33 Faltam Palavras

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Will

Senti a respiração queimar meus pulmões, mas a ouvi chorando, chorando sobre mim, a dor se ajustou em pontos fixos aos poucos, no abdômen, no pulso que eu mesmo rasgara, e em meu ombro, onde Gael cravara aquela maldita faca. Senti como se naquele momento, nem fosse mais os olhos dele ali. Por um momento, vi Wallace, sua raiva, seu ódio, sua vontade de se vingar. Respirei fundo soltando gemidos de dor, ainda atordoado. De repente não conseguia acessar as palavras certas. O idioma certo.

Tive que me trancar, adormecer, sentir a dor pulsante como antes, algo havia mudado. Eu entendia tudo, mas não conseguia falar. Tentei mais uma vez, mas apenas meu idioma saía de mim. Queria me mexer e me bater para conseguir colocar as coisas no lugar. O que haviam feito comigo? Seria a maldita bala me mandando lembranças? Me mostrando que estava ali?

"Não consigo te entender. Não consigo..." a voz dela ecoou por minhas veias se espalhando, me preenchendo.

Abri os olhos, e o rosto dela me fez encontrar o caminho ⸻ Perguntei... se está machucada. ⸻ sussurrei pausadamente  ⸻ Está me entendendo?  Alicia... ⸻ consegui finalmente dizer.

Tentei me levantar e me sentar, mas ela me segurou. ⸻ Fique deitado, está muito fraco, bateu a cabeça, você perdeu muito sangue.

Respirei fundo, sentindo a dor se espalhar novamente, grunhindo de raiva  ⸻ Faz sentido eu estar com tanta dor assim... Onde está o Guardião?

Ela apontou para o teto — Lá em cima com os filhos. Você está bem mesmo? Achei que...

Fechei os olhos sentindo o chão abaixo de mim rodar, meus olhos não se focavam o suficiente, e aquilo estava me causando náuseas.

— O que você estava dizendo?

Permaneci com os olhos fechados — Não me lembro — menti. — Provavelmente delírios de dor.

— Você me chamou de um jeito esquisito, o que aquilo queria dizer?

Ofeguei tentando engolir — Nada, não queria dizer nada. Esqueça.

— Por que fez aquilo Will? Por que não o matou de verdade? — implorou ela com os olhos.

Segurei seu braço com minha mão trêmula, sem força alguma. — Preciso falar com ele e com Gael.

Bufando de raiva, ela segurou minha mão — Não vai falar com ninguém nesse estado, e não vai se levantar daqui. Já chega de me dar sustos por hoje!

Se não estivesse com tanta dor, e com a cabeça tão atrapalhada, ou riria daquilo, ou a insultaria de alguma forma. Mas minha única reação foi fechar os olhos para tentar reprimir a sensação de peso esmagador sobre meu corpo, e a náusea me tomando.

Percebia, percebia que as palavras fugiam de mim, algumas já estavam sendo perdidas. Se a bala se movesse, eu não sabia quais seriam os danos. Podia perder meus movimentos outra vez, podia perder a fala, podia ter uma dezena a mais de problemas.

Não sabia se tinha ficado inconsciente, ou se havia adormecido, mas despertei com Gael amarrando meu braço para procurar uma veia.

Olhei para o saco de sangue que ele segurava e senti a agulha invadir minha pele do braço esquerdo sem conseguir achar nada.

— Desaprendeu suas funções? — sussurrei, tentando encontrar as palavras, e o inglês me pareceu confortável para que ele me entendesse.

Ele me olhou surpreso — Cala essa boca! Nem morrendo, você para de querer ser o mais esperto do mundo. — resmungou ele, arrancando a agulha de meu braço, entregando a bolsa a Alicia — Mas que merda! — rugiu ele abrindo os botões da minha calça. — Essa é uma ótima hora para desmaiar de novo.

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