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Anna. 

Meu corpo todo dói. 

Minhas mãos estão geladas, meu nariz está congelando, estou triste, chateada, confusa e com muita raiva. 

O que Hardin fez ultrapassou todos os níveis de idiotice que eu sinceramente pensei que ele pudesse chegar. Tudo que ele fez até agora, seus erros, foram todos com raiva, bêbado, drogado. Isso não muda muito, mas altera suas percepções e talvez eu os justificasse por isso. Mas agora estava tudo bem com ele e ainda assim ele me beijou. Tessa. Pobre Tessa. 

Se minha vida não estivesse desabando sobre minha cabeça eu talvez consideraria conversar sobre ela. Mas agora estou no elevador do hotel onde minha mãe está hospedada, e seus sentimentos e suas reações importam muito mais do que Hardin Scott fazendo besteira, isso é o costumeiro. As paredes do elevador parecem diminuir a cada segundo que passa, me sinto sufocada, tão nervosa que não sei se vou conseguir exprimir uma palavra. 

A verdade é que quando ele foi embora ela não pôde ter seu luto para me cuidar e me guardar, agora eu me sentia no dever de guardar meu luto por ela. Fingir que estava tudo bem, que nada fora quebrado dentro de mim. Mas no meu estado no momento, isso seria difícil. Quando o elevador se abre e estou no corredor, caminho até a janela e puxo o ar frio com todas as minhas forças, sinto um pouco de calma em meus pulmões, mas então tudo isso é transferido para um sentimento de cansaço, de impotência, de dor. Como os homens na minha vida se sentem no direito de irem e virem. 

Será que Louis Todd pensou que me reconquistaria com um olhar de desculpas e um pedido sem verdade alguma na voz? Hardin Scott, ele pensou que me teria assim, num momento de fraqueza eu esqueceria do homem que amo e cairia em seus braços, acabaríamos nus em seu alojamento imundo e tudo ficaria bem? Começo a pensar se existe algo errado em mim e por que as pessoas vem e vão como se eu não fosse nada. 

É doentio. 

Encosto os cotovelos na janela e sinto o orvalho em minhas bochechas, as lágrimas rolam, de impotência, dor, nervosismo e agonia. Ainda tenho que me recompor e ir contar algo tão doloroso a minha mãe. Me destrói. Minhas pernas pendem e falham mas me seguro de pé e tento me manter firme. Ouço uma porta atrás de mim mas ainda não estou firme o suficiente para me virar, sinto então braços quentes em minha cintura, tão preciso me virar ou levantar o rosto, o toque e o cheiro não nega. 

Minha mãe. 

Esqueço meu esforço de me manter firme, estou péssima nisso. Ela vira meu corpo e me abraça, com os braços em volta de mim. Caminhamos com nada mais além das minhas lágrimas e quando entramos no quarto, ela se senta na cama e eu me deito, colocando a cabeça em seu colo, me deixo ir com o choro e deixo todos os sentimentos ruins e dolorosos irem embora. 

- O que houve? - ela pergunta, depois de alguns minutos de choro. 

- Ele voltou. - eu digo. 

Sinto seu corpo estremecer. Sua mão para de acariciar minha cabeça por um momento e eu me levanto, sentando-me ao seu lado. Seu corpo está apático. 

- Seu pai? - ela pergunta, querendo apenas uma certeza. 

Eu faço que sim com a cabeça e ela coloca as mãos no rosto, mas não chora, só respira fundo. 

- Ele foi até a livraria, depois até minha casa. Ele está rico, o filho de uma mãe que tirou tudo de nós agora usa rolex. - eu digo, sem pensar nas palavras, com raiva. 

Ela olha pra mim com um olhar apreensivo, como se algo no que eu disse a preocupasse. 

- Sinto muito, mãe. - digo, segurando suas mãos. 

- Um dia ele teria que aparecer, eu sabia. - ela diz, com o rosto mais tranquilo. 

- E isso não te machuca? - pergunto, preocupada. 

Ela dá um pequeno sorriso e limpa uma lágrima em minha bochecha. 

- Não. Ele é teu pai. - ela diz, calma. 

