65. Conflito

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 E foi perdendo esta cena de vista que ele se viu deslizando todo o caminho de volta, rodopiando sem controle sobre a escadaria que se transformara de repente em um escorregador gigante que o cuspiu para o meio do salão onde ele pode ver de cabeça para baixo o último fio de areia peçonhenta escapar pelo orifício da ampulheta. Onde uma olhada para a esquerda, para Fleim e Linda inconscientes jogados no chão provava que o tempo havia se esgotado. Onde o barulho metálico do tratado rolando ladeira abaixo e deslizando pelo salão lhe dizia que ele havia falhado. E onde seguindo o percurso da esfera ele se ergueu para ver surpreso que ela havia parado aos pés do Cinzento que se abaixou para pegá-la.

- O que significa tudo isto?- a voz que saiu daquele buraco onde deveria estar a cabeça atingiu Zeck com mais força do que toda a almagamação de dissabores que ele havia experimentado até ali. Uma voz que não soava como ele sempre creu que a voz daquele ser soaria. A voz que lhe acompanhara por toda a vida e que ele preferia acima de qualquer outra. Só não ali. Só não daquele jeito.

O mundo de Zeck desmoronou quando um segundo depois aquela mão moveu-se para retirar o capuz revelando o rosto de Daiv.

Zeck caiu de joelhos se apoiando sobre as duas mãos sem conseguir desgrudar os olhos de seu melhor amigo.

Ele sério e compenetrado, olhava ao redor sem sequer parecer notá-lo.

- Vou precisar repetir ou você vai me dizer o que está acontecendo aqui? - ordenou virando-se para o canto junto à porta redonda que voltara a se fechar.

Não mais como uma serpente mas em sua forma mais habitual, Nasaht se levantava ajeitando-se e visivelmente desconcertado.

- Nem precisa falar. Eu já entendi tudo. Depois deste tempo todo e ainda agindo como um amador - ralhou Daiv.

- Eu arrumo tudo - Nasaht disse ainda olhando para o chão.

- Melhor mesmo, antes que os outros cheguem - Daiv girou nos calcanhares.

- E quanto a todo o resto? - Nasath perguntou ousando erguer um pouco a cabeça.

- O resto você deixa comigo, esqueceu? - Sem mais delongas Daiv se dirigiu para a janela através da qual podia-se ver o ribombar dos trovões, ilustração perfeita do que estava acontecendo dentro de Zeck - termine por aqui e vá avisar os outros.

- Sim senhor - Nasath respondeu de pronto.

Subindo no parapeito da janela, Daiv voltou a colocar o capuz sobre a cabeça e saltou, desaparecendo na escuridão sem em momento nenhum sequer olhar para o amigo ali prostrado.

O mundo passou ao redor de Zeck sem que ele se desse conta de nada mais a não ser aquela janela. Mais tarde ele não saberia dizer como Nasaht fez para arrumar a sala dos tratados ou que horas ele desapareceu. Não saberia dizer quando Etiel e todos os outros chegaram nem todos os cuidados que foram tomados para tirar Linda e Fleim dali o mais rápido possível. Ele se lembrou vagamente de alguém tocando em seu ombro e falando-lhe algo no ouvido.

- Um jogo, então? - ele se recordou de ter dito a ninguém em específico - Pois eu já estou cansado dele - e de se livrar da mão em seu ombro correndo em direção a janela, não ligando nem para a dor nem para as vozes que gritaram seu nome em completo horror.

Mergulhando por ela, ele via a torre passar paralela a si, de cabeça para baixo, e ouvia o vento furioso zunindo ao redor de seu corpo enquanto mais e mais se aproximava o chão da ilhota castigada pelas ondas do mar furioso. Um mergulho naquele mar não podia ser pior do que tudo, mas ele sabia que aquele não era o momento para aquilo, talvez mais tarde.

Sentiu as asas explodirem de uma vez, mais determinadas do que nunca em suas costas e de repente estava voando bem próximo ao sobe e desce do mar, em direção à praia, olhando, procurando, deixando que as asas o guiassem mais uma vez.

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