Joe.
O carro não é o melhor lugar no momento.
Meu corpo inteiro dói, e eu ainda nem avaliei meu estado, pego uma camiseta branca surrada no banco de trás e rasgo um pedaço com a boca, o movimento com os dentes dói e sinto pontadas no maxilar, lembro automaticamente que ele me socou lá.
Faço um torniquete com o tecido, que se encharca rapidamente, sinto meu corpo cansado e falhando, ligo o carro e dirijo em direção ao hospital mais próximo, com certeza vou precisar de pontos na mão. Deixo, depois de uns segundos, que as lágrimas corram por meu rosto, respiro fundo e deixo a dor sair.
Eu gosto de acreditar que ele está mentindo, mas se estivesse, por que ela estaria tão sem palavras e nervosa, se sentindo culpada? A insegurança é o que mais dói, e como poderia ser de outro jeito, se ela me deixou por ele tantas e tantas vezes?
O hospital aparece e estaciono o carro quase na porta, puxo o celular e ligo a câmera, eu estou péssimo. Minha mandíbula está vermelha e minha têmpora esquerda roxa. Vai ser complicado explicar isso no hospital, mas eu não tenho outra escolha, meu corpo está fraco e cansado e eu não vou esperar até ficar pior.
O celular vibra descontroladamente, Anna. Eu envio uma mensagem, para que ela se acalme.
''Estou no hospital. Preciso de espaço, depois falamos.''
Não sei se isso a acalma, mas por via das dúvidas enfio o celular no porta luvas e pego minhas chaves e carteira com a mão boa, caminho para o hospital sob a garoa fina e me sinto ainda mais fraco, as pessoas me observam e olham meu estado, talvez eu esteja pior do que pensei. Quando entro, uma enfermeira de meia-idade alta e magra vem até mim com os olhos preocupados.
- Olá, você precisa de ajuda? - ela pergunta, me vendo mancar.
- Preciso sim. - digo.
Então ela passa um dos meus braços por seu pescoço e me ajuda a caminhar até a enfermaria, onde me sento em uma maca, só tem mais duas pessoas no ambiente, uma dormindo com soro na veia e outra fazendo nebulização, então me sinto menos constrangido com toda a situação.
Ela se senta ao meu lado com uma ficha nas mãos.
- O médico está a caminho - ela diz, colocando a ficha na maca - vamos apertar esse torniquete enquanto isso.
Ela tira o tecido, em algumas partes mais colado a pele com o sangue seco das extremidades da minha mão, é doloroso, mas eu me mantenho firme. Ela olha o corte com preocupação.
- Isso está fundo, pode ter rompido alguma veia, tem quanto tempo que sua mão está sangrando assim? - ela pergunta, pegando um tecido amarelo claro na mesa.
- 20 minutos talvez. - eu digo.
Ela arregala os olhos.
- E como você se sente? Pelo fluxo de sangue pode ter saído mais de 300ml de sangue desse corte. - ela pergunta.
- Tonto e cansado. - respondo.
Então um médico, alto, loiro e com uma aparência um pouco cansada caminha até mim, me observando.
- Pode deixar que seguimos daqui, Matilda. - ele diz, com a voz gentil.
A enfermeira sorri pra mim em solidariedade e sai caminhando.
- Bom, o que temos aqui? - ele pergunta, pegando minha mão.
- Eu tive uma briga, no processo me cortei com um copo, está sangrando muito a muito tempo e eu me sinto fraco, minha mandíbula está um pouco travada. - digo, fazendo uma análise rápida da minha situação física.
- Bom, primeiro nós vamos limpar e pontuar esse ferimento, você vai poder tomar um banho ali atrás se quiser se limpar do sangue e vai precisar ficar mais umas 4 horas em recuperação com soro e observação, por causa da perca de sangue. - ele diz, com a voz tranquila.
4 horas sem distração, eu poderia morrer agora.
