3 Batidas na parede

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Will

Me joguei no chão, exausto demais para qualquer coisa, fiquei de barriga para cima vendo o teto imundo da sala, e o ventilador capenga fazendo barulhos de falta de lubrificação, fechei os olhos e desejei que ele acertasse minha cabeça. Eu era um maldito refém naquele lugar, no entanto, não me tratavam como um.

Respirei fundo, ouvindo as batidas na parede ao lado, como todas as noites, levou um certo tempo para que eu prestasse atenção na constância e nas variações. Eu sabia que queria dizer alguma coisa, mas não sabia o que. Imaginei que atrás da parede havia algum militar, talvez tentando se comunicar. Di havia me dito que a casa escolhida para mim, era um reduto de combatentes e guardas da vila. Imaginei que soubessem que eu era um inimigo ali, isso explicaria os olhares e as poucas palavras quando eu estava perto. Mesmo assim, o cântico de línguas diferentes parecia se esforçar cada vez mais para que eu não compreendesse. Muitos falavam Português, mas a predominância era de sotaques espanhóis. A maioria se esforçava para conseguir algumas palavras em inglês comigo. E achei melhor que eles achassem mesmo que eu não conhecia outras línguas.

Me sentei, cruzando as pernas e relembrando as batidas. Código morse? Só podia ser, era um padrão de batidas e traços arranhados na parede. Senti ódio de não saber decifrar aquela merda. Perdi aulas importantes afinal... Artur riria de mim se  não estivesse morto.

Me soltei de costas novamente, poderia tentar a ajuda de alguém pela manhã, precisava saber se aquilo era uma zombaria, ou se tinha algum sentido.

***

Levantei antes do dia amanhecer, enfiei minhas pernas na calça jeans e passei uma regata desajeitadamente pela cabeça, saí pela porta, recebendo o ar morno da manhã. Fechei a porta e desci as escadas até a rua de terra que dava para os pequenos comércios ali. Entrei, cruzando os braços na casa de carnes quentes, onde me orientaram a ir desde que chegara, comprei meu café da manhã costumeiro, e quando estava saindo, vi o soldado que sempre estava ao meu encalço. Tentava ser discreto, mas era desatento e mal treinado. Uma verdadeira vergonha. Entre meus homens, ele não teria mais lugar no corpo onde não apanhar.

Sorri para ele. ― Bom dia, amigo.   ― cumprimentei em um espanhol carregado de um falso sotaque inglês.

Como em todos os dias, ele apenas me olhou, nunca falava comigo, estava ali somente para me observar, toda a ladainha ficava por conta da Di.

Caminhei de volta até em casa, e me sentei à mesa para misturar as carnes com os feijões guardados do jantar que eu nunca tinha paciência para comer, ou acabava comendo algo em algum bordel que me recebesse.

Olhei pela fresta de madeira, e o vi parado perto das escadas. A ideia surgiu antes que eu pudesse pensar a respeito.

Dei a volta, entrei no banheiro, forcei a janela sem fazer barulho, e saí pela parte de trás, me esgueirei pela lateral, e pulei do deck para as plantas. Fui abaixado até a escada e olhei para cima, vendo-o distraído com seu cigarro, e com um fuzil nas costas. Contei mentalmente até três, e agarrei seus tornozelos jogando-o no chão. Ele gritou, e em um impulso, eu estava sobre ele, com uma faca de plástico, ainda suja do café da manhã, posicionada em seu pescoço.

― Vão matar você por isso, desgraçado! ⸻ Ele rugiu em uma tentativa de inglês, mas que soava totalmente espanhol.

Sorri e arranquei o cigarro de sua boca, jogando-o longe. ― Pode me matar depois, agora quero uma conversinha.

Ele arregalou os olhos para mim, o puxei do chão, fazendo com que ficasse em pé e o empurrei até minha casa.

Me virei para fechar a porta, e quando me voltei para ele, o sujeito já empunhava o fuzil, apontando-o na minha cara.

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