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Hardin. 

É terça a tarde e o sol hoje está mais ousado do que o normal pra essa cidade que só chove, coloco minhas calças habituais e vejo a camiseta do Arctic Monkeys que Anna me deu e visto. 

Eu acho que tem certas coisas nessa vida que não dá pra fugir pra sempre. Eu vou ter que encarar a verdade das coisas, encarar seu rosto de novo um dia, vestir a camisa que ela me deu e que eu deixava no fundo do guarda-roupa é um bom começo. Ainda tem um resquício de seu cheiro na gola e eu, sem perceber, puxo a gola e cheiro.

Eu estaria mentindo se dissesse que não sinto mais sua falta. Eu sou mais propenso a viver com as coisas na minha mente martelando do que o resto das pessoas, e isso é tão meu e natural que eu acho que virou rotina. Enquanto a maioria das pessoas já esqueceu algo, ainda está martelando em mim. 

Isso porque as pessoas vivem as dores que sentem e rapidamente essa dor vai indo embora. Mas não eu, eu empurro a dor pro fundo de mim, como empurrei essa camisa no fundo do armário e deixo lá, mesmo sabendo que, eventualmente, essa dor, culpa, o que quer que eu tenha feito de errado, vai escalar as paredes dentro de mim e vir com tudo na minha cabeça, com um soco forte. 

Mas eu acho que já sobrevivi a tanto que não sinto que nada mais pode me foder 100%. Tessa ainda está dormindo na cama e eu estou olhando pela janela com essa blusa e me sentindo um merda. 

Não é sempre assim. Acho que hoje é só um dia em ''especial'' pra me sentir um merda. 

Tessa está cuidando de mim como ninguém nunca... bom, talvez uma pessoa, já cuidou. Eu a amo, a desejo e adoro estar com ela. 

Eu estaria mentindo se dissesse que as coisas são totalmente iguais ao que eram a um tempo atrás, elas não são e nem poderiam ser, mas ela está tentando e se esforçando tanto que me impele a fazer o mesmo, e assim estamos nos dando bem. Não foi uma surpresa tão grande pra todos quando nós voltamos e a pauta ''Anna'' não é mais tocada com os outros. 

Tessa faz eu me sentir bem, eu gosto de sua presença, de seu pequeno corpo, sua pele clara e seus olhos, gosto de cuidar dela e de sentir que sou seu protetor. Estamos indo um passo de cada vez e são bons passos em sua medida. 

Mas, puta merda, acho que hoje é um dos meus dias ruins e decido sair pra não descontar isso nela.

Deixo um bilhete em cima da mesinha de cabeceira.

''Fui na editora resolver umas coisas do livro com Vance.

 Chego até as 15h com nosso almoço.

bj. H.''

Saio no carro, deixando o vento levar meus cabelos, que já estão maiores que o habitual e aproveito um sinal vermelho pra prender o cabelo com um elástico de qualquer jeito. 

Pensamentos... lembranças e emoções. Essas coisas todas me sufocam e o ar que entra forte na janela aberta ajuda isso a ir embora. Mas é óbvio que tá impossível de estacionar o carro na frente do escritório então deixo duas ruas atrás. O dia que começou com muito sol e calor agora já está ridiculamente fechado e garoando. É o que eu mais odeio nesse estado. 

Saio do carro e sinto a chuva ficando mais forte, o vento levando os fios soltos de meu cabelo e molhando o topo das bochechas, caminho rapidamente, o que, com essas pernas imensas, é perfeitamente rápido, desviando o máximo das pessoas até estar a apenas uma rua da Vance e esbarrar com um cara baixinho e gordinho que agora olha pra mim achando que vou quebrar a cara dele e quase se encolhe de medo. 

Hoje é um dos meus dias ruins, mas não digo nada, só pego minha mochila que caiu no chão e saio andando sem diálogo com o estranho. 

Mas como, claro, eu estou um pedaço de merda hoje, tropeço em uma pedra quase no meio da rua e isso atinge - não sei como - meu dedo, pelo impacto. A dor é fina e atenuante e eu quero gritar, mas eu saio andando meio mancando e deixo os carros passarem. Em outro tempo eu normalmente xingaria o motorista mas não me importo tanto com isso agora, deixo ir. 

Pego meu elástico do chão e me ocupo prendendo os cabelos, embora só estejam na altura do pescoço em algumas partes e dos lados ainda esteja mais baixo, tenho cabelo pra caralho e isso é uma convocação para explodir elásticos. 

Pego mais um sobrando no bolso da calça e prendo o cabelo do novo da pior forma possível, já que a garoa está me molhando e eu estou com uma blusa só e isso faz um frio fodido. 

Quando me estabilizo na calçada e levanto os olhos. Porra, é impossível.

Lá está ela.

Anna.

Ela está mais bonita do que nunca, porra, porra, porra. Do outro lado da rua, com calças pretas muito coladas em coxas muito gostosas e uma camiseta grande que vai até quase seus joelhos que dá esse estilo pra ela, ela está, como sempre, de all star, os cabelos loiros estão mais longos do que eu me lembrava, agora estão tocando sua bunda pelas costas, ela está com uma pasta em cima da cabeça fugindo da chuva e olhando pros lados como se esperasse por alguém. 

Eu acho que perco todo o fôlego. 

Ela é perfeita. 

Puta que pariu, Scott.

Ela abre um sorriso enorme pro nada e eu queria que fosse pra mim. Me pego com esse pensamento e com o peito aberto em dois observando ela de longe. 

Meu telefone vibra e me tira do meu transe. 

Tess. Na tela do telefone. 

Nesse momento é que me sinto culpado pra caralho por ter pensado como pensei e olhado pra ela como olhei. Merda. 

- Hardin? - sua voz é sonolenta. 

- Sou eu, Tess. - digo, virando de costas pra visão dela.

- Você pode, por favor, trazer aquele frango com purê e ervilhas que eu gosto? 

- Hm, claro que sim. - murmuro.

- Amo você, volta logo.

- Eu amo você também, Tess. - digo baixinho. 

É uma conversa normal e boba mas me sinto um merda por estar olhando pra Anna e pensando nela daquela forma. 

''Você precisa deixar ir, Hardin.'' ''Você tem que superar'', as pessoas sempre me disseram isso, é uma bobagem do caralho agora pra mim. 

Quando me viro de volta pra onde ela estava, vejo que ela ainda sorri e, como a garoa passou e deixou apenas o frio forte, ela já segura a pasta nas mãos, está mexendo no telefone. 

Ela já está com telefone? Por que eu não sabia?

... por que deveria?

Joseph se aproxima dela pelas costas, meu punho se fecha. Ele está com aquelas roupas dele de quem diz: hey! sou um cara descolado!

Abraça ela por trás e beija seu pescoço. Suas mãos na cintura dela. Puta que pariu, eu preciso sair daqui. Ela sorri, se vira e o beija. 

Já deu pra mim. Eu viro as costas e volto pro carro. 

Sento no banco e soco o volante, me sentindo fodidamente derrotado porque o fodido do Joseph está beijando, abraçando.... porra, está comendo ela. 

Tessa, Tessa, Tessa, Tessa...

Repito seu nome na minha mente pra me livrar da raiva e lembrar quem importa de verdade, quem está comigo. 

Só me sinto mais derrotado. E soco novamente o volante. 

Por que... por que pra mim as coisas sempre são assim?

After AnnaOnde histórias criam vida. Descubra agora