9 Proximidades

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Will

Limpei a cozinha e saí, trancando a porta e encarando Miguel, que ainda me olhava assustado.

⸻ Não contou a ninguém sobre o corpo?

Ele tremeu, fazendo que não com a cabeça. Caminhei até ele, parando ao seu lado. ⸻ Então você tem duas opções, e como estou sob sua guarda, cabe a você decidir. Ou me ajuda a me livrar do corpo agora, antes que comece a feder, ou ⸻ encarei-o.

⸻ Ou o que, senhor?

⸻ Ou reporta o que eu fiz, e rápido, antes que desconfiem da sua lealdade. O que vai ser Miguel?

Ele engoliu em seco, tremendo os dedos pelo fuzil, que eu tinha absoluta certeza de que nunca havia usado.

⸻ O senhor salvou aquela menina...

⸻ Não vem ao caso. ⸻ interrompi-o.

⸻ Vamos enterrá-lo?

⸻ É o que acha que devemos fazer?

Ele se afastou, estava mais que pálido, estava verde, podia sentir o cheiro da bile em suas palavras quando se lembrava do que eu havia feito.

⸻ Por favor, senhor... ⸻ ele ofegou se afastando.

Segurei sua camisa. ⸻ Tudo bem, tudo bem, Miguel. Vá até seu superior e reporte.

⸻ O Senhor será punido.

⸻ Não importa, não deve nada a mim, é meu vigia. Reporte!

Ele assentiu, e me deu as costas para ir até as escadas, mas parou e me encarou ⸻ O senhor só fez aquilo, porque precisou fazer...

Sorri ⸻ Fiz aquilo porque estava com saudade de fazer, Miguel. Você estava lá, viu que ele já havia soltado a garota. Não viu?

Ele ergueu o queixo cerrando os olhos para mim ⸻ Não vi nada Senhor, e vou reportar somente o que eu vi.

Sorri balançando a cabeça negativamente, e ele correu para longe, entrando por entre os comércios e levando uma notícia finalmente interessante para o "senhor" daquela vila. Aquilo havia me servido de alguma coisa afinal.

Respirei fundo, e empurrei a porta, tinha que dar mais veracidade ao ato. O homem ainda pendia sobre a mesa. A carne já estava começando a se acinzentar, e moscas já estavam aproveitando o banquete.

Puxei a faca do coldre, e com apenas uma das mãos, puxei a mesa até que o corpo caísse no chão. Aquilo não era impressionante o bastante, não aos olhos de quem me mantinha ali. Comecei meu trabalho, sem me importar com a sujeira, ou os sons que a intrometida na minha casa pudesse ouvir. Em seguida, comecei a revirar a casa toda, de móveis a panelas, e quando abri um armário, encontrei as coisas dela. Quatro peças de roupa surradas e um livro sem capa, e sem as primeiras páginas. Mas estava limpo e com marcações feitas com papel pardo, provavelmente embalagens de pães. Peguei as coisas e saí da casa. Imaginei que Miguel voltaria logo.

Abri a porta e fui direto até o quarto, o prato estava vazio no chão, e ela continuava encolhida na cama, mas dormia. Deixei as coisas sobre o móvel e peguei roupas limpas. Estava coberto de sangue, e naquele ambiente limpo, meu cheiro me incomodou, já não era sangue fresco, e sim o odor de podridão oxidante. Tinha que me livrar daquilo.

⸻ Will.

Ouvi sua voz baixa atrás de mim, rouca e fraca.

⸻ O que você quer? ⸻ falei trincando os dentes sem me virar.

⸻ Você estava na casa... ⸻ não era uma pergunta.

Minha respiração se acelerou com o ódio crescendo em mim. E me virei. Para ver seus olhos se arregalarem. ⸻ Fui terminar minha cena. Agora durma! Amanhã o dia será bem agitado.

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