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Anna.

Ele entrou no apartamento com sua pose e roupas caras, e ficou me encarando. Meu corpo todo estava cansado, exausto, até. Mas eu não descansaria, não abriria mão do meu orgulho, como sempre fazia, por todos.

Dessa vez ele sentiria minha indiferença.

Porque eu já sofri demais.

Joseph está ao meu lado, como sempre. Com o rosto mais disposto e bem cheiroso, os cabeços enroladinhos ainda molhados, eu estou ao seu lado, com a mão no seu ombro. Ele está aqui com sua energia emanando ''se você quiser que eu esmurre ele e o expulse basta dizer''. Mas eu não quero isso, embora uma grande e expressiva parte de mim ache que ele merece ser expulso, escorraçado.

- Eu sei que errei e sei o quanto errei com você, Anna - ele fala, nervoso - mas... eu não sei, eu sinto orgulho de você e sobretudo de quem você é, eu quero te ajudar, quero... quero estar na sua vida.

Rá. Mais um que acha que pode ir embora e voltar depois. Tendo todo o direito de ''estar na minha vida''. Isso me enoja, ao mesmo tempo que eu esforço cada músculo do corpo para expulsar qualquer sentimento de empatia que eu tenha por ele.

- Eu não preciso de você, Edgar - digo, com a voz calma - eu precisei, precisei em todos os dias dos pais até o fim do ensino médio, precisei no último baile escolar quando Joseph foi me buscar e não tinha nenhum pai pra me mandar voltar até a meia noite. Eu precisei de você tantas vezes. - digo, esforçando cada parte de mim para conter a emoção.

Ele está impassível. Lágrimas silenciosas estão em seus olhos, para sua infelicidade, elas não me preocupam ou sequer mexem mais comigo.

- Eu não tenho o direito, eu sei - ele fala, e não contém as lágrimas - mas eu sou seu pai.

- Se você é meu pai, onde você estava, quando eu precisei de você? - pergunto, com a mão pegando fogo dentro do bolso.

Ele se aproxima e eu não me movo. Mesmo se tiver a cara de pau de querer tocar em mim, eu o expulsarei.

- Ausente, eu sei, estive ausente por tempo demais e agora eu só quero...

- Recuperar o tempo perdido? - pergunto

- Sim, filha.

Meu peito arde.

- Onde você esteve? - e quero mesmo saber o que ele fez com a própria vida.

- Você quer dizer...

- Sim, depois que roubou nosso dinheiro, pra onde foi? Como veio parar aqui?

Senti Joseph nervoso e o puxei mais pra perto, ele estava atrás de mim, observando. Sentia seu olhar em minhas costas. Me protegendo.

- Eu acho que podemos falar disso outra hora e...

- Não, Edgar. Agora. Me fale agora ou vá embora da minha casa.

Minha posição firme o assusta. Depois de ficar como uma pateta ao reencontrá-lo, eu entendo que esperasse que eu estivesse aos prantos.

- Eu... fui até Nova Iorque, aluguei um apartamento e comecei a investir em ações. - ele disse, envergonhado.

- E como um homem saí de um alcoólatra pra um investidor de ações? - perguntei, com o peito ardendo.

Ele se aproximou um passo e abaixou a cabeça, fazendo um sinal de negação com ela.

- Eu não sei, desculpe. - ele disse.

Meu peito arde, com pulsações desordenadas que me machucam e me tira do prumo, a história não faz sentido, mas é a única que eu tenho, a única alternativa em meio a névoa que ele deixou na minha mente ao ir embora. Não saber de nada. Saber coisas que me deixam irada é melhor do que não saber de nada, afinal. Não que ele mereça isso ou qualquer outra coisa de mim, no fim das contas, não tem mais nada a se fazer.

- Eu já ouvi o que você tem a dizer - eu disse, me aproximando um passo dele - e eu continuo não o querendo em minha vida, então, por favor, vá embora. - eu disse, com a pose mais caída e me sentindo cansada.

