Percebendo que naquele meu sonho tinha sido Wilfred Maxwell, fui buscar a resposta em Bell Head.
Saí de Cardiff após o final do expediente, às 5 da tarde. Em meia hora estava no carro partindo para lá. Iria atrás de Isis.
Uma ponta de pedras na costa próxima a Glastonbury se chama Brean Down. Sobre ela foi construído um forte na Primeira Guerra Mundial, hoje aberto à visitação. Naquele espaço mágico o céu sopra em torno da respiração vibrante das ondas sobre as rochas.
Ali Dion Fortune se inspirou para escrever A Profetisa do Mar. Nele, junto com Magia da Lua, a autora entrega as Chaves do Templo, fórmula prática para toda a teoria de sua obra mágica.
Ali, com sua coroa de lua e arquetipicamente representando todas as mulheres, Isis ainda surge para acender seu fogo no mar.
Chamado de Bell Head no romance de 1935, em Brean Down o corretor de imóveis Wilfred conhece e se fascina por uma mulher enigmática chamada chama Vivien Morgan le Fay - nome retirado da lenda da Dama do Lago arturiano. Eles vivenciam a ressurreição do casamento vital entre homem e mulher, algo que os costumes e a Igreja haviam atrofiado. Ali, a força do arquétipo chamado Isis é atingida pela meditação e pela invocação. A meditação sobre Isis baseia-se em imaginá-la positivamente, devolver à vida e ao poder à grande Mãe, estrela do mar, guardiã da gestação, do parto e dos mistérios. A invocação de Ísis desvelada e dinâmica é uma das passagens mais fortes da obra, exemplo prático de ritual das "chaves do templo" da Golden Dawn, forte despertar para as magias elemental e sexual. Após o ápice do encontro com Ísis - Morgan, Wilfred Maxwell sofreu com a dor do rompimento, passando por um de sentimento de perda e monotonia, numa alusão ao retorno à morte. A perda somente poderá ser restaurada pela volta de Isis - o princípio que desperta a feminilidade e resgata a masculinidade. Este é passado por Morgan a Molly, uma outra mulher.
As belíssimas passagens do texto inspiravam meu caminho. Assim como Wilfred, cheguei em Brean Down vestido de corretor. Ainda estava com camisa, gravata, calça e sapato sociais da reunião de Cardiff.
Após uma hora e meia de estrada, parei o carro num daqueles estacionamentos de moeda. Uma placa dizia que após as oito da noite ele iria fechar. Eram quase sete, teria de me apressar.
A península era muito maior do que parecia no mapa e nas fotos. Era imensa, tinha uns 3 quilômetros de extensão e 150 metros de altura, cercada de escarpas íngremes com rochas vulcânicas e pedras afiadas. Já havia chegado lá e precisaria voltar a Cardiff na mesma noite. Apressei-me. Subi a escadaria de terra e pedras ao som do forte vento que batia. Fazia muito frio e a noite estava para chegar.
De lá de cima, vi que o mar recuava. O Estreito de Bristol era uma mistura de águas, do rio e do mar. Ambas retraíam, expondo uma vasta e belíssima extensão de areia.
O tempo era curto e apressei o passo. Apanhei algumas pedras e gravetos no caminho, como de hábito.
A ponta de pedras não chegava. Comecei a me preocupar, mas não havia o que fazer.
Lá em cima de Brean Down fui saudado por um bando de cabras que pastavam e por algumas perdizes que se sentiam seguras em passear por lá. Parei de pensar e deixei-me levar por aquela cena.
Estava decidido a seguir em frente, não era hora de pensar no porquê das coisas. Via a estrada de terra no alto da península se transformar em um caminho de pedras vulcânicas. No céu já dava para ver a lua surgindo por trás da árvore recurvada.
Quase chegando na ponta havia uma espécie de casamata abandonada, muito antiga, anterior às Grandes Guerras. Lá dentro, paredes pichadas e um rapaz mexendo com drogas ou algo assim. Não liguei e perguntei-lhe onde estava a Caverna de Brean. Ele, educadamente, disse que estava um pouco mais à frente. Segui em frente.
Atravessei as ruínas de um antigo forte e cheguei perto da ponta, onde havia uma antiga construção, muito antiga também. Era muito difícil caminhar entre as pedras. A caverna ficava uns 30 ou 50 metros abaixo, teria de escalar para chegar até lá. Isso não era muito aconselhável, dada a hora, o isolamento, as marés e o enorme risco de algo não dar certo. O local é perigoso e há registro de pessoas e animais que caem de lá de cima da escarpa. Não quis fazer parte da estatística local de acidentes, que não é modesta.
De lá de cima, atirei uma pedra que havia ganhado em direção à caverna. Ela ficaria ali para sempre.
O clima daquele momento era algo único, absolutamente mágico. Não dá para descrever nestas linhas.
Diante da ponta do forte e o mais próximo possível da tal caverna, fiz um sinal que aprendi nos livros e em seguida li em voz alta as palavras da Chave do Templo, tão fortemente presentes na Sacerdotisa do Mar.
Não apareceu nenhum espectro, nenhum fantasma. Mais uma vez.
Mas me vi estupefato diante daquela cena. Era como uma montanha, rodeada de pedras porosas e pontudas, diante de um mar que se abria e uma noite que rapidamente caía. Lá longe, bem longe, algumas luzes de poucas casas, como há um século. O vento curvava as árvores e criava padrões rugosos nas as águas, que se abriam diante de mim como se eu fosse Moisés no Mar Vermelho.
Já era muito tarde e havia anoitecido.
Me vi em transe, acompanhado pelas fantasias da Sacerdotisa.
E foi assim, nessa minha loucura, que Ela se fez presente.
E lá estava eu, o corretor Wilfred, entre a lua e o mar, sob os ventos na rochosa ponta de Brean Down.
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Nas trilhas de Avalon
Non-FictionUm mergulho nas lendas arturianas e na tradição esotérica ocidental. Com Dion Fortune, Santo Antônio de Pádua, Aleister Crowley, Joan Wytte, Johann von Goethe, Hermann Hesse, Fernando Pessoa, Rowena Cade e Billy Howlins, William Butler Yeats, John...