5 - O abigeato de Negrinha

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Arnaldo sentiu mais dor pelo fato de Irene alienar os filhos da presença dele que da queimadura que sofreu no rosto. Já não existia mais carinho entre o casal, tampouco amor... As discussões tornaram-se frequentes. Qualquer motivo era um estopim para travarem uma nova guerra.
Miguel estava eufórico... Lápis, borracha, lápis de cor e um caderno... Tudo cuidadosamente colocado dentro de um saquinho onde tinha açúcar cristal... Arnaldo não tinha dinheiro para comprar uma mochila para Miguel, mas esse fato não impediu a alegria do garoto.
_ Mana, mana, mana! Amanhã eu começo a ir na escola!!!
_ Também quero ir, Miguel.
E Mary não desistiu da ideia de acompanhar Miguel. No dia seguinte, Miguel almoçou mais cedo e pegou o saquinho com o material escolar e saiu. Quando chegava à estrada, notou que Mary havia seguido ele.
_ Volta pra casa, maninha! Você é muito pequena para ir à escola! Tem só 4 anos!
Mary ergueu a mãozinha, aberta, indicando que já tinha 5 anos.
_ Mas precisa ter 7 anos. Volta lá no pai e na mãe!
Mas Mary não voltou para casa, seguiu o irmão, até a escola. Sirley, a professora, sem saber o que fazer, deixou Mary acompanhar o irmão. No final da tarde, as duas crianças, juntamente com outras crianças da vizinhança, voltaram para suas casas.
_ Não consigo acreditar, Irene!!! Quem pode ter feito uma barbaridade dessas com a pobre Negrinha?
Arnaldo estava fora de si. Havia deixado uma das vacas atada"na soga"( no pasto, atada por uma corda comprida), em um pasto nos findos da propriedade... Ao ir até onde a vaca pastava, conferiu se estava tudo bem, e deparou com uma cena que lhe cortou o coração... Negrinha sofrera uma atrocidade que fez Arnaldo cair em prantos. Estava agonizando, quase em óbito... Alguém lhe cortara uma das pernas, para levar a carne, deixando o pobre animal ali, agonizando... Certamente, estaria alguém praticando abigeato*...
_ Temos que abater ela. Ela era nossa melhor vaquinha. E estava prenha...
Arnaldo estava inconformado... Desolado. Jamais tinha ocorrido um crime daquele tipo na região. E logo na propriedade dele. Miguel caiu em prantos.
_Logo a Negrinha, pai! Ela era tão mansinha!
Não tiveram outro jeito, para não perderem a carne da vaca, a não ser abatê-la...
_ Pensei que hoje seria o melhor dia da minha vida, mana. Porque comecei a ir à escola, mas não foi...
O choro copioso das duas crianças, abraçadas, diante da cena, deixou Arnaldo cabisbaixo, mas fez o que tinha que fazer. Abateu Negrinha... Vendeu parte da carne, para não ter mais prejuízo ainda...
O dia seguinte recebeu Irene decidida.
_Semana que vem vou sair de viagem. Já que temos uma vaca a menos, e temos o dinheiro da carne que tu vendeu, quero visitar minhas primas de Santa Catarina.
_Mas temos que terminar as obras da casa. Ainda tem muito que ajeitar. Tínhamos planejado nos mudar para a casa nova antes da Páscoa.
_ Não quero saber... Eu vou e pronto!!!
Irene estava decidida. Nada a faria mudar seus planos.
_ Ahhhh!!! E pode deixar que o Miguel e a Mary vão ficar na casa da Olívia. Eles não podem ficar contigo!
_ Porque não??? Eu sou o pai deles, Irene...
Arnaldo estava incrédulo... Além de Irene viajar em um momento tão delicado, pois todos estavam psicologicamente fragilizados pela situação recente.
_Pois se eu não estou aqui, eles também não vão ficar. Não quero que fiquem sozinhos contigo!!!
A voz alterada de Irene mostrava cada vez mais o descontrole emocional e psicológico dela. Acendeu um cigarro, dando longas tragadas, pensativa...
_ Vou voltar em uma semana. A Olívia não vai se importar de cuidar deles.
_Para que incomodar a Olívia, Irene? Eu sou o pai deles, ora! Eu cuido deles!
Os olhos arregalados de Irene demonstravam a raiva pela opinião contrária à de Arnaldo. Acendeu outro cigarro e saiu, em direção ao potreiro...
_ Miguel... Mary... Vocês sabem onde está a mamãe?
Arnaldo estava preocupado. Já estava na hora das crianças tomarem banho e se arrumarem para a escola.
_ Ela foi por ali...
A mãozinha de Mary apontava na direção do potreiro. Arnaldo e as duas crianças saíram na direção indicada.
Pasmos, três olhares acompanhavam uma cena inacreditável... Irene estava sob uma árvore, numa clareira do potreiro prostrada... Marcas profundas no solo e as unhas e mãos sujas de terra retrataram o que estava ocorrendo... Os olhos arregalados de Irene, fixos no solo, e as mãos, cavando freneticamente... Sua voz alterada cortava o ar...
_ Aqui eu vou morrer!!! Aqui eu vou me matar!!!
Arnaldo e as crianças estavam paralisados pela cena... Um filete de espuma saía pelos cantos da boca de Irene.
_ Ou tu faz o que eu peço, ou eu morro aqui e agora!!!
Mary e Miguel caíram no choro, sem compreender o que estava ocorrendo. Arnaldo acompanhava a cena, incrédulo... Tentou acalmar Irene, pois sentiu que as crianças estavam sofrendo.
_ Tudo bem, Irene. Agora, levante-se e venha para casa. As crianças não deveriam ver uma cena dessas.
Irene limpou a boca com as costas da mão, e, lentamente, foi se acalmando... Aceitou a mãozinha de Mary para erguer-se daquela cena deplorável.

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora