52. O Sanctum Celestial

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Cheguei a Newcastle upon Tyne, terra onde estudei e de onde guardo belas lembranças.

Uma delas é Marsden, falésia seguida de uma praia de pedras pouco abaixo de South Shields, região de Tyne and Wear, nordeste da Inglaterra. Dava para descer tanto pelas escadas quanto por um elevador que havia ao lado de um pub chamado Marsden Grotto, nome em homenagem a uma caverna e uma pedra chamada Marsden Rock. Aquele local - como muitos outros da Inglaterra - deve ter sido usado por piratas para contrabandear mercadorias ou para esconder tesouros. A cem metros da falésia, com trinta de altura e cheia de aves marinhas em seu topo, aquela pedra para mim já era um tesouro. Com a maré baixa dava para chegar ao seu interior, formado após um colapso em 1911. Era o ano de 1996 e a rocha de 30 metros de altura ainda tinha a forma de arco, tema para muitos cartões postais. Infelizmente poucas semanas depois de nossa visita o arco também ruiu, deixando dois pilares. Por representar um risco aos banhistas, no ano seguinte o pilar menor foi dinamitado.

Passei por diversos momentos de altos e baixos durante meus estudos no exterior. Um dos momentos de alegria que mais marcou foi quando fui com duas colegas até Marsden. Por diferentes razões aquela escapada à Marsden Rock nos trazia uma extrema felicidade, mas para todos nós uma espécie de celebração à liberdade. Foram duas horas que se passaram voando e sabia que aquele local não me pertencia. Não poderia morar naquele país e imaginava que talvez nunca mais voltasse à pedra e à alegria de Marsden. Meu período na Inglaterra terminou eu voltei ao Brasil, mergulhando em depressão. Perdi o contato com minhas amigas e uma das poucas coisas que me traziam algum alento eram as boas lembranças de Marsden. Busquei a saída em diversas atividades, principalmente no esporte e no misticismo. No trabalho, costumava meditar com colegas nas horas de almoço de terça-feira. A situação profissional também não era das mais promissoras, o que pelo menos me dava algum tempo para fazer pesquisas naquelas áreas consideradas tabu. Fazia isso inspirado e motivado pelas saudades da Inglaterra, Gales e Escócia, locais onde essa atmosfera estava sempre forte e presente. O grupo de meditação recebia pessoas de vários credos e crenças. Uma delas, ligada à Ordem Rosacruz, certo dia me passou um folheto. Já havia lido bastante sobre o rosacrucianismo, a maçonaria, templários, iluminati, várias organizações derivadas. Tinha receio de me embrenhar por aquelas que se diziam adeptas do Caminho da Mão Esquerda, o que na minha concepção da época teria alguma associação com rituais satânicos. Ainda assim, lia vorazmente tudo o que encontrava na Internet, nas livrarias e particularmente nos sebos de livros usados. Esse amplo tema merece um capítulo à parte.

Se por um lado a Rosacruz me fascinava pela possibilidade de acesso a outros planos cósmicos, por outro receava sofrer algum tipo de lavagem cerebral motivada por meros interesses de humanos presentes aqui e agora. Mas a curiosidade foi maior e entrei para Ordem. Paguei o boleto e comecei a receber as primeiras apostilas. Separado de minha esposa, estava morando sozinho, o que me dava uma razoável liberdade para tentar praticar alguns rituais e ver se afinal de contas fantasmas existem ou não. Sabia que para que isso acontecesse precisaria levar os estudos a sério, sem ficar questionando cada passo. Com bastante interesse lia as apostilas que chegavam pelo correio. Adquirir os apetrechos recomendados e montei um altarzinho na minha casa. Respeitando e sem se confundir com qualquer religião, a Ordem recomendava uma série de condutas, dentre elas proceder a uma progressiva purificação interior e manter em sigilo as informações que eram passadas. Grande parte dessas informações hoje se encontra disponível na Internet para quem quiser ver. Não me cabe descrevê-las até porque delas me lembro muito pouco. De tempos em tempos haveria rituais de iniciação e subida de níveis, sendo que passei apenas por um deles - sem qualquer contato com seres humanos. Os rituais tinham um certo aspecto medieval como pano de fundo, lembrando - por que não - cenas arturianas e cristãs.

Chegando à conclusão de que "o homem de Deus deve testemunhar sua fé com seus próprios atos, não com o que prega", acabei desistindo de seguir a Ordem. Achei que era uma espécie de auto hipnose ficar olhando para um espelho à luz de bruxuleante de velas; com a vista cansada passamos a achar que estamos vendo coisas de outro mundo. O risco de ser manipulado pelos homens pareceu ser mais concreto que a chance de encontrar entidades de outro mundo. Mas uma das práticas rosacruzes mantive até hoje: a visita ao Sactum Celestial. Também chamado de Santuário para Todos, o Sanctum Celestial é um local sagrado particular, pessoal e visível para cada indivíduo. Ele aparece em um antigo um livro rosacruciano chamado Liber 777, três números que quando exibidos verticalmente representam um raio descendente. O Sactum é um campo de energia cósmica contido em uma aura espiritual cumulativa, cujo contato e experiência adquirida são pessoais, mas os benefícios são coletivos. Lugar de purificação, regeneração, revelação e iluminação, este santuário invisível pode ser acessado através de técnicas de visualização de um plano cósmico simbólico. É essencial que o indivíduo visualize o Santuário Celestial como se ele estivesse construindo um templo e fixando seus conteúdos desejados na ordem normal. Enquanto neste campo santo, o indivíduo transmite ou projeta pensamentos dignos para o Cósmico e se torna receptivo a todas as impressões que lhe são reveladas. 

Meu santuário pessoal eleito foi a Marsden Rock. Por isso quero sempre visita-la - também fisicamente. Em Marsden retomei meus vínculos com a Tradição, considerada um repositório de sabedorias secretas de antigas religiões, neoplatonismo e alquimia - antigos mistérios dos quais deriva o ciclo arturiano de lendas.

Lá sinto ainda a presença de mestres e seus raios, sob um espectro de cores e símbolos, como os de Mount Shasta.

Alguns de vocês entendem o que estou dizendo.

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