30 Passado

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Will

Fiquei com ela na cama até que pegasse no sono. Li algumas  páginas de Romeu e Julieta traduzindo-o para ela, e quando percebi seus olhos pesados ajeitei-a na cama, cobrindo-a e voltei para a sala.

Já era meio da madrugada quando me sentei no sofá encarando a parede branca a minha frente sem conseguir fechar os olhos. Já havia me visto em outra ocasião, tão perdido quanto naquela. Já houve um tempo em que eu havia perdido toda a minha convicção sobre tudo. Ela era mais que só minha fraqueza agora, era minha razão de lutar, e isso podia acabar me desviando. As vozes em minha cabeça voltaram, sem rostos, sem gênero, apenas milhões de vozes me acertando como um mar revolto, me agarrando, e me levando para o fundo. 
Fechei os olhos murmurando "pelo menos não é a voz dele".

Inconscientemente, peguei a faca apertando a lâmina na palma da mão, sentindo a dor levar cada voz para sua tranca em minha mente. A dor as afastava, mas não as calava completamente. Baixei os olhos da parede para minha mão, e a pequena poça de sangue entre meus pés.

A vergonha de uma geração. A vergonha de Aberavon. Assassino... Assassino...

⸻ Will? ⸻ sua voz me despertou do transe. E olhei para ela ainda atordoado.

Ela correu para o banheiro, pegando uma toalha para pressionar sobre o ferimento. Apertei os olhos para me livrar das últimas vozes.

Enrolando a toalha em minha mão, ela se sentou ao meu lado, ainda segurando-a.

⸻ Por que fez isso?

Apenas fechei os olhos, balançando a cabeça levemente para não responder.

⸻ Quem é Aberavon?

⸻ Eu disse isso? ⸻ ofeguei assustado, não havia notado que eu estava falando.

⸻ Como na sua casa antigamente, você sempre chamava esse nome.

Soltei o ar derrotado ⸻ Não é quem... É um lugar. ⸻ dei de ombros. ⸻ Volte a dormir, prometo não fazer mais barulho.

⸻ Não vou mais conseguir dormir. Me conte. ⸻ seu sorriso encorajador, me tocou fundo. E afaguei sua mão, segurando a minha.

Tomei fôlego, imaginado quanto da história eu podia editar para não assustá-la, ou se deveria contar tudo, e ver se sua postura comigo mudaria. Se o peso daquilo seria suficiente para as coisas mudarem.

⸻ Me dá um tempo? Preciso respirar um pouco. ⸻  falei baixo e me levantei, saindo pela porta para finalmente raciocinar sobre aquilo, sobre o peso daquilo em mim, e de como eu não queria que ela o carregasse.

*****

Alicia

Ele permaneceu do lado de fora por alguns minutos, ouvia seus passos inquietos passando de um lado para o outro. Ele se machucara, se ferira tentando escapar de alguma coisa, eu o ouvia fazer o mesmo em sua casa. Acordar assustado por, o que eu acreditava ser algum pesadelo, mas era mais que isso. Conhecendo-o agora, eu sabia que nenhum simples pesadelo o faria ficar daquele jeito.

Ele retornou, se sentou ao meu lado apertando o tecido nas mãos, e não se deu ao trabalho de me encarar.

⸻ Eu não gosto de falar sobre isso. Mas Gael acha, aparentemente, que eu preciso me abrir com você. ⸻  ele quase revirou os olhos pronunciando a última parte.

⸻ Eu gostaria muito disso. Eu quero saber sobre você....

Ele suspirou ⸻ Tudo bem...  Eu... acho que precisa mesmo saber, mas... não use como justificativa, não tente fazer com que eu me veja como vítima, porque isso não dá certo.

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