29 Presente

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Will

Voltei com ela para casa, levando-a direto até o banheiro para que se limpasse. Queria dizer muitas coisas depois de sua confissão, mas não o fiz, porque eu mesmo não sabia que rumo aquela conversa poderia tomar. E para ser sincero, não gostaria de me estender sobre aquilo.

Miguel chegou logo depois de nós, ao contrário dos outros, não estava nem um pouco abalado,  matara o porco e ajudara Juan a terminar sua parte, cortando a cabeça. Ele me lançou um olhar consternado, mas compreensivo e se sentou diante de mim à mesa, não estava sujo de sangue, o que já era uma benção.

⸻ Onde ela está? ⸻ disse ele olhando ao redor.

⸻ No quarto ⸻ falei baixo ⸻ Deve estar organizando pensamentos. ⸻ dei de ombros.

⸻ Deveria ajuda-la nisso. Eu compreendo o que o senhor quis ensinar, mas não é fácil para quem nunca presenciou algo do tipo.

⸻ Eu sei Miguel, mas estou treinando assassinos. Como posso esperar deles que matem pessoas, quando vomitam e desmaiam matando porcos para alimentação? Não estou mais perto de ter homens preparados para a missão do que há um mês atrás, e sabe que tenho pouco tempo. Não temo por mim, mas por vocês.

⸻ Mas estão melhorando Senhor. Vejo habilidades sendo lapidadas, vejo soldados sendo criados no campo.

Baixei a cabeça ⸻ Vejo pessoas treinando para morrer. E o pior, morrer por uma causa inútil e mesquinha.

Seu semblante ficou pesado ⸻ O que acha que vai acontecer quando voltarmos da missão. Se voltarmos?

⸻ Não sei, mas pretendo tentar livrar os que sobrarem de vocês daqui, e levar Alicia para um lugar seguro.

⸻ Isso ainda existe? Lugar seguro?

Assenti ⸻ Fora desse continente, tudo continua como sempre foi.

⸻ Então pode leva-la para seu país.

Engoli em seco ⸻ Não a levaria para lá nem que minha vida dependesse disso.

⸻ Por que não?

Me levantei ⸻ Não desejo entrar nesse assunto. Só precisa saber que o fato de eu não ter uma patente em meu nome, significa muita coisa.

Caminhei devagar até a porta de seu quarto, e abri uma fresta. Ela estava sentada, com o dicionário nas mãos, e o exemplar de Romeu e Julieta sobre as coxas. Só por ela não ter baixado o dicionário da frente do rosto para me olhar, já sabia que ela ainda não estava pronta para sair de sua bolha de raiva e mágoa.

⸻ Você está bem? ⸻ perguntei baixo.

⸻ Acho que sim. O que você quer? ⸻ sua voz não era a doce de sempre, nem a que me provocava, era algo como pesar falando.

⸻ Você queria saber aonde eu fui ontem... Quero te contar.

Ela baixou o dicionário da frente do rosto, me olhando com desinteresse.

⸻ Por quê? Por que agora?

Fiz sinal para que ela esperasse, e voltei para a sala, para pegar o embrulho escondido no sofá. Miguel esticou o pescoço, interessado, mas ignorei-o.  Voltei ao quarto com o pacote nas mãos e me aproximei, entregando-o a ela.

⸻ O que é isso? ⸻ seu semblante era de curiosidade, mas ela tentou disfarçar apenas apalpando o embrulho.

Me sentei próximo a ela ⸻ Fui pedir informações sobre a tal festa à dona Dorela, ela disse que se assemelha ao natal, sabe... muita comida, pessoas bêbadas e roupas novas. Ela usou alguns termos que não gosto de repetir também. ⸻ sorri, tentando animá-la.

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