17 - Claudio e Arnaldo conhecem Teresinha

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_ Arnaldo! Vou fazer uma visita ao nosso amigo Juvenal... Vem junto? Quero tentar conseguir o endereço dele lá em Caxias, que é onde ele disse morar... Temos que avisar a família dele... E ver se eles não estão precisando de alguma coisa...
_ Claro que vou junto! Se eu puder deixar o Miguel lá com a tua esposa e tuas filhas... Não posso deixar ele sozinho.
_Pode deixar ele lá em casa sim, parceiro! A Tina e as meninas vão gostar... É difícil recebermos visitas!
_Ebbbbba! Posso ficar lá mesmo?
Miguel estava eufórico, pois travara uma amizade sincera com Lenice e Lenir.
_ Elas me convidaram pra pescar. Seu Claudio tem uma baita lagoa no sítio, pertinho da casa dele... Não é mesmo, seu Claudio?
_ É sim... Podem pescar sim, mas a Tina vai ficar de olho em vocês... As "manas" já são danadas para fazer travessuras sozinhas... Imaginem, um"Miguel"junto...
_ Sem travessuras, Miguel! Dona Tina vai ficar de olho grudadinho em vocês.
_Tina vai dar conta dessas ferinhas! Fica tranquilo, Arnaldo!
_ Uma pergunta, Claudio... "Tina"é... De Cristina?
Claudio caiu na gargalhada...
_ Todos pensam isso! Não... Sabe aquela mania das pessoas homenagear os avós dos nenês com o nome?
_ Sei... Eu fiz isso, a pedido da Irene... Só que minha sogra se chamava Maria Guilhermina... Irene mandou eu escolher entre o primeiro e o segundo nome dela. Aí, na hora de registrar pedi ao escrivão colocar "Mary"... Depois de registrado, tá feito! Mas me diga, Claudio... Posso saber o nome da tua amada?
Claudio deu uma risadinha...
_Claro que pode! O avô da Tina se chamava Ernesto, e como era uma menina, deram-lhe o nome de"Ernestina"...
_ Bem diferente, mesmo!
_ Desde pequena, ela é chamada de"Tina", por isso, não me preocupo em dar explicações.
_ Arruma a sacola com roupa reserva, Miguel... Sei que vai se sujar pescando... Não vai querer provar uma muda de roupa das"manas"...
_ Tô fora, pai!!! Vou levar duas mudas, pra garantir... Vai que um peixe grandão me puxa pra dentro da lagoa...
_Vai lá, filho! Vamos esperar aqui! E não esquece da escova de dentes, o medidor de glicose e a insulina!
Miguel foi arrumar suas coisas, enquanto Claudio colocava Arnaldo a par da situação de Juvenal.
_Temos que ajudar esse pobre homem, pois eu soube que ele perdeu o olho esquerdo... Fora a perna dele, que quebrou em vários lugares, e ouvi falar que tá difícil de sarar! Parece que o organismo dele rejeitou as placas de platina que colocaram na perna dele... Estão tentando conter a infecção, mas tá difícil!
_Infecção? Isso é grave, Claudio!
_ O pobre homem poderá perder a perna esquerda também... Já perdeu o olho esquerdo... Terá que trocar de profissão, se sair dessa!
_ Como vai sustentar a família, sem um dos olhos, e com problemas sérios na perna? Caminhão... Não mais!
_ É por isso que precisamos pegar o endereço dele e procurar a família... Parece que tem um filho autista... E a esposa estava grávida... São três vidas pra sustentar!
Miguel saiu correndo da casa.
_ Vamos?
_ Não deixou bagunça lá dentro?
_ Só um pouquinho...
_ Mmmm... Imagino... Vamos.
_ Vou voltar um perfeito pescador, pai! Tenho um baita compromisso com os peixões da lagoa do seu Claudio!
Miguel não parava de falar em pescaria... Sua voz abafava a tentativa de Claudio e Arnaldo conversar...
_ Calma, Miguel... Baixa a bola aí, guri! Poderá conversar bastante com as"manas", com os peixes e até com minhocas!
_ E vou conversar mesmo, pai! Eu e as meninas vamos pescar os maiores peixes da lagoa!
