CAPÍTULO 14

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― Eu vou voltar para a pista. Quero dar uma volta na reserva com o seu presente de casamento. Aquele helicóptero é um sonho. Estou querendo saber o que os lobos descobriram, que não dividiram com a gente ― Esther afirmou, meio desconfiada e com os pelos do corpo se arrepiando, coisa que só acontecia quando uma tragédia estava prestes a acontecer. Não estava gostando nada do que vinha sentindo. Queria dar uma olhada no perímetro.
― Está tendo alguma visão, Esther? ― Nádia ficou preocupada. Todos sabiam sobre os dons de Esther.
Não era segredo para ninguém sua descendência de bruxa. Todas as suas antepassadas mulheres nascidas na região de Lancashire no noroeste da Inglaterra tinham a primeira filha mulher, e esta carregava o sangue mágico das bruxas, além do sangue licantropo, o que dava a elas a visão do futuro e o dom de abrir portais. Este último Esther nunca foi capaz de fazer. Nunca abriu um portal nem em sonhos, o que a fazia pensar que a magia se perdeu com o passar dos séculos, ficando apenas um pouco de visão, mas ela estava de boa com isso.
―Não, minha senhora, é só uma sensação estranha e meu pelo se arrepiando sem motivo, como se estivesse me preparando para algo grande. Eu não consigo ler o que é ou de onde pode estar vindo esse “algo” ― falou, olhando sorrateiramente para a humana, que nada percebeu, o que não foi o caso das outras lobas, que entenderam o receio de Esther.
Nara Shiva, no entanto, não estava gostando nadinha do rumo da conversa e resolveu pôr um fim nela.
― Sendo assim, madrinha, siga a sua intuição. Todos aqui sabemos o seu dom, mas não cometa injustiças de que possa vir a se arrepender depois. ― Uma das coisas que faltavam em Nara era o tato nas palavras. Ela dizia o que queria sem maquiar as palavras para ser educada quando não sentia vontade de ser.
― Se eu não conhecesse a guerreira justa e honesta que você, minha afilhada, é, e a alfa soberana que um dia será, eu acharia que está me ameaçando. Baixe sua crista quando falar comigo. Eu jamais tomaria uma decisão por preconceito e jamais julgaria alguém pelo fato de os humanos desgraçados terem dizimado minha família. Portanto, quando o momento chegar, eu farei o que for melhor para a alcateia. ― Todos prenderam a respiração com a resposta de Esther, já que Nara tinha o pavio curto.
―Eu sei, madrinha, que a senhora só quer o bem do nosso povo. Eu também. E, se um dia eu me vir numa encruzilhada, onde eu tenha que decidir entre meu coração e meu povo, eu vou escolher os dois. E lutarei até que a grande Deusa faça minha passagem, lutando pelos dois. Só assim eu saberei que vivi com honra. ― Ofereceu a mão à madrinha em uma oferta de paz e ao mesmo tempo em um pedido de desculpa. As duas se abraçaram e selaram um acordo mudo.
―Lembre dessas palavras, vai chegar o dia, que terá que decidi entre o seu povo e o seu coração, e nesse dia terá que escolher os dois, mesmo que isso mude tudo na sua vida, ―Quando Esther terminou de falar seus olhos estavam cada um de uma cor, e todos ali menos a humana sabia que a bruxa estava tendo uma visão do futuro. os olhos estavam cada um de uma cor, e todos ali menos a humana sabia que a bruxa estava tendo uma visão do futuro pouco tempo depois ela entrou na mata já em forma de loba.
Nara Shiva assumiu a direção do carro esporte e sua mãe disfarçadamente subiu no banco de trás, deixando o banco do carona livre para a humana sentar.
Amkaly estava muito calada. Seus olhos observavam tudo. Estava maravilhada com a beleza do ambiente. Tinha uma sensação agradável e gostosa, uma coisa que dizia dentro do seu peito que ali era sua casa, que ela pertencia àquele lugar.
Entendeu o porquê de eles viverem tão escondidos. Se os humanos pelo menos sonhassem com um local desses, destruiriam por ganância as madeireiras. Rapidamente derrubariam cada árvore do lugar e Amkaly tinha certeza de que ali havia árvores seculares. Foram acompanhadas ao longo da estrada por árvores imensas espalhadas por toda a encosta. Só o tronco de uma delas daria para fazer todos os móveis de uma única casa. Avistou plantas rasteiras e plantas saindo de dentro de outras, roubando da hospedeira a seiva para a própria existência. Tudo na mais perfeita ordem. Cada ser vivo ali contribuía e ajudava a manter o ecossistema e Amkaly teve a certeza de que a natureza não precisava do homem para viver, mas, sim, o homem dependia dela para viver, e, ainda assim, onde punha a mão, destruía ou matava de vez.
Sentiu-se conectada com a terra e fechou os olhos em aceitação. Ela fazia parte daquele ecossistema. Sorriu quando avistou um coelho marrom sair da toca, seguido de outro e de mais uma fileira de miniaturas da mamãe, que pulavam e corriam sem medo do perigo, e a sensação gostosa de liberdade a atingiu em cheio, dando-lhe a certeza de estar presa à garota do seu lado, que dirigia concentrada e de vez em quando olhava em sua direção, mostrando uma planta, uma lagoa ou um animal saindo de dentro da mata.
Tudo era lindo. A chegada do fim de tarde tornava tudo mais lindo. As primeiras estrelas apontavam, bordando o céu que, pela primeira vez, Amkaly viu. Nunca tinha parado para ver o céu e ele nunca lhe pareceu ser tão gigantesco como estava agora. Nara era cheia de marra e ao mesmo tempo doce. Sentia-se bem ao seu lado, estava livre para viver.
De uma coisa tinha absoluta certeza: não queria voltar para a cidade. Queria, sim, poder trazer sua mãe. Tinha certeza de que os ares da reserva fariam sua mãe recuperar a saúde. O pai... Bem, esse nunca ia largar os laboratórios e, pelo que entendeu do povo dali a profissão do pai representava perigo para todos. Esse talvez fosse o principal motivo de quererem apagar suas memórias. Para ficarem seguros. Concordava e iria aceitar. Sabia que era o melhor. Essa gente deveria continuar vivendo como viveu até o momento de entrar em suas vidas.
Nara sentiu e viu o que Amkaly pensava. Tirou uma mão do volante e segurou a sua, dando conforto e, assim, as duas ficaram em silêncio.
Nádia tinha certeza de que sua filha estava, mentalmente, explicando como tudo funcionava na reserva. Esse era o motivo do silêncio, elas vinham conversando sem palavras.

