107 - Reencontro

5 0 0
                                    

Ao som harmonioso de notas melodiosas, milhares de instrumentos musicais, e vozes afinadíssimas enchiam o Plano Superior de leveza e alegria.
_ Quanta luz... Quanta paz... Aqui todos estão tão felizes... Que lugar será que é esse? Será que tem uma festa, ou será um parque de diversões?
Maravilhada feito uma criança, Tina sentia os olhos se iluminando a cada direção que se dirigia. Parecia até flutuar de um lado a outro, de tão rápido que se movia. Mas , estranhamente, não se sentia cansada, tampouco, com fome ou sede, como normalmente se sentiria em uma ocasião como aquela.
_ Mas que lugar é esse, que tudo é tão perfeito? Não existem sombras aqui... Ninguém chora... Parece que não existe dor nem tristeza aqui...
Milhares de flores pareciam enfileirar-se pra uma reverência a algo ou alguém maior. Destinavam o perfume mais admirável e as cores mais lindas de suas pétalas mais a uma Luz Maior. Uma voz conhecida chamou-lhe a atenção, acompanhada de dezenas de vozes infantis. Seu olhar procurou através dos campos iluminados do Plano Superior. Pontas de luzes intensas despontavam do nada, feito estrelas luminosas. Flores multicoloridas de perfume etéreo, pareciam desfilar diante do olhar surpreso de Tina. Foi girando o olhar, encontrando o rosto de quem cantava aquela melodia tão suave e inebriante.
_ Teresinha! Tu aqui!!! E tá linda! Quantas crianças, ao teu redor!
Aquele ambiente de Luz intensa, felicidade e música lembrava um verdadeiro parque de diversões, onde tudo era perfeito... Ali tudo era leveza e alegria.
_Que divino, Teresinha! Nós duas aqui, nesse lugar tão bonito! E eu, que tinha saído de casa só pra pagar a conta do sindicato... Não sei como vim até aqui!
Notou, estranhamente, que ali todos usavam vestes alvas e luminosas, longas, a esconder-lhes os pés. A suavidade da canção entoada no Plano Superior fazia flutuar alegremente cada criança que circundava o vulto de Teresinha, cujo vestido longo, de tão branco e reluzente, ofuscava-lhe a visão. Tentou, sem êxito, aproximar-se do grupo de crianças e daquele verdadeiro anjo de luz que cantava. Ergueu o braço e resolveu chamar a amiga:
_ Teresinha! Sou eu! A Tina! Aqui...
Alegres e saltitantes, as crianças dançavam ao redor de Teresinha. Em cada rostinho, os olhinhos brilhavam feito raios de sol, e em cada sorriso, a expressão da leveza e do equilíbrio divino de uma estrela... Olhando para todos os lados, Tina não fazia ideia do lugar onde tinha ido parar.
_ Santo Deus... Que lugar fantástico! Onde será que nós estamos? Temos que trazer nossos filhos todos pra visitar esse lugar maravilhoso!
Instintivamente, o rumor de vozes longínquas a fizeram virar o rosto.
_ Quantas vozes... Parece ... Gente rezando...
Uma imensidão de vozes em oração fervorosa e constante. Apertou os olhos para ver, mas seu olhar encontrou apenas um vasto descampado de luzes. As orações, cada vez mais nítidas e fervorosas, chegavam aos ouvidos surpresos de Tina:
_ "Deus, ajuda ela a ficar bem"...
_"Deus, pelo amor ao teu filho, dê a cura a ela, pra voltar pra nós e pros filhos dela!"
_ "Deus... Por amor ao teu filho Jesus, traz minha eterna professora sã e salva."
_ " Pai Nosso, que estás no céu..."
Tina tentou apressar os passos, para aproximar-se das vozes, porém, sentiu que algo travava suas pernas.
_ Eu reconheci aquela voz... Liseti... Minha amiga... Eu quero chegar mais perto... Mas não consigo...
Ao baixar os olhos aos seus pés, notou que eles não estavam ali... Surpresa, sentia que algo a mantinha no ar, enquanto as vozes foram ficando cada vez mais distantes.