_ E tu já sabe, Miguel... Qualquer coisa que tu sentir, a Dona Tina vai te ajudar... Ela tem diabetes também...
Miguel desce correndo da caminhonete de Claudio...
_ Como eu tô contente que tuas meninas são amigas do Miguel. Desde que a mãe dele foi embora, ele tem estado diferente, mais triste... O acidente que atingiu o pâncreas dele, o hospital, a saudade da irmã dele... Tudo derrubou ele...
_ É mesmo?
_ Agora, parece até que tá recomeçando a viver... Tá voltando pros eixos!
_Vou só dar uma palavrinha pra Tina, e vamos ver se vamos resolver a questão do Juvenal...
Mal Miguel entrou e as três crianças já saíram novamente. Lenir correu até o galpão das ferramentas, saindo de lá com uma enxada em punho...Tina estranhou:
_ Ué... Vocês vão pescar ou limpar a horta?
_Vamos catar minhocas, mãe!
_Vão precisar de um baldezinho, pra colocar as minhocas.
_ E um baldão, mãe! Pra colocar os peixes!
As crianças atropelavam as falas, na euforia pela pescaria.
_Ali, naquele monte de esterco curtido, tem bastante minhocas, e bem grandes! Vamo, Mig!
_Beleza, Lenir! Hoje o"trio parada dura"aqui vai batizar as minhocas!
Tina deu uma risadinha e acompanhou-os com o olhar... Afinal, prometera "ficar de olho"neles. E água de lagoa não era exatamente um lugar seguro para três crianças de onze anos ficarem sozinhos, sem a vigilância de um adulto.
_ Vou ficar pertinho, naquela sombra... Eu trouxe meu crochê... Assim eu termino a encomenda da Dona Marisa. Ela encomendou um jogo inteiro de banheiro... Vai me render um bom dinheirinho!
_Olha, Mig! Um minhocão enorme ali!
_ Esse é o Léuri! Veeeeeem, Léuri! O batismo te espera!
_Precisamos pelo menos meio baldezinho de minhocas, Mig! Só"o Léuri"não chega!
_ Mas é claro, Lenir! Vamo achar a Sílvia, a Roberta, a Carlota...
_Aqui, Mig! Aqui tem uma porção de minhoca grandona!
_Segura elas aí, Nice! Hoje é dia de batizado!
_ Então traz o balde aqui, guri!
As ágeis mãos de Tina trabalhavam, enquanto ela ouvia as vozes alegres das crianças, procurando as minhocas.
_ Posso chamar vocês de"manas", como o pai de vocês?
_ Pode, Mig! A gente ia ter um maninho um dia, mas a mamãe"perdeu ele"...
_ Perdeu? Onde? E não achou mais?
Miguel arregalou os olhos, curioso... A palavra"perder", para ele, era usada para uma pessoa desorganizada, que não sabe onde guardou as coisas...
_ Não, Mig! O nenê morreu antes de nascer... Isso se chama"perder um nenê"...
De repente, os olhos de Miguel se encheram de lágrimas... Lembrou-se da mãe, do mato, da gravidez, do frio e da fome que passaram... Lembrou-se de Mary...
_O que foi, Mig?
_ Lembrei da minha mãe... E da minha irmã... Tô com saudade delas...
Tina notou que Miguel estava com o olhar parado e sombrio...
_ Está tudo bem, Miguel?
Miguel meneou a cabeça, em silêncio... Lenir notou a tristeza do amigo, e interveio:
_Vamo lá, Mig! Temos batizado de minhocas hoje, guri! Quero pegar um peixão!
_ Eu vou pegar o maior deles!
As crianças logo encontraram um número considerável de minhocas, que colocaram cuidadosamente no baldezinho.
_Agora, um pouco de terra fresca pra elas não fugir do balde!
_ Não esquece! O primeiro batizado é o do Léuri! É a maior minhoca do balde!
Tina sentiu a harmonia existente entre as três crianças. Não compreendia o fato de Irene ter rejeitado o filho, ao saber que estava com risco de ficar paraplégico... Sentia-se feliz em ajudar Miguel.