Nara Shiva dirigia bem. Adorava motor de qualquer tipo, mas sua paixão era moto. Desde os oitos anos dirigia de tudo e, como uma grande conhecedora dos caminhos e estradas, com maestria, encurtou o caminho e chegaram na casa principal rapidamente.
Entraram pelas portas dos fundos, como era de costume de todos ali. Foram recepcionadas pelo sorriso aberto de dona Ermelinda, a faz-tudo da casa.
Amkaly acompanhou Nara e sua mãe para dentro da casa. Entraram e, para sua surpresa, adorou a cozinha da casa, que era um dos cômodos que ela mais gostava. Ficou olhando tudo. Tinham entrado pela parte de trás e não por uma porta lateral que terminaria em uma sala, como se esperava. Pensava, mesmo assim, que era uma cozinha ultramoderna, toda branca, com uma fileira de cerâmica florida circundando toda a cozinha na altura da pia de duas cubas grandes, que demonstrava serem lavados muitos pratos ali.
Uma senhora de cabelos brancos com cara de mais ou menos setenta anos, com um pano de prato no ombro e outros dois tirando uma fôrma de dentro do forno, se virou. Seu rosto parecia ter, no máximo, quarenta anos. Isso deixou Amkaly confusa. Ao vê-las, a mulher veio toda sorridente, limpando as mãos no pano que antes estava no ombro.
― Bem-vindas, meninas. E você, carinho, vem aqui dar um abraço nesta velha, que viveu o suficiente para ver as mudanças chegarem à alcateia. ― Enquanto falava, puxava Amkaly, que estava pra lá de assustada com a recepção da mulher, que lhe apertava em seus braços como se fossem amigas que há muito não se viam. Amkaly achou que a senhora sofria de problemas mentais devido à idade, por isso mesmo se deixou ser abraçada.
― Ermelinda, meu bem, prepare alguma coisa para comermos. Estamos varadas de fome. — Em seguida, virou para Amkaly.
— Amkaly, é esse seu nome? Vamos lá para a sala esperar que Ermi faça algo gostoso. ― Subiram um lance de oito degraus para a sala ampla, que se abria. Amkaly percebeu a beleza do ambiente. Em cada parede da sala tinha uma janela imensa toda em vidro que descia do teto até o piso, dando uma visão fantástica da floresta lá fora. Mesmo sem querer, comparou a casa com a da família do Edward, o vampiro. Sentaram no sofá ela e Nara; sua mãe, no sofá em frente, tirou a sandália e ficou massageando o pé, esperando sua resposta, que esqueceu de responder.
― Sim, senhora, é esse mesmo ― respondeu receosa, ciente do interrogatório que viria a seguir.
― Bem, antes do meu marido chegar, preciso fazer umas perguntas a você. Vou deixar o canal aberto para a família. Tudo bem pra você? Só responda se quiser.
— Quando a senhora diz aberto, quer dizer que todo mundo pode ouvir? — Não estava se sentindo bem em saber que podia ter sua vida exposta.
— Não. Não será o canal da matilha coletiva, até porque eles só escutam algumas coisas. É como uma mensagem urgente, entende? Só os pais ou o casal laçado pode ouvir tudo e conversar. Não se preocupe, não seremos invasivos ― Nádia tranquilizou-a.
— Tudo bem. Esse canal que vocês falam é como os stories, que a gente posta para as pessoas verem o que a gente quer e logo apaga. Tá legal, entendi. Pode perguntar.
— Mas, Amkaly, o que você falar não vai ser apagado, vai ficar guardado. Os lobos não esquecem nada, sua memória é maior do que muitas máquinas criadas pelos homens, que vendem iludindo os consumidores ― Nara explicou, ao que Amkaly balançou a cabeça afirmativamente, confirmando que entendeu o que Nádia estava dizendo, e pediu que esta continuasse.


🏳️‍🌈NARA SHIVA A LOBA VOL. 01 SÉRIE AS LOBAS BRUXASOnde histórias criam vida. Descubra agora