Alicia
Não conseguia me mexer, tudo em mim doía como se daquela vez eu tivesse mesmo chegado perto da morte. Mais que isso, estivera nos braços dela. Me lembrava vagamente de água, água muito fria em mim, e um braço forte me mantendo em pé. Seu rosto. Will. Aquele seria Will? Os passos, respirações, gemidos e batidas da minha imaginação. Aquele era mesmo o homem por quem me deixei sentir a mais pura esperança? Ele havia me ouvido? Estava a salvo? Ou em mais perigo que antes?
Abri os olhos vendo o teto de madeira escura que descia, se inclinando e ficando mais baixo perto da cama, tomei conhecimento da coberta pesada sobre mim, mantendo meu corpo aquecido, mas meu rosto ardia e estava frio.
Com muita dificuldade, tirei meus braços da coberta, fazendo força para tentar me sentar. Depois de gemer com a dor, desisti da ideia, e voltei minha cabeça para o travesseiro.
Ouvi passos, e segundos depois, ele estava parado na porta do quarto, me olhando. Nem em todas as minhas fantasias eu conseguiria imaginar aquele rosto. Um rosto severo, com maxilar duro, seus olhos eram de um verde, quase turquesa, como eu nunca havia visto, e seu cabelo, loiro como palha de trigo. Mas não era um homem ali, era forte, alto, mas era um menino, talvez pouco mais velho que eu. Ele estava sem camisa, apenas como uma calça escura e larga. Vi a cicatriz em seu abdômen definido. Não podia ser diferente, eu ouvia seus exercícios todas as noites...
⸻ Quem é você? ⸻disse ele em um espanhol perfeito, sua voz era baixa, um ronronar rouco e grave. Autoritário ⸻ Como me conhece?
Avaliei sua expressão, um frenesi de curiosidade, apenas de achar que eu o conhecia, não fazia ideia de quem ele era. Não sabia explicar a situação sem parecer completamente maluca.
Abri a boca, mas nada saiu de mim.
Seus olhos cerraram, tentando ver meu interior. ⸻ Descanse. Acho que ainda não consegue falar. ⸻ ele se virou, para sair do quarto.
Engoli em seco e me forcei a formar a palavra ⸻ Will?
Ele parou, se voltando para mim devagar. ⸻ Como sabe meu nome? ⸻ seus passos eram cautelosos, mas igualmente determinados ⸻ Suponho que não saiba quem eu sou.
Fiz que não com a cabeça, levemente ⸻ Eu ouvi você. ⸻ sussurrei, tentando um espanhol de qualquer forma ⸻ Desde quando chegou ferido, eu ouvi você.
⸻ Você me ouviu? ⸻ ele parecia incrédulo. ⸻ Ouviu o que, exatamente?
Baixei os olhos ⸻ Tudo, e descobri seu nome, quando o disse ao seu guarda. Eu sabia que um dia o senhor me salvaria.
⸻ Não me chame de Senhor! ⸻ ele ficou irritado, mas sabia que não era a palavra que o irritara, mas a confirmação de que eu sabia demais.
⸻ Obrigada por me salvar. ⸻ falei me encolhendo.
⸻ Salvar você? ⸻ ele riu ⸻ Eu não salvo pessoas... ⸻ ainda rindo ele se sentou perto de mim. ⸻ Como se chama?
⸻ Alicia. ⸻ me encolhi, não dizia esse nome há muito tempo, o som saiu estranho.
⸻ Você é... ⸻ ele pareceu pensar ⸻ Brasileira, acertei? ⸻ Assenti espantada. ⸻ As palavras que usou nas mensagens de boa noite eram em português, depois espanhol, e inglês de forma errada.
⸻ O Senhor... ⸻ parei arregalando os olhos ⸻ Você, sabia...
⸻ Não, mas quando consegui desvendar o código, cheguei a uma palavra que usava toda noite, em três línguas. Quando o desgraçado me confirmou, ficou fácil saber. Português é sua língua materna, podemos falar nela, se quiser.
