Capítulo 48

201 18 2
                                    

Raulf:

Toda a aparente calmaria que Theo vinha apresentando se transformara em um turbilhão de nervos ao se aproximar da casa onde a sua progenitora residia, percebi essa mudança assim que o carro parou em frente a casa dela, ele mordia o canto dos lábios, sua mão estava gelada, e ele assoprava sobre elas após esfregá-las diversas vezes.

Eu sabia que era um comportamento que não era o seu habitual fazer, mas entendia que era a forma que ele encontrou de colocar para fora toda a mágoa, toda a tristeza, todo sentimento ruim que tinha em relação a mãe antes de bater na porta dela e encará-la, então não interferi, preferi ficar ao lado dele em silêncio e só depois que ele respirou fundo e me olhou com um sorriso foi que eu perguntei:

_ Preparado?

_ Eu estou com medo do que vou escutar, mas não posso mais fugir desse confronto, adiei por tempo demais, tenho que seguir em frente e só conseguirei isso encarando essa realidade, então sim, estou preparado.

Ele me estendeu a mão e eu a acolhi, caminhamos até a porta e ele me olhou por mais uma vez antes de bater, esperamos cinco minutos para sermos atendido por uma mulher que tinha a semelhança dos traços do Theo, ela estava parada em frente a porta em silêncio, Theo também ficou imóvel, então eu me forcei a interromper aquele silêncio:

_ Boa tarde senhora, estamos aqui a procura da dona Valéria.

_ Sou eu mesma, entrem eu sei quem são vocês, na verdade estava a sua espera Theo, sua tia me avisou que vocês estavam vindo para cá, sentem-se, querem alguma coisa para beber, comer?

_ Não queremos nada, agradeço, mas não foi para comer ou beber que viemos procurá-la.

_ Eu sei o que você veio procurar Theo, você veio atrás de resposta e eu as darei, irei responder todas as suas dúvidas, mas não gosto de conversar com uma pessoa em pé, sente-se pelo menos.

O embate entre eles começou naquele clima tenso, e eu fiquei receoso de como o Theo sairia dali depois de conversar com aquela mulher. Segurei na mão do Theo e o fiz sentar:

_ Eu gostaria que essa nossa conversa fosse só nossa Theo, mas vejo que trouxe o seu amigo.

_ O Raulf não é meu amigo, ele é meu namorado, ou melhor, meu marido já que estamos morando juntos, e não tenho nenhum segredo que queira esconder dele.

_ Marido?

_ Sim, olha desculpa, não é para discutir com você sobre o meu relacionamento ou estado civil, que eu vim falar com você.

_ Tudo bem, se é assim ele pode ficar, o que você quer saber Theodoro?

_ O motivo... Eu quero saber o motivo pelo qual você abandonou a mim e ao meu pai sem nem olhar para trás?

_ Essa pergunta me atormenta todos esses anos Theo, eu era muito nova quando me apaixonei pelo seu pai, tinha apenas dezesseis anos, mas aos dezessete eu engravidei de você, não foi uma gravidez planejada, eu era muito imatura, seu pai também, nós nos gostávamos mas não estávamos preparados para ser pais, eu tinha tantos planos que seriam arruinados. Seu pai não tinha um trabalho fixo, ele na época fazia uma coisa aqui outra ali, eu ainda nem tinha terminado os estudos, e agora eu tinha uma criança em meu ventre.

Theo olhava fixo para ela, ele se inclinava para frente apoiando o corpo sobre os joelhos, expressão fechada, atento a cada palavra que ela dizia:

_ A notícia da minha gravidez deixou o seu pai feliz, eu não entendia como ele poderia está feliz com uma notícia que mudaria completamente as nossas vidas da noite para o dia, mas ele estava, meus pais ficaram sabendo dois dias depois que eu contei ao seu pai, e me obrigou a se casar com o seu pai.

_ Você nunca amou o meu pai?