_ Pobre Miguel... Deve ter sofrido muito quando a mãe o rejeitou...
_Aqui, Mig! Olha! Um baita jundiá!
_Pois eu garanto que o grande pescador aqui vai pegar um maior que tu, Nice!
_ Tu vai pegar é uma baita botina, Mig! Pegar peixe é pra profissional na pescaria!
_ Vou nada, guria! Sei que teu pai não costuma guardar as botinas na lagoa!
As três crianças caíram na gargalhada, e Tina também, pois saía cada situação engraçada.
_E não guarda mesmo, Mig! Seria como guardar um guarda-chuva na geladeira! Cada coisa no seu lugar!
A caminho do hospital, a preocupação de Claudio e Arnaldo era eminente:
_ Veremos a verdadeira situação do Juvenal e vamos até Caxias procurar a esposa dele... Temos que dar notícias dele, pois acredito que o pessoal do hospital não conseguiu falar com ela.
_ Até porque ela está grávida, e temos que preparar ela sobre o verdadeiro estado de saúde do marido.
Ao conversar com o médico responsável pelos atendimentos de Juvenal, as notícias não foram animadoras:
_ Infelizmente, o estado do Sr Juvenal inspira muitos cuidados. Não conseguimos salvar o olho esquerdo, devido à queda do galho na região craniana. Estamos avaliando a possibilidade de uma nova intervenção cirúrgica na perna esquerda, em caráter emergencial, pois a rejeição às placas de platina utilizadas causaram uma infecção severa, que estamos tentando controlar...
_ Seja sincero, Dr! Quais as chances da perna dele ficar boa?
_Sinceramente? Nenhuma... Infelizmente... Estamos lutando contra a infecção, para que ela não se espalhe pelo corpo... Se isso ocorrer, perderemos ele...
_ Isso quer dizer que...
Claudio e Arnaldo estavam pasmados diante das revelações do médico.
_ Sim... Teremos que amputar a perna esquerda do Sr Juvenal, para salvar a vida dele!
_ Temos que procurar a família desse pobre homem. A gente consegue o endereço dele através da documentação? Soubemos que tem um filho autista e a esposa está pra ter nenê...
_ Conseguem sim. A família não têm telefone, mas com o endereço em mãos, poderão ajudar. Infelizmente, o hospital não tem como ajudar a todos. Temos nossas limitações...
_ Sem problema, Dr! Com o endereço em mãos, faremos o resto! Não deixaremos eles sem guarida! Só pedimos uma coisa, Dr... Salve a vida desse pobre homem! Custe o que custar!
Claudio e Arnaldo deixaram o hospital. A caminhonete de Claudio cortava rapidamente a distância entre Canoas e Caxias...
_ Pior que Caxias é uma das maiores cidades do RS, mas vamos achar a família do Juvenal!
Teresinha ajeitava cuidadosamente as pequenas bíblias dentro da caixa. O crochê a ajudara a juntar dinheiro para comprá-las...
_ Assim que me sobrar mais dinheiro, vou cumprir o restante da minha promessa... Sei que Deus vai ajudar meu nenê a conseguir as cirurgias necessárias e trazer o teu paizinho de volta pra nós... Eu confio em Deus, filho!
_Ô de casa!!!
Francisco foi até a janela, espiou, e avisou a mãe:
_ Tem dois tios lá fora, mãe!
Mal falou e correu até o quarto, pois gente estranha o fazia recolher-se, em todas as situações.
_ Fica aqui, guri! Eles não são sapos! São gente!
Teresinha abriu a porta e Claudio logo explicou o motivo da visita...
_A senhora que é esposa do seu Juvenal? Estamos aqui pra saber se precisa de alguma coisa, senhora! Conhecemos seu marido numa situação meio difícil...
_Sabem do Juvenal? Faz dois meses que voltaria pra casa, e até agora, não voltou! Eu tô rezando por ele desde que nosso nenê nasceu. Tô indo todas as manhãs no hospital, pra ficar com ele e levar o leitinho dele... Mas sinto que alguma coisa tá errada com o Juvenal!
_ Acho que a senhora deve sentar, por favor...
