Heloyse
Uma claridade fez com que a escuridão sumisse e logo, eu abri e fechei os olhos na tentativa de diminuir o desconforto. Acordei com uma enorme dor de cabeça, os olhos pesados, as pernas travadas e o corpo dolorido.
Passava das duas da tarde.
Com certeza, Ashley tinha me colocado na cama ontem à noite, fechou a porta e passou a chave por baixo.
Eu me levantei fazendo cara feia. Ouvi um barulho na casa e me dei conta que Margot estava fazendo faxina. Ela tinha a cópia da chave.
Tomei um banho, escovei os dentes, penteei o meu cabelo e foi quando senti a fome tomando conta de mim.
Margot era uma mulher fortinha, a pele bem alva com as maçãs do rosto bem vermelhas, combinando com o nariz afilado que também eram vermelhos. Tinha o cabelo loiro misturado com branco, estatura pequena e um olhar bem tranquilo.
Depois que terminei minhas coisas, ela entrou no meu quarto recolhendo as roupas que deixei a semana toda no chão. Recolheu ao mesmo tempo em que me olhou com o cenho franzido.
— Bom dia, Lisy!
— Bom dia, Margot. E obrigada... Eu sei que a casa está um lixo...
— É, está!
— Eu vou te pagar o dobro, então...
— Eu estou pouco me importando para o seu dinheiro. Eu viria aqui se me pedisse ou não, mesmo que não tivesse centavo algum no bolso.
Eu cruzei meus braços e estranhei seu comportamento. Ela sempre foi tão amável comigo. Não me lembro de ter feito algo que a deixasse com raiva.
— Por que você está brava?
Ela parou na minha frente e suspirou. Sentou na minha cama e indicou com a mão, que eu deveria fazer o mesmo.
— Não estou brava, Lisy, e sim, inconformada. Olhei sua dispensa e não tem nada. Só um pacote de pão, meio pote de geleia, a casa está uma bagunça... Fora aqueles calmantes que estão sobre o armário. O que está acontecendo? Você quer se acabar, se isolando do mundo? Você está com uma aparência horrível, perdeu uns quilos, eu acho.
— Margot, eu...
— Lisy, o que você precisa, é sair um pouco. Vai arrumar esse cabelo, comprar umas roupas, almoçar fora, conhecer novas pessoas. Tenho certeza que o Michael iria querer isso.
— Michael não se importa comigo. Não mais!
— Você não é a primeira e não é a última a passar por isso. O Michael sempre foi um rapaz bom e foi muito fácil se apaixonar por ele. Coisas assim acontecem o tempo todo. Vai doer agora e nada do que eu ou qualquer outro fale, irá adiantar, eu sei. Mas, se trancar aqui, também não vai ajudar. Põe isso na sua cabeça. Ele está vivendo, não está? Então, por que você quer desistir?
Minhas lágrimas começaram a cair e Margot me abraçou.
— Não era minha intenção fazê-la chorar — disse enquanto direcionava seu olhar para o chão. — Ano retrasado, quando fiquei viúva, eu pensei que tudo tinha se acabado. Com a Mandy e o Adrian morando longe, tudo estava mais difícil. Eu me sentia sozinha.
— Eu imagino.
— George e eu ficamos casados por quarenta e dois anos. Ele resolveu de uma hora para outra morrer e me deixar. Imagina como me senti. Meus filhos querem que eu vá morar com eles, mas, estou acostumada a morar aqui — seus olhos estavam carregados de tristeza. — Você, minha linda, tem muito tempo e muita coisa para fazer nessa vida. Mas, eu não. A velhice não me permite ter muito tempo e ainda assim, luto a cada dia para não deixar a dor me consumir. Eu havia perdido o homem com quem dormi por quarenta e dois anos. Eu nunca mais vou vê-lo, nem abraçá-lo. Não vou ouvi-lo dizer "te amo". Não vou sentar na minha cadeira e senti-lo colocar a mão sobre a minha.
— Eu sinto muito, Margot, por sua dor.
— Obrigada!
— Eu não sei o que fazer. Meus pais, meu irmão, o Michael... Todo mundo resolveu me abandonar. Eu me sinto sozinha. Todos vão embora, em algum momento.
— Você vai superar. Acredite!
— Talvez! — respirei fundo e me levantei. — Até lá, não sei o que faço — eu disse, esfregando minhas mãos nos olhos.
— Eu sei. Anda, veste outra coisa e vamos comprar algo para fazer uma comida que preste para você.
Eu sorri e fiz o que ela sugeriu.
Depois de vestir qualquer coisa, fomos ao mercado. Ajudei Margot a escolher os alimentos e depois, levá-los ao caixa. Durante o tempo que estive no mercado, eu mal percebia as pessoas a minha volta. Era como se não existisse ninguém. Apenas eu, perdida no mundo. O mundo parecia vazio.
Levamos as coisas para o carro, coloquei as mãos no volante e olhei para Margot. Sabia o quanto ela era sincera.
— Margot?
— Sim?
— Eu estou muito feia?
— Bom, para o halloween, você está ótima.
— Ah, que bom.
— E é tão bonita, que é inacreditável ver você assim.
— Vou dar um jeito nisso — eu tentei prometer a mim mesma.
Chegando em casa, coloquei um vestido simples. Passei até um pouco de batom. Depois me sentei à mesa com ela.
Duas mulheres abandonadas por quem amavam. Duas mulheres com o coração quebrado comiam silenciosamente naquela mesa. Não era preciso palavras. Cada uma com sua dor. Cada uma torcendo pela outra.
À noite, depois que ela se foi, quando a escuridão tomou conta do meu quarto, eu chorei desesperadamente enquanto olhava a chuva lá fora.
A verdade é que eu sentia tanto a falta dele, que eu estava terrivelmente esgotada.
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UM PONTO DE PARTIDA
RomanceApós a morte de sua família, Heloyse se apegou a quem esteve do seu lado durante este momento difícil. De repente, encontrou-se abandonada, sem um rumo ou uma motivação para seguir em frente. Até que em um determinado momento da sua vida, resolve sa...