46. Outono

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Do alto da colina, a vista era de tirar o fôlego. Por todos os lados as árvores e até a grama se tingiam de uma mescla de ouro, prata, vermelho e azul brilhante, banhada por uma luz pálida que a tudo dava um toque de glória. A brisa fresca que soprava do mar, trazia de perto e de longe aromas deliciosos: das frutas que de tão pesadas caíam do pé, das folhas açucaradas e dos saborosos pratos típicos da estação que os alunos saboreavam com a mesma satisfação e disposição de sempre logo ali embaixo.

Phanhor, o primeiro mês do outono em Edimo, marcava a temporada das artes e da poesia, facilmente despertadas dentro de cada um. Muitos até acreditavam que as maiores obras e expressões de arte em Allakelion haviam sido criadas no outono, e como músico, Zeck amava a estação; só que não naquele ano.

Sentado contra uma das colunas do Palácio de Cristal, com um prato de frutas intocadas e uma fatia daquele famoso assado de legumes e folhas levemente mordiscado ao seu lado, ele olhava por sobre a paisagem, para o nada, totalmente alheio à sua beleza.

Ainda tinha dificuldades de entender como podia haver outono, ou qualquer normalidade depois do que ele havia feito. E de fato, nos últimos dois meses as coisas estavam tão normais que ele estava quase começando a acreditar que tudo não passara de uma alucinação.

- Boa tarde. - aquela voz lembrou-lhe de que tudo havia sido mais real do que ele mesmo gostava de admitir.

- O que você quer?- ele perguntou sem se virar, em um tom que até para Adama seria considerado extremamente rude.

- Nada de mais - Evon, de frente para ele, fez sinal com a mão - Só mesmo saber quanto tempo mais você vai ficar sentado no meu lugar.

- Oh, eu não sabia... - Zeck levantou-se para dar-lhe o lugar.

- Não é como se eu não pudesse sentar em qualquer outro lugar - Evon fechou os olhos com deleite quando sentou-se e fez sinal para que Zeck sentasse a seu lado. - mas este lugar, não sei, é como se tivessemos criado uma certa conexão, se é que me entende.

Zeck fez sinal com a cabeça, em silêncio estudando o outro rapaz antes de se sentar, só para ter certeza de que era de fato Evon ali.

- Eu sei, eu sei... como o introvertido Evon pode estar aqui puxando assunto comigo, certo?

- Er... bem... eu...

- Não esquenta, os outros também fizeram a mesma pergunta. Acontece que eu sou como a lua, de fases. Você vai comer isso aqui?

Evon apontou para a torta quase intocada entre eles.

- Não, pode ficar - disse Zeck meio zonzo.

O mais curioso dos trigêmeos deu uma bela mordida no doce.

- Aliás, eu gostaria de te agradecer.

- Pelo que? - Zeck voltou a olhar para frente.

- Se você não tivesse trocado de lugar comigo, eu não teria me esforçado tanto para andar mais com meus irmãos e os outros. E tem sido realmente um exercício interessante - ele olhou para Zeck com aquela expressão que era o que realmente lhe diferenciava dos irmãos: sempre ali, mas não realmente - para mim, eu quero dizer, porque a julgar por sua cara, você não está muito empolgado.

Zeck simplesmente deu de ombros, decidindo que preferia o Evon calado.

- Isso é porque você não é como eu e nada aqui combina com você.

Ele tinha razão, nada ali combinava com Zeck, mas não pelo motivo que ele achava.

- Não acho que ninguém me queira por perto - ele disse olhando para os pès e sentindo uma onda estranha percorrer seu corpo. Aquilo nem lhe surpreendia mais.

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