_ Teresinha... Meu nome é Teresinha... Meu filho Francisco tá no quarto dele. O nenê ficou no hospital, porque nasceu com um probleminha. Mas eu confio em Deus, que meu marido vai voltar logo, e meu nenê vai fazer as cirurgias que precisa, e vai ficar bom.
Claudio e Arnaldo se entreolharam, calados, sem saber como dar a notícia a Teresinha...
_ Pois viemos falar com a senhora sobre seu marido, dona Teresinha...
_ Querem sentar? Puxa o banquinho, por favor... Não temos luxo... E podem falar... O que aconteceu com ele?
Nesse momento, Francisco entra na cozinha, olhando o chão...
_ Venha, Francisco... Esses dois tios vieram trazer notícias do teu papai...
Francisco agarrou-se à perna de Teresinha, como se quisesse proteger a mãe da notícia que estava por vir.
_ Vamos sentar, por favor... Venha, Francisco... Vem no meu colo...
Francisco olhou para Claudio e Arnaldo e abraçou a mãe. Ele pressentia que as notícias sobre o pai não eram boas...
_ Seu Juvenal sofreu um acidente grave, dona Teresinha...
Teresinha empalideceu diante das palavras de Claudio...
_ Eu sentia que ele tava com problemas... Por isso fiz uma promessa pra Deus me trazer ele de volta... E eu confio nesse Deus, que vai permitir que o Juvenal volte pra nós. Ele nem conheceu o nenê ainda...
_Olha, dona Teresinha... Antes de vir aqui, passamos no hospital de Canoas, onde Juvenal tá... Ele tá lutando pela vida...
As palavras de Claudio caíram feito pedras no coração de Teresinha... Não poderia deixar Francisco sozinho, nem o nenê sem leite...
_ E eu nem posso ir ver ele. Canoas é longe... Não posso deixar Francisco nem o nenê...
Teresinha sentia-se como se andasse sobre espinhos... E esses pareciam ferir até o coração...
_Pode deixar com a gente, dona Teresinha... Nos encarregaremos de visitar ele pra saber se ele precisa de algo, até que ele tenha alta.
_ Mas... O senhor falou que ele sofreu um acidente...E tá com a vida em risco...
Claudio e Arnaldo narraram a Teresinha o ocorrido no dia do temporal, e em seguida, no hospital...
_ Agora, Juvenal tá com uma rejeição pela platina colocada na perna quebrada dele. Deu infecção, e os médicos falaram que ele vai perder a perna também... Já perdeu um dos olhos...
Teresinha sentiu-se petrificada com as revelações sobre a saúde de Juvenal...
_ Francisco sentiu que o pai tava em perigo no dia do temporal... Então foi isso... Foi no dia que nasceu o nenê. A professora me falou que ele ficou todo estranho... Só a melhor amiguinha dele conseguiu tirar a tristeza dele... Deus colocou um anjo na vida do Francisco!
Arnaldo lembrou-se da filha, da maneira alegre que conduzia as brincadeiras...
_ Eu tinha um anjo também na minha casa, dona Teresinha... Só que minha esposa levou nossa filha pra longe de mim e do Miguel... Sentimos muito a falta de Mary...
Teresinha olhou Arnaldo, com uma expressão de espanto... Será que era a mesma Mary? Não era possível... Claudio interveio:
_ Francisco é um menino muito especial, dona Teresinha... Ele sentiu sim... As crianças autistas são mais sensitivas que as normais... Ainda terá muito orgulho de seu filho...
_Amém, senhores...
_ E agora queremos saber se a senhora está precisando de alguma coisa. Estamos aqui pra ajudar!
_ Obrigada, senhores! Mas só de me trazer notícias do Juvenal já é de grande ajuda. E de vocês acompanharem a recuperação dele. Vou visitar ele no hospital, quando eu conseguir. A primeira cirurgia do nenê tá marcada pra amanhã, e tenho que ficar por perto do nenê.
_ Fica tranquila, dona Teresinha! Estamos aí pra isso! Cuide bem dessas crianças, que do Juvenal cuidamos nós! É para isso que Deus nos deu vida! Pra ajudar a quem precisa!


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