacho borbulhava monótono em seu curso e a brisa farfalhava a copa das árvores e a grama. Tirou as sandálias e sentiu o carpete de grama massageando seus pés. Não, não estava sonhando desta vez. Aquilo era muito mais real do que qualquer sonho que ele já tivera.
O sonho!
Música e aplausos vindos de dentro do teatro chegaram ao seu ouvido, indicando que o espetáculo estava provavelmente no fim. Zeck sabia exatamente o que fazer, e era agora ou nunca. Em poucos minutos haveria gente por todos os lados e ele não podia arriscar ser visto. Calçando novamente as sandálias ele virou-se para a esquerda e, deixando o teatro atrás de si, rumou para a biblioteca. Se havia alguma chance dele encontrar o cinzento seria ali, onde seu sonho indicava.
O corpo de Zeck tremia de excitação enquanto ele caminhava com passos apressados. Ter quinze anos e estudar em uma das escolas mais famosas do mundo era uma experiência de tirar o fôlego. Enquanto se aproximava do prédio ele repassou em sua cabeça todos os eventos desde o início do ano e sentiu o coração palpitando.
As luzes apagadas dentro da biblioteca eram um sinal verde para Zeck seguir com seu plano. Em seu sonho ele entrava no jardim interno e encontrava a árvore seca. Ao subir os degraus para a grande porta de entrada, ele não se surpreendeu ao encontrá-la entreaberta. Mais um sinal de que ele estava fazendo a coisa certa. O Cinzento preparara tudo. Este pensamento fez Zeck sorrir.
Talvez você ache que Zeck estava sendo um pouco imprudente e até louco por se enfiar em um gigantesco prédio vazio e escuro à caça de um total desconhecido, que se vestia e movia como um fantasma, saído diretamente de um sonho. Eu, no lugar dele, estaria bem longe dali ou, no mínimo, não estaria sozinho. E é muito possível que nós estejamos certos de pensar assim. Mas vale lembrar mais uma vez que estamos falando de um adolescente nascido no imaculado reino de Vernon. Medo, desconfiança, cautela e perigo eram coisas completamente desconhecidas para ele, como nesta altura da história você já deve ter percebido. Na mente de alguém vivo e, de certa forma, curioso como Zeck, o Cinzento era mais como um amigo. Um intrigante novo amigo que estava tentando lhe dizer alguma coisa, encontrara um jeito de se materializar, e que o esperava dentro da biblioteca — e, por fim, se sua teoria estivesse correta, inclusive poderia se tratar de seu próprio pai!
O silêncio era quase total e Zeck podia ouvir o eco pesado de seus passos pelos corredores vazios. Não demorou muito para ele perceber que encontrar a entrada para o jardim daria um pouco de trabalho. No escuro, todos os corredores eram iguais: largos, com fileiras de colunas dos dois lados e grandes portas em forma de arco, todas trancadas. Por um momento, Zeck teve a impressão de que eles tinham mudado de lugar desde a última vez. Na única vez que Zeck estivera no jardim, há alguns dias atrás, ele estava com sua turma e não prestara atenção no caminho. Após alguns minutos de tentativas frustradas em achar o certo, parou no meio de um corredor e olhou ao redor. Na quietude que se instalara, ele podia ouvir o sussurro de uma respiração que não era a sua, ora ou outra acompanhada por um rangido fraco — A biblioteca estava respirando e expandindo.
Zeck encostou-se a uma das colunas, apoiando as mãos sobre os joelhos. Não me lembro deste lugar ser tão grande assim, pensou. Se achar o caminho até o jardim interno já era tão difícil, ele não queria nem pensar em quanto tempo levaria para encontrar a árvore em um labirinto de alamedas que mudavam de lugar o tempo todo. Começou até a cogitar se aquilo tudo tinha sido uma boa idéia quando o barulho oco e amplificado de algo caindo no começo do corredor o fez virar em seus calcanhares. Ainda teve tempo de ver um vulto passando rápido e sumindo à direita. Sem pensar muito Zeck correu atrás dele.
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BIBLION
FantasyQuando se tem 15 anos em Allakelion, nada pode dar errado. Quando se é adolescente em Vernom, o melhor sempre está por vir... ...a não ser que você seja Haizeck e comemore o momento mais importante de sua vida na noite em que as sete luas se alinh...