_ Onde estão meus pés? Quero ver quem tá rezando por mim...
Instintivamente, Tina ergueu o rosto para procurar, e deparou-se com três vultos de luz, cujos mantos de luz eram tão fortes e luminosos que ofuscavam sua visão. Ela não sabia como, mas sabia exatamente quem era cada vulto. Sentiu a emoção subir-lhe aos olhos, ao sentir quem eram os três vultos. Ao centro, a Luz Maior, emanando todo poder do Pai Altíssimo. À direita, o vulto de Bondade e Misericórdia do Filho, Jesus. À esquerda, o vulto de Amor Materno e eterno de Maria.
_ Deus... Jesus... Maria...
Estranhamente, um rosto próximo a Jesus parecia chamar-lhe a atenção. Seus olhos encontraram um vulto sorridente e muito familiar que lhe acenava.
_ Claudio! Tu tá tão lindo! Tá tão feliz aqui! Então, agora, chegou a nossa hora de ficarmos juntos!
Ainda sentindo suas pernas presas, Tina jogou-se com toda força que a situação lhe permitia em direção à Claudio. Este, porém, ergueu a mão, em sinal de advertência.
_ Não! Não te aproxima! Não é o momento certo ainda!
Maravilhada diante da perspectiva de abraçar seu amado novamente, Tina tentou aproximar-se , mesmo diante da advertência de Claudio. E novamente a mão dele parecia vetar sua proximidade. A palavra que tanto Claudio repetia em vida a fez sentir um arrepio:
_ Mãe... Mãe... Não é o nosso momento ainda!
Diante da palavra "mãe", Tina lembrou-se das gêmeas, e do pequeno Claudino. A voz suave de Claudio parecia tocar-lhe a alma feito uma harmoniosa melodia.
_ Mãe... Tua missão ainda não terminou! É tua missão formar o caráter do Claudino. Ele ainda vai ser um grande homem. No momento certo, Deus te trará pra mim outra vez!
Estupefata, Tina viu Claudio estender a mão num gesto. Naquele instante, ela sentiu uma queimação intensa próxima ao ombro. Em seguida, sentiu o coração, antes parado, voltar a pulsar forte. Um vácuo misterioso ofuscou momentaneamente a cabeça de Tina, que ouvia vozes confusas e estranhas ao seu redor.
_"Doutor... Suspender desfibrilador! O coração voltou aos batimentos normais!"
_ "Aleluia! Eu pensei que a gente tivesse perdido ela! Deus seja louvado!"
O despertar de Tina deixou-a confusa, entre o que acabara de presenciar e as paredes brancas do Centro de Tratamento Intensivo daquele hospital. Olhou surpresa para os outros leitos, todos ocupados por pacientes em estado de inconsciência profunda.
_ O que eu tô fazendo aqui? Quem são vocês?
_ Calma, senhora. A senhora está na UTI do Hospital Nossa senhora das Graças, de Canoas.
_ Mas, o que eu tô fazendo num hospital, em Canoas?
_ O Dr que operou a senhora vai explicar tudo que aconteceu. Depois, sua filha já vai entrar também. Ela ficou aqui, com a senhora, o tempo todo.
Tina sentiu-se perdida diante das explicações da enfermeira, que saiu, dando lugar a um jovem vestindo branco que aproximou-se, sorrindo.
_ Então, onde está a mulher que ganhou na loteria da saúde?
_ Dr... Me explica uma coisa... Eu só lembro que eu saí de casa pra pagar uma conta no sindicato rural de Igrejinha, e a enfermeira me falou que eu tô no hospital de Canoas... Tenho um filho pequeno que precisa de mim! Quero levantar daqui e ir logo pra casa!
Instintivamente, Tina tentou recolher os braços, e sentiu-os atados à estrutura do leito. O Dr Diego sorriu.
_ Calma, senhora! Alguém deve tá cuidando do seu filho pequeno, em casa. A senhora está aqui a exatos 29 dias. Acordou do coma só agora, e não vai ter alta até a gente ter certeza de que está tudo bem. Terá que ficar em observação pelo menos mais uma semana. Sua filha logo poderá ficar com a senhora de novo. Ela esteve aqui no hospital durante todo o tempo que a senhora esteve em coma.
