Capítulo Cinquenta e Seis - A cor em volta do sol

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William (oito meses depois)


— Me diga, Davies, o que Heloyse é para você?
— É realmente necessário me chamar assim? — eu perguntei com minhas mãos apertadas em punho, em cima das minhas pernas.
— Com certeza! Responda a minha pergunta.
Eu respirei fundo e relaxei as minhas mãos.
— Heloyse foi...
— Foi? Não é mais?
Eu parei um pouco para pensar e tornei a olhar para ele.
— Prefiro pensar nela, no passado. É lá que a deixei.
— Continue.
— Ela foi alguém importante. Tirou de mim, coisas que outros não conseguiram.
— De uma forma boa?
— Sim.
— Gostaria de poder voltar e fazer tudo diferente?
— Se eu voltasse ao ponto onde a machuquei, eu a teria deixado ir, de qualquer maneira.
— Você não a machucou de propósito.
— Ainda assim, eu a machuquei. Isso é um fato. Meu instinto violento causou tudo isso.
— Como?
— Eu fui violento com Johnson e a consequência disso foi uma sequencia de merdas.
Malerman anotou algumas coisas em seu caderno, depois, retirou uma carteira de cigarros do bolso do seu paletó.
— Se importa? — ele perguntou.
— Não. Mas você sabe que cigarros fazem mal a saúde.
— Sim, eu sei. Assim como guardar todo tipo de sentimentos ruins. Depressão, ódio, tristeza, rancor, todos fazem mal a saúde. Há estudos que afirmam que, pessoas depressivas ou ansiosas, têm mais probabilidades de adquirirem algum tipo de câncer. Veja a bíblia, por exemplo; em provérbios é citado que o coração alegre serve de bom remédio, mas, o espírito abatido seca os ossos.
— Acho que meus ossos secaram a ponto de virarem pó — eu disse um pouco baixo. — Na verdade, acho que sou um grão de poeira ambulante. Nada mais.
Malerman riu e acendeu seu cigarro.
— E isso é ruim?
— Tendo em vista que grãos de poeira são coisas minúsculas e sem beleza alguma, acho ruim, sim. Acho que são bem parecidos comigo. Pequenos e insignificantes.
— Se você se parece com os grãos de poeira, então há beleza em você.
— Não vejo como.
— Bem... As partículas podem ter de tudo, desde pele humana, fios de cabelos, pelos de animais, aracnídeoS, fungos, restos de insetos e muitas outras coisas.
— E onde está a beleza, nisso?
— Sem a poeira você jamais poderia apreciar as nuvens no céu. As partículas de terra, ou as de sal, que evaporam do oceano e são levadas a grandes alturas, formam os núcleos dos pingos de chuva. Ah, acrescente nessas partículas, o pó dos seus ossos. — ele riu e arqueou uma sobrancelha. — E você já parou para ver as luzes em torno de uma quantidade de partículas de poeira, Davies?
— Não.
— Elas dispersam luz em diferentes tamanhos de ondas. Em dias de sol, são amarelo-esbranquiçadas, no fim da tarde, quando o sol se põe, vemos aquela cor avermelhada em volta, porque quanto menor a incidência dos raios, maior a quantidade de poeira que eles têm a atravessar na linha do horizonte. Sabe por que nas cidades, onde a poluição é maior, o vermelho é mais vivo? — eu não respondi. — Porque quanto maior a poluição, maior a quantidade de partículas de poeira e mais bonito se torna o espetáculo . Em volta do pôr do sol, há poeira, Davies.
— Está dizendo que a poluição é algo bom? — perguntei rindo.
Eu compreendi o ponto em que ele queria chegar, ainda assim, eu quis ouvi-lo.
— O que quero dizer é que, há beleza mesmo nas coisas que não damos importância, ou nas coisas feias que já aconteceram em nossa vida. Em toda aquela pele, pelos e fungos encontrados na poeira, há um belo espetáculo de cores, quando estão em volta do sol. A vida é um espetáculo de cores! Em toda essa sua vida, há algo de bonito, Davies. Não há só lágrimas, dores e tremores... Houve amor, por parte da sua mãe, do Calvin, da Eva, do Thom, do Martin... Houve amizade, houve Heloyse. E sei que nela, você encontrou muito mais do que já procurou. Grãos de poeira são importantes. Sem eles, jamais apreciaríamos as nuvens, a chuva e a beleza do por do sol. Se você é um grão de poeira, Davies, então há algo de bonito em você. Pergunte ao Calvin e a Eva o quão importante você é na vida deles. Se pudesse perguntar ao Wallace, você saberia o quanto você foi importante para ele também. Há beleza em você. Então mostre o espetáculo de cores que há em um grão de poeira feio.
Ele me olhou por um instante, jogou as cinzas do cigarro no cinzeiro e voltou a atenção para o seu caderno.
Naquele mesmo dia, eu fiquei sentado, em um das minhas cadeiras, observando a cor em volta do sol e o espetáculo formado pelas partículas de poeira.
Eu era apenas uma partícula de poeira, tentando se tornar luz.

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