Assenti, ainda mais impressionada. ⸻ Conhece as três línguas?
⸻ E mais algumas. Como veio parar aqui?
Me encolhi com um calafrio, e olhei-o suplicante. ⸻ Não gostaria de falar disso...
Ele sorriu ⸻ Você pode achar que salvei você. Mas não é verdade, você só mudou de uma casa para outra, de um "senhor" para outro. Não pense que sou melhor que ele. É melhor gostar de falar sobre tudo o que eu quero saber, ou vai desejar voltar para o corpo apodrecendo na casa ao lado.
Arregalei os olhos ⸻ Você o matou?
⸻ É o que eu faço. Não deixe esse rosto te enganar Alicia, posso ser pior que o porco que comia você.
Baixei os olhos sem acreditar naquilo, ele riu e se levantou para sair do quarto. Me virei na cama abraçando os joelhos e encolhendo a cabeça para debaixo da coberta. Meus olhos ardiam ainda mais que meu rosto machucado. Wil não era uma esperança então... Ele era mais um. Mais um que me usaria, que me aprisionaria. Eu não queria aceitar isso, não podia. Minha vida não podia ser tão medíocre a esse ponto. Eu não tinha forças para lidar com aquilo, não mais uma vez. Não com a decepção do que acabara de ouvir. Chorei baixinho, em um sussurro de clamor, porque meu pai mentira para mim. Não havia esperança, por mais que eu me agarrasse nesse fiapo de alternativa. Não havia. Nada iria melhorar. Nada.
⸻ Ei! Vai morrer sufocada aí embaixo. ⸻ ele puxou minhas cobertas, me vendo encolhida na cama. Ergui os olhos, vendo que ele trazia um prato nas mãos, o cheiro e o calor que vinham daquela refeição, fizeram minha barriga roncar. ⸻ Precisa comer.
Engoli em seco, limpando meu rosto, puxando a coberta até meu peito nu outra vez. Ele não esboçou qualquer reação ao me ver daquela forma, apoiou o prato no móvel ao lado da porta e abriu uma das gavetas, atirando uma camisa para mim.
⸻ Vista-se. Não sei se está com frio, ou com vergonha de mostrar ossos para mim, mas saiba que se for isso, não me importo.
Peguei a camisa, a abri, mas não tinha forças nos braços para vesti-la. Ele revirou os olhos e caminhou até mim. Passou a gola por minha cabeça e sem cuidado algum, passou cada um de meus braços pelas mangas.
A camisa era tão grande, que cobriu até a altura de minhas coxas.
Enquanto cobria minhas pernas novamente com a coberta, ele me entregou o prato.
⸻ O que é isso? ⸻ perguntei confusa, olhando para o caldo grosso alaranjado no prato.
⸻ Se chama Cawl Mamgu, um cozido tradicional do meu país. ⸻ ele sorriu ⸻ Vai ajudar com as dores, quero você em pé logo.
Mexi a colher pelo caldo, parecia bom, mas o "quero você em pé logo" não era animador para mim.
⸻ Coma. Vou sair, mas volto logo.
Levei a colher a boca, e o gosto daquilo era maravilhoso, um caldo espesso e saboroso, meu paladar não conseguia identificar os ingredientes, mas meu interior agradeceu a refeição quente ruborizando meu rosto com a temperatura.
Era a melhor refeição em anos, até mesmo meu coração relaxou depois daquilo.
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Eeee... O bicho pegou🤦🏻♀️
Será mesmo que a Alicia só trocou de mãos? Tadinha, essa sofre né? Vamos torcer para ela conseguir amansar o Algoz🙌
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Algoz
Romance(+18) Will é um soldado rebelde com um passado sombrio e repleto de traumas. Junto a seu grupo, ele é recrutado para a América do Sul, onde se instaurou uma guerra civil. Capturado em uma armadilha, ele se vê refém, em uma vila isolada do mundo ond...