LXII.

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Melhor duas pedras
no caminho  do  que
uma no rim
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Recebi a ligação de vovó minutos depois do sátiro megalomaníaco e seus dois peixinhos saírem para a missão.

Ela usava o mesmo conjunto de terninho e saia de sempre, num tom bonito de fucsia que, graças ao bom senso de moda que herdei dela, combinava perfeitamente com a camisa alaranjada do acampamento. Havia um colar de turmalinas pendendo logo abaixo das contas que representavam cada um de seus anos no acampamento e um dos pares de brincos mais bomitos que já vi pendurado nas orelhas.

De todas as pessoas do mundo, vovó era a que menos imaginaria fazendo parte da bagunça caótica do acampamento meio-sangue e, ainda sim, ela nunca me parecera tão confortável em qualquer outro lugar. Era como se por todos esses anos ela fosse uma estrangeira tentando se adequar a sua nova realidade e, agora, ela podia finalmente voltar ao lar.

── Gleeson ainda não pôs fogo nesse barco? ── disse, sem qualquer cumprimento antes.

── Oi, minha neta amada, como você está? Senti tantas saudades suas... ── resmunguei, tentando imitar sua voz. ── Eu estou bem, se quer saber. Fico feliz em ver que toda a sua preocupação veio para o meu bem-estar e não para pedir informações de um sátiro.

Eu fiz bico, um drama da qual a velha já estava muitíssimo acostumada a lidar. Ela apenas revirou os olhos azuis acinzentados e eu percebi que não falaria nada enquanto não tivesse sua resposta.

── Não, vovó, Gleeson não pôs fogo em nada. Ao menos não algo importante.

A velha Eisen maneou a cabeça, provavelmente satisfeita. Parecia ter estado preocupar com ele, embora tenha a certeza que ela negaria issocaso fosse perguntada.

── Ótimo. Seria péssimo se ele fizesse algo como em nossa última missão. ── disse, mais para si mesma do que para mim. ── o tempo tem feito seu trabalho em suavizar o temperamento dele.

Quis perguntar como, diabos, essa era a versão suavizada do temperamento dele. O treinador era tudo, menos suave. Na juventude o sátiro deveria ter sido quase o anti-cristo, se minha avó estivesse mesmo falando sério. Não que eu duvide que esteja. Se eles foram tão amigos quanto aparentam, sinto pena dos semideuses que viveram naquela época.

── As dores na coluna chegam pra todo mundo, vó. ── ela balançou a cabeça devagar, como se deixando os pensamentos para trás. ── Aliás, como estão as coisas entre você e mamãe?

Ela arqueou a sobrancelha clara, passando os dedos num movimento involuntário sobre as contas de seu colar. O indicador repousou sobre a última delas, onde três páginas amareladas sob um floco de neve estavam desenhados.

── Vou ignorar sua insinuação sobre meus problemas de coluna. Astória está ótima, preocupada, mas ótima. ── senti um alívio com isso, tinha medo que mamãe não se adaptasse ao novo mundo.

Entendia perfeitamente o lado de vovó, entendia que ela não queria que a filha se envolvesse num mundo perigoso. Sabia que a velha, por mais controladora que fosse, jamais faria algo que pudesse causar mal a mim ou a minha mãe. Ainda sim, as vezes pensava se esconder todo esse mundo da filha fora a melhor das idéias. Minha mãe tinha sido jogada de paraquedas numa realidade diferente, bem em meio a uma guerra onde a filha e a mãe estavam envolvidas até o pescoço. Seria natural que se sentisse perdida ou enraivecida pela mentira da mãe.

Bom, para a sorte da velha Eisen, mamãe sempre foi a mais compreensiva entre nós três. Ela tinha a facilidade de perdoar que, acredito eu, nem eu e nem vovó temos.

𝐓𝐇𝐄 𝐄𝐈𝐆𝐇𝐓𝐇 𝐂𝐀𝐍𝐃𝐋𝐄 ▪ LEO VALDEZOnde histórias criam vida. Descubra agora