Jogos Vorazes: Os mentores

A esperança

Katniss Everdeen

Tenho dificuldade de abrir as minhas pálpebras, elas se grudam com o excesso de lágrimas que meu corpo produziu, as esfrego e minha visão se torna mais clara. Enxergo um teto branco e sinto meu corpo ainda trêmulo, deve ser a reação do líquido que Willow espetou em mim enquanto Finnick segurava meus braços. Olho em volta e vejo um quarto médio, com a decoração em tons de dourado e amarelo. A colcha que cobre meu corpo está limpa, mesmo eu estando suja e esfolada. Há um cheiro de mofo no local e um barulho de água corrente. Removo o soro que está na minha veia e volto a ter forças para levantar. No espelho ao meu lado, vejo o macacão que usei na arena, com rasgos enormes e meu corpo totalmente revestido de curativos. Como alguns ainda doem aposto que levei pontos.

Vejo uma janela no lado esquerdo do quarto e vou até ela. Puxo as cortinas e me deparo com uma extensão enorme do mar, a areia se arrasta de um lado para o outro e o sol brilha. Quero sair desse quarto, mas devo me proteger, e se eu estiver sob o comando de Snow? Eles nos pegaram ao fugirmos?

Arranco um pedaço do cabide que encontro, abro a porta do quarto e vejo uma pequena extensão de corredor. Nele há duas portas que estão fechadas, observo todos os lados e saio andando a procura de algo ou alguém. No fim do corredor encontro uma sala e uma cozinha pequena. Que lugar é esse?

A porta da frente está aberta e coberta apenas por uma tela, me aproximo e tomo um susto ao ver um garoto de cabelos loiros dourados a atravessando.

- Katniss, você acordou - Finnick está usando uma camisa branca amarrotada, ele está limpo e cheio de curativos.

Lembranças me atingem e me recordo que ele me impediu de salvar Peeta, segurou meus braços enquanto eu implorava para ser liberta. Isso fez eu me irritar tanto que avancei sobre seu corpo e caímos no piso de madeira.

- Você deixou ele morrer! É culpa sua! Eu podia ter o salvado! - meu grito é raivoso e doloroso. Jorro saliva em sua cara mas nem ligo, ele merece saber de tudo isso.
- Eu nunca deveria ter me aliado à você! Traidor!

Finnick não luta comigo, apenas tenta se esquivar da minha arma improvisada e agarra o meu pulso armado.

- Pare Katniss! Pare com isso!

- Onde nós estamos? Que lugar é esse? - sigo me debatendo.

- Estamos no distrito 4 - paro de lutar com ele e o encaro confusa.

- Não estamos presos?

- Não - saio de cima dele - ia tentar me matar com um pedaço de cabide? - olha para a minha mão.

- Eu conseguiria

- Não duvido disso

- Pode me explicar o que está acontecendo? - ele massageia a testa tensa.

- Sente no sofá - aponta para o pequeno sofá e começa a mexer em um aparelho.

Uma tela é projetada e a imagem de Plutarch Havensbee surge.

- O que você quer com esse homem? Ele quase nos matou!

- Katniss, ouça - Finnick se senta ao meu lado.

- Olá senhorita Everdeen - olho com raiva para o rosto dele - tudo bem, imagino que esteja brava comigo, mas já lhe digo que isso é um erro. Desde o início em que você foi indiciada para ir à arena eu venho planejando e arquitetando o plano que tirou você daquele lugar.
- os aerodeslizadores não estavam ali por acaso e as câmeras não foram desligadas por um erro. Tudo ocorreu para salvar você.

- Me salvar? Eu não queria ser salva por você! - bato com força na mesa.

- Você é muito valiosa, Katniss Everdeen. A revolução está começando e você é o tordo, o símbolo, a líder.

- Líder? - fico sem compreender.

- Você e o senhor Odair vão ficar no distrito 4 para lidarem com seus lutos, depois serão transferidos para outro local. Fiquem vivos - O projetor apaga.

Finnick me olha, esperando uma reação, mas não consigo ter. Não acredito que Plutarch estava esse tempo todo planejando me tirar da arena ao invés de me matar nela.

- Eu juro que queria salvá-los - Seus olhos se enchem de água - Eu juro.

- Salvá-los? - observo as lágrimas escorrerem de seu rosto e suas mãos ficarem inquietas apertando o tecido da blusa.

- Eu sabia do plano esse tempo todo, a maioria dos mentores sabiam - fala sem jeito - quando descobrimos sobre a árvore grande e Wiress falou da meia noite eu e Johanna sabíamos que os aerodeslizadores estariam no final da arena naquele horário - limpa as lágrimas - "Leve a Katniss pra a maior aeronave" foi a única coisa que me disseram. Eu não sabia que a outra teria aquele problema - sua voz falha - e não esperava que Peeta e Annie estivessem lá.

Quando vi, lágrimas também escorriam de meus olhos.

- Eu sinto muito - digo trêmula - achei que ela tinha se salvado.

- Nós construímos essa casa no lugar mais distante do centro do distrito para vivermos nossa vida sem os olhos da Capital - faço uma ronda do local - É bem escondida, está protegida e não vão nos encontrar aqui.

Tinha uma mínima noção de que algo acontecia entre Finnick e Annie, mas não imaginava que fosse um amor tão profundo como ele está dizendo ser.

- Onde está Johanna e os outros?

- Não sei, quando trocamos de aeronave nos mandaram para cá e eles seguiram caminho - ele suspira e se levanta, acho que com vergonha por estar chorando tanto.

Finnick me deixa sozinha na sala e vai para o que suponho que seja seu quarto. Ouço a porta bater e sinto a brisa entrando pela porta.

Me permito chorar mais e me emaranho entre os lençóis que cobrem o sofá. Abraço meus joelhos e sinto a água escorrer pelo meu pescoço.

Sonho com Peeta, ele não some de meus pensamentos em um segundo sequer. O mesmo com minha família, como está Prim, Gale e minha mãe? Willow sobreviveu? Esta em um lugar seguro? Por que isso está acontecendo comigo?