A respiração ofegante de Tina denunciava seu nervosismo. Tentou debater-se para soltar braços e pernas atadas ao leito.
_ 29 dias? E mais uma semana? Mas, o que tenho de tão grave? Nunca tive doença nenhuma!
O médico, com toda paciência, explicou-lhe o que acontecera:
_ É justamente porque a senhora nunca teve doença nenhuma, a senhora voltou vitoriosa da cirurgia. A senhora sofreu um desmaio em sua cidade, a 29 dias atrás. Foi atendida pelo hospital local, mas como uma tomografia mostrava um aneurisma na região posterior direita do seu cérebro, foi encaminhada pra nós, que temos aqui todos os equipamentos e equipe médica pra fazer a cirurgia.
_ Aneurisma? O que é isso?
_ Bom... Seu aneurisma foi um tipo de alteração que aconteceu nas veias do cérebro da senhora... Mais precisamente, um nó bem grande.
_ No cérebro? Então...
_ Sim. Deus ama muito a senhora, e seus filhos também. Entre 10 pacientes com um aneurisma do tamanho desse que a senhora apresentou, 7 vão a óbito em cirurgia, e os outros três voltam paraplégicos, com sequelas irreversíveis.
_ Então, eu posso ficar inválida?
Diante dos olhos arregalados e surpresos de Tina, o médico baixou a voz:
_ Perdão pela sinceridade, senhora. Mas vai depender da recuperação da senhora nessa semana, pra saber se terá sequelas ou não. Por Deus... Diante do tamanho do teu aneurisma, eu não acreditava que a senhora fosse "voltar".
Tina viu a porta abrir-se e sentiu um aperto no coração ao ver o rosto abatido de Lenice.
_ Filha! Deus seja louvado! Me diz que tudo que o médico acabou de me dizer é só uma brincadeira! Eu tô bem, e posso voltar pra casa hoje mesmo. Estive agora a pouco numa festa, num parque de diversões, onde eu encontrei a Teresinha brincando com centenas de crianças, e encontrei também o...
O médico abriu um sorriso e interrompeu Tina, que, ao lembrar da morte de Claudio, sabia ser impossível encontrar ele numa festa em vida.
_ Sua filha foi uma guria muito corajosa, senhora. Isso mostra que a educação e o preparo que ela recebeu em casa deram a maturidade necessária pra que pudesse ficar aqui e ajudar no que fosse preciso.
A respiração ofegante de Tina denunciava sua preocupação.
_ Me diz, filha. Como tá tudo lá em casa? E o Claudino, como tá?
_ Calma, mãe. Tá tudo sob controle. A Lenir e o Francisco estão cuidando da dupla dinâmica, o Arnaldo tá cuidando dos bichos... Bom, dentro do possível, porque ele ainda tá se recuperando da cirurgia da vesícula...
Lenice parou, hesitante.
_E o resto? A padaria, Teresinha, Juvenal, Francisco... Como estão todos?
Lenice baixou os olhos, sem conseguir segurar as lágrimas.
_ A tia Teresinha "partiu " fazem duas semanas. Teve um infarto fulminante que a levou.
Tina sentiu as lágrimas brotarem nos olhos, ao lembrar da imagem de Teresinha, em um manto de Luz, rodeada de crianças, diante do Criador.
_ Eu vi... Encontrei Teresinha... E encontrei o Claudio também. Pensei ser uma festa, e era o Plano Superior...
Ao ouvir o relato da paciente, o médico enxugou as lágrimas que teimavam em cair em seu rosto.
_ Bom, senhora. Tenho que "visitar"mais pacientes... Vou deixar as orientações com a enfermeira chefe. Amanhã quero ver a senhora de novo!
Após a retirada do médico, Tina contou em detalhes para a filha, sobre o encontro com Claudio e Teresinha.
_ Eles estão no lugar mais lindo que tu pode imaginar, filha. Lá tudo e Luz, lá tudo é perfeito... É realmente o "Paraíso"!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora