41. Soberanos

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 Vista do alto da colina, Uruh era belíssima, como esculpida cuidadosamente às margens do rio. Era um emaranhado de casas de tijolos batidos, todas mais ou menos do mesmo tamanho, agrupadas em quarteirões ligados por largas e longas avenidas retas com várias bifurcações como galhos de uma árvore. A cidade crescia ao redor de uma área central, onde se abria o que parecia ser o pátio de um grande palácio que se erguia como uma torre de grande esplendor — uma versão em miniatura da outra. Suas três longas escadarias - uma central e duas laterais — levavam até os compartimentos superiores de onde brotavam jardins de um verde deslumbrante no alto do qual uma estrutura de altas colunas parecia flutuar.

— É ali que o festival deve acontecer. - Linda apontou para o pátio onde um grande número de pessoas começavam a se ajuntar. - E aquele prédio lá no topo da torre deve ser o palácio do tal soberano.

-Eu não estou tendo um bom pressentimento em relação a isso. - gemeu Fleim e arrancou o colar assim que se afastaram o suficiente do menino e seu rebanho. - E nem quero a proteção de soberano nenhum.

- Eu guardaria isto por um tempo. -Zeck sugeriu antes que Fleim jogasse o colar para longe. - Além do mais, foi um presente.

- Qual é Zeck! E desde quando nós recebemos presentes do inimigo? - Fleim protestou.

- Eu sei muito bem quem é meu inimigo, e não é aquele menino pastor. - retrucou Zeck.

- Realmente, ele pareceu bem gentil para mim. - Linda concordou.

- Se Nasath conseguiu enganar os patriarcas, o que dizer deste povo, nascido sob a maldição? Talvez eles, pelo menos alguns, acreditem que esta tal de Nannar seja Yadashel!

- Que horror! - Linda fez uma careta. - Mas eu concordo.

O som de música e festa ia ficando mais alto conforme se aproximavam da cidade. Uma ponte larga por onde passavam pedestres e carroças de madeira carregadas de mantimentos, puxadas por bois de chifres longos, dava acesso ao portão principal que era formado por duas torres retangulares ligadas à alta muralha. Logo os três se misturaram à multidão e passaram pelo portão, caindo em uma avenida principal no fundo da qual podia-se ver a escadaria central da torre.

Era uma alameda de palmeiras que cresciam mais altas que as casas de dois andares de cujas janelas a luz fraca das lamparinas já brilhava, anunciando a noite que chegava. A rua fervilhava de gente animada, vestida de forma simples, com peças de um único material, de uma ou duas cores no máximo. Era fácil sugerir que aquele era o tipo de traje que eles usavam no dia a dia, com a exceção de colares, brincos, pulseiras ou qualquer outro ornamento em forma de lua que mostrasse a importância daquela data.

Eles cantavam e riam, pulavam e dançavam ao redor de tochas ou fogueiras improvisadas, com ou sem instrumentos que variavam de tamborins a flautas e pequenas liras. Crianças corriam de um lado para o outro com seus brinquedos curiosos e ora ou outra recebiam uma fruta, um pão ou qualquer outra guloseima de algum vendedor sorridente. Iam então comê-los enquanto assistiam encantadas aos malabaristas com seus truques com fogo, ou às encenações da criação do mundo, que muito lembravam uma versão bem primitiva e distorcida da festa das estações.

- Acho que vai ser difícil saber quem são os sacerdotes. - Fleim disse sobre o barulho da multidão.

- Estão procurando os sacerdotes? - Uma mulher que estava ao lado deles perguntou. Usava vários colares de pequenas pedras azuis e carregava a estátua de barro de um homem careca de barba e cabelos longos e grandes olhos. Ele tinha as mãos unidas na altura do peito nu e usavaum longo saiote até a coxa.

- Oh, eu sei que hoje é o festival de Nannar mas eu não podia deixar o soberano de minha família em casa, podia?

- O que a senhora estava falando sobre os sacerdotes? - Fleim perguntou depressa tentando controlar o sentimento em seu peito que ele não sabia se era repulsa ou revolta.

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