_ Amei, claro que amei, nós nos casamos e no começo do casamento eu me sentia realizada, tinha o amor do seu pai, tinha você Theo, se de inicio eu pensei em te tirar do meu ventre, conforme você foi crescendo dentro de mim eu passei a te amar, te desejar, queria ver o seu rostinho, estava ansiosa, mas...

Theo deixou escapar uma risada:

_ Aí começa a verdadeira história com esse "Mas", conte o que vem por trás desse Mas?

_ Ter um filho é muita responsabilidade Theo, não é fácil você ver aquela pessoinha depender de você para tudo... Eu não tinha estrutura para isso, seu pai trabalhava o dia inteiro, e eu tinha que ficar com você o dia inteiro, você chorava e corria para os meus braços, você caia e era nos meus braços que vinha se lamentar, mas eu desejava uma vida melhor do que cuidar de alguém, eu queria ser cuidada, seu pai chegava cansado do trabalho e não me dava atenção, nos finais de semana ele ao invés de atender a minha carência, se ocupava de brincar de carrinho com você, e você ocupava todo o espaço. Eu já não aguentava mais, então convenci o seu pai de que eu deveria voltar a estudar, deixava você com uma vizinha e quando seu pai chegava do trabalho ele te pegava lá. Na escola eu me sentia viva, me sentia jovem, desejada, eu era bonita, mas quando chegava em casa aquelas paredes me sufocavam, foi nessa época em que eu conheci o Claudio, foi uma paixão instantânea, nos envolvemos, e logo aquela paixão virou amor, eu amava aquele homem mais do que tudo no mundo. Quando ele me propôs fugirmos eu não pensei duas vezes, você já estava grandinho, já não precisava de mim.

_ Não precisava de você?... Um filho nunca deixa de precisar de uma mãe.

_ Mas você sempre foi independente, sempre foi um menino esperto, e tinha o seu pai, não precisava de mim presa a você, eu já não amava o seu pai, fugi, não pense que foi fácil para eu deixar você, mas entenda eu não podia te trazer comigo, eu precisava viver a minha vida com o Claudio sem uma criança a tira colo.

Theo apertou a mão sobre a minha:

_ Mas a minha felicidade durou apenas dois anos, o Claudio foi preso e morreu na prisão, foi quando eu fui te procurar, você estava com quinze anos, você se lembra disso que eu fui te procurar?

_ Agora eu me perguntou a razão pelo qual foi me procurar o que queria se a sua prioridade nunca foi eu?

_ Eu nunca tive ninguém filho, seu pai, o Claudio nunca foram meus, seu pai vivia para o trabalho e quando chegava em casa vivia para você, e o Claudio vivia para o crime, eu sempre fui só, mas eu tinha você, você nasceu de mim, você era a única pessoa que eu podia chamar de meu.

_ Está enganada, eu nunca fui seu, nasci de você isso eu não posso mudar, mas isso não me faz ser sua propriedade, mãe é quem cria, quem ama, quem concede amor, você me concedeu a vida, mas não amor, sabe porque, porque você nunca soube amar, o seu egocentrismo não permitiu que você conseguisse amar de verdade outra pessoa além de você.

_ Você me deve amor Theo, eu sou a sua mãe.

_ Você perdeu esse direito no dia em que me abandonou, sem pensar se alguém me acolheria você não se importou nem mesmo quando meu pai faleceu, e ele faleceu por que se entregou ao vício por sua causa. Mas quer saber, eu te perdoo por tudo, não por você, mas por mim, porque quero viver bem, sem o peso de uma mágoa, de uma frustração, entretanto eu nunca mais quero te ver, preferia não ter nenhum laço sanguíneos com você, mas ele existe, porém isso não significa nada, pois é exatamente isso o que sinto por você... Nada.

Theo se levantou e eu fiz o mesmo, ele não chorou em nenhum momento, dona Valéria teve alguns momentos de emoção mas também não chorou, foi uma conversa difícil e impactante para eles e eu me segurei para não chorar em vários momentos:

Essência LibertinaOnde histórias criam vida. Descubra agora