43. Herança

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Pouco tempo depois, já estavam todos rumando em direção à montanha. Zeck, Linda e Fleim ainda não tinham vontade de conversar. Aquele tinha sido o primeiro encontro que tiveram com Nasaht em sua forma original e, por mais que tentassem, suas palavras não saiam de suas cabeças. Reconheceram nele um adversário astuto e poderoso, habilidoso com as palavras e de uma inteligência sem precedentes. Já não conseguiam ter certeza se os frágeis adamenses seriam capazes de resistir seus ataques, mesmo após terem visto o guardião dar-lhe uma boa lição.

E havia também aquele pedido em si. Desde quando Yadashel sentia prazer na morte de suas criaturas? E por que o guardião concordaria com algo assim?! Das duas uma: ou Nasaht estava certo e ele estava perdendo suas faculdades mentais ou havia algo tão especial em relação a ele que nem mesmo o mais poderoso mehlak conseguiam entender.

Ao chegarem ao pé da montanha sobre a qual a nuvem repousava, Ab-ram pediu para que os

dois servos esperassem enquanto ele e o jovem rapaz subiam para realizar o sacrifício. Ele ajudou o jovem a ajeitar a lenha em suas costas fortes e rumaram para o topo, sendo seguidos de perto pelo trio, que olhava para o rapaz com tristeza. Ele tinha idade para ter sido um colega deles na escola. Moreno queimado de sol e de compleição atlética devido às atividades como pastor dorebanho e cuidando dos negócios do pai, usava uma veste curta que libertava seus movimentos ágeis, sob uma túnica marrom de fino material, confeccionada por mãos habilidosas. Caminhava em silêncio ao lado do pai, sem ter idéia do destino mórbido que lhe aguardava algumas centenas de metros acima. Até que, sem mais resistir, ele resolveu quebrar o silêncio.

-Meu pai, - disse - nós temos lenha e fogo, mas eu não estou vendo o cordeiro para o sacrifício.

Zeck, Linda e Fleim aguardavam ansiosos a resposta do guardião. O homem, que caminhava um

pouco adiante, carregando uma tocha acesa, não ousou voltar-se para encarar o filho.

- Não se preocupe, meu filho. - ele disse. - O soberano providenciará o sacrifício.

Já passava e muito do meio dia quando eles finalmente chegaram ao topo da montanha. Não era um monte muito alto ou irregular, mesmo assim era possível se ter uma boa visão lá de cima. Estavam cercados de montanhas, mais altas ou mais baixas do que aquela, cobertas por uma relva rasteira e poucas árvores aqui e ali. Era uma vista bonita, como são a maioria das vistas do alto de montanhas mas ninguém estava realmente animado para contemplar a paisagem. Pai e filho pararam bem debaixo da nuvem.

- Eu não consigo. - Linda parou de repente e virou o rosto. - Acho que não quero ver isso.

Fleim olhou para Zeck que deixou que ele falasse com a amiga.

- Eu também não, Li. - ele colocou a mão flamejante no ombro dela. Mas temos que fazer isto.

- É verdade... - Zeck veio em socorro do outro - Se o monte é nossa próxima parada, temos que ir até o final.

A moça concordou, meio de má vontade, e eles foram se juntar aos dois. Quando chegaram, o altar já estava montado e a lenha posta. Ab-ram e seu filho estavam jogados nos braços um do outro e choravam copiosamente.

-Por que o soberano quer minha vida? - o rapaz perguntou ao pai com olhos confusos e aterrorizados, tentando lembrar-se de respirar.

- Não sei... - As palavras saíam com dificuldades da boca do guardião. - Eu... não... sei...

- Qualquer que seja o motivo, eu me sinto honrado por ele considerar minha vida tão valiosa para ser oferecida como um símbolo da promessa. - o rapaz endireitou-se e estufou o peito, tentando mostrar bravura e coragem maiores do que ele próprio. Algo espantoso, incompreensível, admirável para quem quer que estivesse vendo. De trás dos arbustos onde pararam, Zeck, Linda eFleim não conseguiam sequer começar a descrever o que estavam sentindo.

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