Um sentimento de revolta cresce em meu peito, como assim, meu pai? Ela quer dizer que eu devo perdoá-lo e viveremos uma família feliz? 

- Como assim, meu pai? Eu não conheço ele. Ele nos deixou. - eu digo, inconformada. 

- Sim, e eu posso nunca mais vê-lo com respeito ou carinho, mas você não pode viver minha dor, ela não é sua. Quando ele foi embora você era uma criança pequena, não entendeu muito, eu sofri, e isso é tudo. Sofri, cresci e me recuperei. Minha dor não é sua. - ela diz, cada palavra com cuidado.

Sua colocação me espanta e me faz pensar, e se essa for minha motivação, afinal? Se eu estiver vivendo sua dor? Se o abandono que doeu nela tiver sendo refletido em mim por puro esforço meu? Isso não muda que ele é um crápula, mas muda como eu vejo as coisas, como me vejo, afinal. 

- Eu... eu não sei se consigo perdoá-lo. - digo, sincera. 

Ela me puxa para um abraço e deita minha cabeça em seu peito, seu cheiro inunda meu cérebro e eu relaxo automaticamente, com lembranças automáticas de carinho na mente e no coração. 

- Você precisa. Tome seu tempo, mas deixe isso ir, Anna. Seu pai foi fraco, ruim e covarde, mas sua raiva está ferindo apenas a você mesma, e essa dor eu não quero pra você. - ela diz, afagando meus cabelos. 

Por alguns minutos só ficamos assim, juntas, absorvendo nossas próprias energias, me recarregando em seu corpo quente, caloroso e calmo, mais uma vez em minha vida, ela acalenta meu luto e minha dor. 

Alguns minutos depois ela se afasta de leve e segura meu rosto. 

- Foi só isso? - ela pergunta, como se soubesse a resposta. 

Repasso a imagem mental de Hardin tentando me beijar e aperto os olhos, balançando a cabeça. 

- Hardin, nos encontramos enquanto eu vinha e ele tentou me beijar. - digo, com raiva na voz. 

Ela arregala os olhos e parece chocada. 

- Sério? Que falta de respeito. Eu pensei que ele estivesse melhorando, mudando. - ela diz, com o rosto triste.

- Não sei se ele pode mudar, talvez essa seja sua essência. Essencialmente ruim. 

Ela me olha, dessa vez com confusão no olhar. 

- Todos podem mudar, Anna. - ela diz com confiança - Você não pode mais associar sua vida a esses episódios com homens que te fizeram mal, seu pai, Hardin e todos os demais, sua vida hoje é outra, você encontrou o amor da sua vida, seu namorado e quem te respeita e cuida, você não precisa mais se moldar diante dessas dores do passado, viva no hoje e seu amanhã será melhor. - ela diz, com um olhar suave. 

Então reflito sobre sua afirmação com a cabeça encostada em seu ombro. Eu encontrei Joseph. Que me ama, me respeita, confia em mim e cuida de mim, que nunca me deixou e eu acredito que nunca faria isso, que me tirou do fundo do poço quando eu precisei, que foi homem, namorado e amigo, ele merece mais de mim que alguém cheia de suas próprias dores. Eu mereço mais de mim. Mereço felicidade fora dessas dores. 

Se um dia eu vou perdoar meu pai ou olhar na cara de Hardin sem raiva é uma questão que eu não sei responder ainda, mas que vou superar minhas batalhas com todas que amo meu lado, isso eu sei que vou, porque quero, porque consigo, porque mereço. 

Meu peito se enche de ar com calma depois de um longo período de preocupação, respiro fundo, deixo o ar entrar, como uma torrente de calma e paz no meu rosto inchado. 

- E eu acho que você deveria pensar se Joseph não pode acabar se vendo como um coadjuvante em sua vida, já que nesse momento suas dores, questões e energia estão sendo gastas com quem não as merece. - ela diz, afagando meus cabelos. 

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Oi!

Faz um tempo. Mas agora eu voltei. 

Enjoy it. 

XOXO


After AnnaOnde histórias criam vida. Descubra agora