49. Recesso

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Quando se despediram na encruzilhada um pouco mais tarde, os três haviam decidido que o melhor a fazer seria esperar que Etiel viesse até eles quando o momento chegasse e que ficar conjecturando a razão para o Cinzento ter aparecido junto ao riacho de nada adiantaria. Zeck concordou com isso mas, enquanto andava para casa sua cabeça o lembrava constantemente que não pensar no cinzento não era uma opção.

Notando que havia luz saindo pela janela da sala do primeiro andar, Zeck diminuiu o passo. Se Daiv estivesse em casa, ele deveria saber o que dizer e como fazê-lo. E se Daiv lhe perguntasse alguma coisa delicada, ou pior, se não quisesse falar com ele? Bem, ele só saberia se tentasse e foi sussurrando isso para si mesmo que ele subiu os degraus de três em três e abriu a porta.

Não havia ninguém ali além de Sima que, esparramado sobre um dos pufes lia em voz alta palavras engraçadas de um livro quase da metade do seu tamanho aberto no chão. Ainda terminou de ler umas duas frases antes de se ajeitar para cumprimentar Zeck.

- Esqueceu alguma coisa? - ele perguntou.

- Não, eu acabei de chegar. - Zeck respondeu um pouco confuso.

-Oh eu pensei que você já tivesse ido com os outros.

- Ido para onde?

- Como assim?! Para a excursão de outono com a professora Aurora, é claro.

Zeck precisou de um tempo para absorver aquela nova informação. Não disse nada de pronto mas não era preciso ser um Edimenho para ver que ele estava no mínimo ressentido.

- De repente ela anunciou a excursão em uma das aulas em que eu não fui. - Ele disse, mais em um esforço para evitar que o outro fizesse perguntas desconfortáveis.

- Pode ser. De repente desta vez a viagem não é obrigatória. Nos outros anos a professora fazia tanta questão que todos os alunos fossem que ela ia pessoalmente na casa de cada um para ter certeza que não perderiam. - a forma como Sima voltou a se acomodar no sofá era um sinal de que, para o alívio de Zeck, o assunto estava encerrado. Mesmo assim ele quis continuar jogando para que a conversa terminasse no tom mais normal possível.

- E o Daiv, já foi? - ele não conseguiu pensar em uma pergunta mais óbvia do que aquela.

Sima sorriu.

- A julgar pelo tamanho da mala dele, acho que ele deve ficar por lá uns dois meses.

Zeck sorriu também, imaginando a cena.

- Sempre exagerado aquele lá. Bem, então vou deixar isso no quarto dele. - ele começou a subir as escadas carregando a cesta quando Sima voltou a chamar.

- Ei, se você quiser, eu posso descobrir para onde eles foram e você ainda pode alcançá-los.

- Valeu, mas não precisa. Eu tenho tantas coisas para adiantar por aqui... Vai ser até bom ter um pouco de tempo sozinho para fazer tudo. Amanhã eu já até marquei de ensaiar com a Linda.

- Ah, então está certo. Pelo menos você não vai ser o único a ficar.

Não, ele não seria. Linda e Fleim estariam por ali, mas isso não alterava o fato de que ninguém o avisou sobre a excursão. Ele preferiu fazer da versão que contou a Sima a oficial e se convencer de que o fato de ter faltado algumas aulas somado a forma como ele se afastou de todos nas últimas semanas naturalmente fez com que seus amigos não se dessem conta de que ele não estava sabendo do passeio. No final a culpa não era de mais ninguém a não ser dele mesmo. Parou na frente do quarto de Daiv e apoiou a mão sobre a maçaneta.

Tão concentrado que estava em tentar decidir exatamente o que estava para fazer, ele nem percebeu senão alguns segundos mais tarde que suas tentativas de girá-la eram em vão. Daiv havia trancado a porta. Zeck engoliu seco e fechou o punho com a intenção de lançá-lo contra ela. Primeiro o trabalho, depois a excursão e agora aquilo?! Em seu cálice de amarguras não cabia mais nenhuma gota...

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