4 Respostas e torturas

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Alicia

Acordei assustada ouvindo vozes, vozes masculinas, e por isso me assustei. Olhei as horas no velho relógio na parede e era de manhã. Instintivamente colei o ouvido a parede e percebi que as vozes vinham de lá, da casa dele. Uma voz linda e uma amedrontada.

Não falaram muito. Mas quase não me contive ao ouvir o nome daquela voz forte e linda. Will.

Ouvi barulhos no quarto e me ajeitei, cobrindo o máximo do corpo que podia e me levantei da poltrona para preparar o café. Fiz o mais rápido que pude e o servi. Ele não me olhou naquela manhã, e não sabia se aquilo era bom ou ruim.

Em sua pose de homem honrado, ele saiu pela porta, com sua farda e as armas atadas ao corpo. Não falávamos muito, mas pelo modelo da farda, eu sabia que ele era um dos que mantinham a fronteira oeste da Vila, foi onde me encontrou, e com a devida permissão do senhor, me pegou como seu bicho de estimação.

As leis ali, diziam que cada homem poderia escolher a mulher que desejasse. Mas a pena para corromper uma criança, era a morte. Por isso minha mentira me manteve a salvo dele até aquele momento. Mas eu sabia, sabia a cada dia que ele chegava mais perto de ter o que queria, já estava desconfiado, e se não tivesse tanto medo de morrer, já teria me tomado para ele.

Como todos os dias, juntei meus pedaços e comecei a fazer os afazeres da casa, a começar pelo quarto dele, urinado, sujo, fedendo a cachaça, era assim todos os dias, e ouvi com pesar a porta ao lado se fechar, quando Will saiu da casa ao lado. Em uma esperança inútil, fui até a porta, mas obviamente, ela estava trancada, e nem as finas frestas de janela me deram uma visão do lado de fora.

Era tão distante. Não saber nada sobre ele, e mesmo assim fantasiar a possibilidade de ele me salvar um dia.

Três meses atrás, quando ouvi guardas apressados desocuparem a casa e deixarem ali uma pessoa que gemia e se debatia todas as noites, eu não fazia ideia de que meu coração se apegaria até mesmo as suas respirações. Era como ouvir uma resposta de Deus. Eu tinha que esperar, mas ele estava perto. Will, ele não era dali, assim como eu. E sofria, assim como eu. E mesmo quando tudo parecia terrível... Minha fé não diminuía. Minha fé nele não diminuía.

****

A porta se abriu com um solavanco, e dei um pulo na poltrona arregalando os olhos.

⸻ Maldita! Maldita! ⸻ ele gritou, e estava sóbrio. Estava em pé sem cambalear e me atacou antes que eu pudesse correr.

⸻ O que eu fiz, Senhor? ⸻ chorei amedrontada.

Meus cabelos foram enrolados em seus dedos, e fui arrastada pelo chão até o quarto. Com uma força sobre-humana ele me ergueu do chão e rasgou minhas roupas. Me encolhi, tentando tapar meu corpo, me esconder dele.

⸻ Por favor, Senhor. ⸻ Chorei implorando. ⸻ Não quero que o senhor seja condenado.

Sua mão enorme envolveu meu pescoço ⸻ Você é uma vadia mentirosa! Você achou que me enganaria até quando? Desgraçada!

⸻ E-Eu não menti! Eu juro Senhor. ⸻ implorei.

Ele me sacudiu com violência, e me atirou contra a parede, minha cabeça girou com o impacto. Mas ele me arrastou de volta, e depois de tirar suas próprias roupas, prendeu meus braços nas costas, e me usou. Me usou como qualquer objeto daquela casa. Chorei, sem ter forças para me debater. A dor irradiava por mim, uma dor seca, como ser rasgada ao meio, como ser menos que um papel velho. Fechei os olhos tentando de alguma forma deixar meu corpo, morrer um pouco mais do que eu já morria por dia. Queria que aquilo parasse, mesmo que para isso, minha vida também tivesse que acabar.

Quando ele terminou de se satisfazer, surrou meu rosto, e me jogou no chão com os retalhos rasgados de minhas roupas.

Me encolhi no chão chorando, e ele me chutou, e me empurrou com os pés para fora do quarto. Agarrou meus cabelos e me encarou ⸻ Prepare minha comida Desgraça. E fique limpa. Vou montar em você quantas vezes eu desejar, até que minha fome esteja saciada, e sua dívida comigo, paga. Entendeu?

Engoli em seco. E ele fechou a porta com ferocidade.

Levei alguns minutos para conseguir me levantar, a dor era pulsante, e o sangue manchara levemente a parte do tecido em que caí sentada. Um milhão de coisas me passou pela cabeça, de como ele havia descoberto, até a consciência de que eu havia perdido meu bem mais precioso naquela vila. O bem que eu desejava entregar apenas ao homem que eu escolhesse, e aquele maldito tomara de mim a força.

***

Me vesti com outras peças de roupa, terminei o jantar, e ele já aguardava a mesa, não conseguia comer nada, estava dolorida, machucada, e mais humilhada do que normalmente. Não conseguia forças nem mesmo para levantar minha cabeça.

Depois do jantar, passei por mais torturas, mais humilhações, e ele me abusou novamente. Aquilo me deu a consciência de que minha vida seria aquela daquele momento em diante, se eu não fizesse nada a respeito. Precisava fugir. Precisava de ajuda.

Ele me expulsou do quarto quando terminou, e me encolhi na poltrona. Apertei minhas coxas chorando, tentando diminuir a dor, me encolhendo ali na esperança de me tornar invisível. De desaparecer. Sumir para sempre.

Encostei minha cabeça na madeira, levantei minha mão, mas naquela noite, não tive forças.

Fechei os olhos com força, me perdendo em um mar de tristeza, de total desespero por tudo o que tinha vivido naquele dia. Por tudo que haviam tomado de mim.

Estava quase dormindo de exaustão quando ouvi. Era baixo, mas nítido. Três traços arranhados na parede, uma pausa e duas batidas.

Olhei atônita para a parede. Era uma resposta? Uma resposta de verdade, ou minha cabeça estava me pregando peças?

Aquilo significava "OI" Oi, em português!  Eu tinha que acreditar que não era minha imaginação. Precisava.

Espalmei minhas mãos na madeira, me ajoelhando na poltrona, respirando fundo, tentando me acalmar. Olhei para a porta para me certificar que ele não estava ali. Mas mesmo com as mãos tremendo consegui.

Batida, arranhão, arranhão.

Batida, batida.

Batida, arranhão, batida, batida.

Batida, arranhão, batida, batida.

O conjunto formando a palavra "WILL".

Encostei minha testa na parede, esperando, ofegando baixinho, rezando para não estar completamente louca.

Alguns instantes depois, recebi uma resposta. O equivalente a "SIM"

Fechei os olhos. E a única coisa que consegui, foi mandar um "S.O.S"

E acabou. Mais nenhuma batida ecoou pela parede naquela noite, parecia mesmo que tudo havia me abandonado. Não havia mais ao que me agarrar.

E tive a certeza de ouvir a voz de meu pai sussurrando para mim naquele instante. "Nada que outro alguém faça pode realmente acabar com você, sua destruição só começa, quando perder sua esperança"

Naquele momento... Minha destruição havia chegado. 

AlgozOnde histórias criam vida. Descubra agora