20. Livros

21 1 0
                                    

A cabeça de Zeck girava e seu estômago embrulhado anunciava que ele poderia vomitar a qualquer momento. Voltou a deitar-se sentindo o palpitar ainda descontrolado do coração e os lençóis colados em seu corpo nu, encharcado de suor. Tremia da cabeça aos pés. Estava miserável. Tão miserável que o aconchego daquela manhã banhada de luz cálida que invadia seu quarto , acompanhada de um ar cheio do som das árvores e do canto dos pássaros, pareceu um absurdo. E mais absurda ainda era a calma com que Etiel, encostado ao parapeito da janela, terminava sua maçã.

- Você devia experimentar uma destas. Vai se sentir bem melhor – Ele disse apontando para uma bandeja ao lado da cama de Zeck.

Zeck virou-se, ainda deitado e estendeu a mão para a bandeja onde estavam três maçãs de bom tamanho. A casca era uma mescla perfeita de vermelho com dourado, cintilante. Emanavam filetes de um vapor azulado que dançavam ao redor delas. Zeck apanhou uma e, imediatamente, os filetes circundaram sua mão e subiram quentes pelo seu braço, peito e costas, fazendo cócegas. Uma sensação tão boa que Zeck devorou a maçã em três mordidas. Imediatamente, sua mente ficou clara e ele finalmente se deu conta de que estava em seu quarto, em sua cama, e que tudo estava aparentemente bem. Havia, no final das contas, sonhado mais um sonho maluco? Pegou outra maçã.

- Quando terminar, vista alguma coisa rápido e tente esquecer a noite passada – Etiel falava com certa urgência mas ainda calmo, já preparando-se para sair pela janela. Não se viam desde o incidente com Sima, mas eram dois ou três dias tempo suficiente para que o fliniano mudasse tanto? – Daiv pode chegar a qualquer momento e, por nada neste mundo, ele deve desconfiar de sua aventura na Fronteira Proibida.

Zeck sentou-se de súbito — aquelas maçãs eram mesmo incríveis.

- Você está dizendo que... - sua voz escapou quase em falsete e ele sentiu sua cabeça girando como um peão.

Etiel, já de costas, simplesmente balançou a cabeça.

- Você fez uma bela bagunça noite passada, amigo.

Zeck não entendeu muito bem o que Etiel quis dizer com aquilo, mas as lembranças o atingiram em cheio, vivas e muito presentes. Somadas à gravidade no tom de Etiel, elas provocavam um efeito quase avassalador. Talvez a última maçã o fizesse sentir melhor.

- E agora? - Zeck falou girando o fruto nas mãos.

- Agora a gente está trabalhando para limpá-la. A sua tarefa é simplesmente esquecer este absurdo. Acho que vocês vernianos tem facilidade com isto, certo?

Esquecer? Etiel só podia estar brincando. A noite anterior nunca poderia ser esquecida. Nem naquele momento, nem em mil anos. Nem por um Verniano. Aquela era a única coisa clara, a única certeza que ele tinha. Isto e que estava são e salvo em sua casa e não banido em algum canto escuro de lugar nenhum. Pelo menos por hora. E agora Etiel estava ali falando que estavam cuidando das coisas. Ele e mais quem? Aliás, o que ele, Etiel, estava fazendo ali?

- Foi você quem me tirou do mar, não foi? - ele conseguiu perguntar.

Etiel esfregou os pulsos e as mãos.

- Ninguém nunca deveria tocar naquelas águas... - disse ainda de costas.

- Mas o que você estava faze...

Etiel moveu-se incrivelmente rápido. Em um segundo ele estava quase saltando pela janela, no seguinte estava com o rosto colado ao de Zeck, segurando-o pelos dois ombros.

- Escute aqui Zeck, eu PRECISO que você se esqueça - disse entre os dentes, com olhos suplicantes - ou pelo menos que não conte para NINGUÉM. Você PODE fazer isso por mim?

BIBLIONOnde histórias criam vida. Descubra agora