Ele levantou o olhar derrotado e não disse mais nada, virou as costas e saiu calmamente do apartamento. Eu fiquei imobilizada, cansada e muito derrotada. Não é possível que ele acredite de fato do que diz, que ache as coisas podem ser assim tão fáceis, porque não são. Minha mente focaliza em minha mãe, como ela vai se sentir ao saber que ele voltou, disposto a reconquistar um espaço completamente perdido em minha vida. É frustrante, cansativo e extremamente frustrante.

Só depois de alguns segundos eu me permiti respirar fundo novamente, puxando o ar e expirando este novamente, meu corpo caiu um pouco, ou ao menos saiu de sua pose. Joseph veio até mim e me abraçou pelas costas, colocando os braços em volta de minha cintura e beijando meu pescoço com delicadeza.

- Tudo vai ficar bem, meu amor. - ele murmurou, com a voz cansada.

Me virei pra ele e encarei seus olhos cansados e já cheios de olheiras e passei as mãos por seu rosto lindo.

- Obrigada. - murmurei na mesma altura.

Ele deu um sorriso fraco e me abraçou, deixei com que minha cabeça descansasse em seu ombro.

- Você quer que eu ligue pra desmarcar hoje com todo mundo a noite? - ele perguntou.

- Não - eu disse, me afastando um pouco dele - ele não vai ter esse poder sobre mim, não vou deixar de comemorar por causa dele.

Joseph deu um sorriso e assentiu com a cabeça.

Nós pedimos comida e almoçamos frango frito com arroz chinês assistindo uma série qualquer e depois ele ligou pra todo mundo confirmando. Claro que minha mente estava um turbilhão e as coisas mais confusas do que nunca, mas eu não me impediria de viver e de fazer minhas coisas, ver pessoas importantes pra mim por culpa dele.

Joe estava exausto, quase cochilou com a caixinha de arroz no colo, depois que nós comemos, eu joguei fora os restos e lavei a louça enquanto ele cochilava.

Lavei o rosto no banheiro e olhei pro reflexo no espelho. Eu estava muito cansada. Parte de mim estava feliz, principalmente por saber que esse cansaço e essas olheiras eram fruto de um trabalho extremamente árduo, parte de mim estava triste e muito cansada, claro que eu ainda me sentia muito usada, mas esse sentimento iria embora, cedo ou tarde.

Coloquei os fones e ouvi um pouco de música escorada na janela, sentindo a brisa leve que entra e sai e sentindo os cheiros da cidade, bons, ruins, medianos. A vida não precisa ser tão complicada, certo? Ela pode ser... boa, tranquila e talvez justa com alguns, não sei se é meu caso, se essa justiça me alcança em todos os momentos, mas eu me propunha a tentar aceitá-la ao menos como ela é.

Edgar... meu pai. O que ele fez conosco foi de uma desonestidade tão absurda que me parte o coração sequer lembrar dele. Mas eu tinha que enfrentá-lo. Não acredito que ele irá desistir tão fácil, porque eu também não desistiria se estivesse em seu lugar e sei que nos parecemos mais do que eu gosto de admitir.

Pego o celular e disco o número de minha mãe. Ela atende de cara.

- Oi, filha - sua voz é tranquila

- Onde você está, mamãe? - pergunto, com uma ponta de ansiedade quase incontrolável.

- Estou no hotel, querida, o que houve? - seu tom de voz muda.

- Eu estarei aí em alguns minutos, tudo bem por você? - pergunto, tentando ser o mais calma possível em minhas colocações.

Ouço um suspirar do outro lado da linha.

- Claro, querida, eu estou te esperando. - ela diz.

Desligo o telefone e troco de roupa, escrevo um bilhete pra Joseph e saio, com a chave no carro nas mãos.

''Fui ver minha mãe, ela precisa saber.

A.''

Quando entro no carro sinto um frio imenso no corpo, uma onda gelada me percorrendo de cima a baixo e respiro fundo. Coloco a chave na ignição e fecho os olhos, sabendo que as próximas horas não serão exatamente as mais fáceis.

Mas eu preciso delas.

After AnnaOnde histórias criam vida. Descubra agora