Faço que sim com a cabeça e ele pega algodão, passa em um líquido desconhecido e começa a limpar os cantos da ferida, o sangue escorre em um filete pelo meu pulso, ele limpa os meus dedos, o algodão está frio. Então, em silêncio, ele pega a agulha e passa a linha por um buraco. Então começa a costurar minha mão com calma, eu sinto dor, e torço o nariz, mas respiro fundo sabendo que não chega nem perto do pior pra mim.
O corte fundo foi próximo ao polegar, fazendo a volta nas ''almofadas'' das mão, a parte mais fofa.
Quando finaliza, ele passa novamente o algodão cheio de líquido transparente por minha mão até que ela esteja limpa, nem parece a mesma.
- Bom, uma enfermeira vai voltar agora e te fichar, te colocar no quarto e você poderá tomar banho, tudo bem? - ele pergunta.
- Sim, obrigada.
Mas não está nada bem, dentro ou fora de mim, tudo queima e reclama.
Anna.
A casa está um caos.
Joseph simplesmente não atende meus telefonemas e por isso desisti de ligar por um tempo. Claro que ele entendeu tudo errado, e Hardin, na situação que estava, não fez questão de ajudar em nada meu lado. Meu coração se partiu em pedaços quando ele saiu com a mão pingando sangue pelo corredor. Agora tudo que eu tenho são cacos de vidro, sangue e uma bagunça na minha sala de estar.
Na nossa.
Lavo o rosto no banheiro e me observo pela visão do espelho. Hardin estava revoltado, precisei ameaçar que chamaria a polícia caso ele não desaparecesse da minha frente, minha mãe foi junto, eu pedi para que fosse. Preciso de um segundo sozinha, para pensar e refletir.
Coloco Roslyn do Bon Iver no som e começo a organizar as coisas bagunçadas, varro os cacos de vidro, a vassoura faz um rastro de sangue no chão, me sinto tão enojada que poderia vomitar, mas me mantenho firme e faço tudo sozinha, primeiro os cacos, então um esfregão para o sangue e em 45 minutos a casa parece intocada. Como se tudo estivesse bem, mas claro que não está.
Hardin disse inúmeras vezes que Joseph havia me traído, que ele tinha feito o mesmo e eu não o culpava, talvez essa seja a raíz do seu ódio. Talvez eu não tenha me atentado o suficiente pra isso, porque ele sempre esteve comigo nos piores e mais dolorosos momentos, pois eu beijei Hardin aquele mesmo dia, pois eu tenho completa consciência de que estou incondicionalmente ligada a ele. Ele foi meu salvador quando eu mais precisei de um, desde que ele voltou pra minha vida, eu não me via mais sem sua presença.
Ele não me deu chances de explicar o que houve, de dar minha versão da história, mas... claro, já que eu o deixei por Hardin tantas vezes, talvez isso seja até justificável, a insegurança e a raiva. Mas claro que me faz pensar, se eu também não preciso de um tempo para colocar meus pensamentos no lugar, para decidir o que fazer de minha relação disfuncional e problemática com meu pai desaparecido que voltou dos mortos pra tentar conquistar meu afeto, meu livro que lançou hoje e eu sequer pude ver os resultados nas redes sociais, meus sonhos colocados em segundo plano pelos outros.
Eu estava tão dependente dele como estive de Hardin. Isso me assusta. Não porque ele vá desfazer minhas expectativas, mas porque é... disfuncional, errado e arriscado demais pra ser correto.
Tomo um banho longo e enquanto a água refresca meu corpo, deixo-me levar pelos pensamentos e decisões, pensando em como preciso de um tempo pra pensar, em tudo.
Será que a minha vida nunca vai poder ser feliz, normal e tranquila?
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After Anna
FanfictionAnna Todd é uma diretora e escritora que vê sua vida virar do avesso quando acorda no mundo de livros que ela mesma escreveu, onde ''conhece'' o bad boy Hardin Scott e convive com o misterioso, mas familiar Joseph. Contada pela perspectiva de inúmer...