89 - O treinamento militar

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Edelvina não quis acreditar.
_ Mas Irene... Tu foi no baile sábado, conheceu o homem, e em dois dias, ele já veio morar aqui?
_ Olha, Vina... Eu moro na minha casa, mando na minha vida e coloco dentro dela quem eu bem entender! Entendeu bem o recado?
Edelvina ainda tentou argumentar:
_Mas pensa, Irene... Tu mal tem o que comer e ainda quer abrigar alguém que tu nem ao menos conhece direito?
_ Quem te falou que eu não conheço ele?
Irene olhou maliciosamente para o homem ao seu lado, em seguida, para a amiga.
_ Pois é, Vina! Em primeiro lugar, meu sapato não serve nos teus pés , sabia? Tu teve uma filha que não é do teu marido... E agora quer dar show de moral pra uma pessoa que não tem compromisso com ninguém!
Edelvina corou diante da indireta fria de Irene, que mais parecia um cubo de gelo.
_ Tudo bem, Irene... Eu só quis ajudar...
_ Pois ajuda se oferece a mendigos, Vina! Eu senti que o Macega vai completar minha vida! Não quero perder tempo!
_ Macega? É esse o nome desse cidadão?
_ Não. O nome dele é Raimboldo... Mas Macega se encaixa melhor na personalidade dele... Dá uma"coceirinha" quando ele bota a mão em mim...
_ Mas não acha cedo pra levar ele pra morar contigo? Se conheceram no sábado, no baile... Tu deveria pensar em trabalhar, plantar pelo menos umas verduras, agora que acabou o dinheiro da venda dos bichos do sítio!
Irene pegou o maço de cigarros no bolso da camisa do companheiro, e olhando para ele...
_ Olha, Vina... Não se meta na minha vida! Da última vez que tu te meteu na minha vida, tua filha levou meu carro, e ainda não voltou! Aquela ladra sem vergonha da tua filha não presta !
Edelvina sentiu-se incomodada com as palavras de Irene.
_ Olha... Pelo que eu entendi, era só o que tu estava precisando! Boa sorte pra ti e pro Raimboldo! Caso precise de mim, sabe onde me procurar.
Ao ver a amiga dobrar a curva da velha estrada de chão, Irene ficou gesticulando, aos berros:
_ Vai pro inferno, sua filha da puta! E tem mais... Eu prefiro até passar fome, mas não fico sem homem embaixo das minhas cobertas, entendeu?
Com um cigarro apagado em uma das mãos, e o maço de cigarros na outra, Irene aproximou-se do companheiro.
_ Vem aqui, "Maceguinha"... Me deu uma coceirinha.. Não quer dar uma "coçadinha"?
Alguns dias depois, não muito longe dali...
_ Aqui, senhoras! Eu e o Juvenal fizemos uma vaquinha pra driblar essa neblina de maio pra vocês conseguirem secar a roupa dessas crianças... Uma secadora de roupas...
Teresinha olhou desconfiada.
_ Mas essa máquina não parece de secar roupa. Eu não confio, não... Eu vou mesmo é continuar usando o bom e velho varalzinho atrás do fogão a lenha.
_ Então, considerem um presente para o dia das mães. Vocês merecem!
Tina emendou:
_ Claro, se o varalzinho atrás do fogão à lenha não for o suficiente, vamos ter que usar a secadora... O Claudino e a Valéria sujam mais roupa que um batalhão! As manas não sujavam nem a metade de roupa que esses dois.
_ Onde quer que a instalemos?
_ Olha, instala na área de serviço da padaria. Assim, ficará bom pras duas famílias usar... E caso precise lavar e secar alguma coisa da padaria, já tá à mão!
_ Você é quem manda, Dona patroa!
Tina olhou para Arnaldo com os olhos chispando.
_ Eu não sou tua patroa, Arnaldo! Pelo que eu sei, a tua patroa se chama Irene, e não tá muito longe daqui!
Arnaldo sorriu, mostrando-se tranquilo.
_ Olha... Pelo que a Edelvina me falou ontem, ela já tem um "patrão novo"... E que patrão!
_ Como assim?
_ Vocês conhecem o Raimboldo? Mais conhecido como "Macega"... Manguaceiro de primeira! Só lamento que estejam dentro da minha casa... Eu só não queria dar tanta despesa pro meu amigo aqui...
_ Tu sabe que pode ficar aqui enquanto precisar, Arnaldo.
Eu não sei como agradecer. Me ajuda aqui com a secadora?
Juvenal ergueu-se.
_ Pois não, capitão!
Arnaldo ficou sério de repente.
_ Ô saudades do meu piá, que sempre me chamava assim! Assim que eu conseguir falar com ele, eu mato essa saudade de uma vez!
Um zás trás, e a secadora de roupas estava instalada.
_ Pronto senhoras! Agora, as crianças terão sempre roupa sequinha pra vestir! Elas merecem!
_ Vamos inaugurar assim que a gente lavar roupa, Arnaldo. Temos uma encomenda de bolachas pra entregar amanhã, e temos muito que fazer ainda. Provavelmente vamos ter serviço madrugada adentro pra pintar as bolachas...
Arnaldo não esperou terminar:
_ Nada feito, patroa! A madrugada foi feita pra descansar... Aqui tem um exímio pintor de bolachas! Sou ótimo em passar merengue e excelente em colocar confeitos granulados!
Mais uma vez Tina pareceu fuzilar Arnaldo com o olhar.
_ Eu já falei que não sou tua patroa!
Quanto mais Tina ouriçava para manter Arnaldo à distância, mais ele parecia um menino grande, sorrindo e brincando de bate-volta com as palavras.
_ Opa, opa, opa... O ouriço voltou pra lavoura de milho, e deixou suas farpas na patroa! Me dá uma das farpas, senhora ouriço, que vou pro meu cantinho pintar as bolachas!
_ Uma coisa eu tenho que concordar... Não preciso reclamar do teu serviço quando nos ajuda com as bolachas! Ficam perfeitas!
_ Então, bora assar as bolachas, que pintar é comigo mesmo!
_ E eu vou voltar pro meu posto na rádio e dispensar a Lenir. Se eu ajudar nas bolachas, não vai dar boa coisa, não!
Juvenal retornou ao seu trabalho na rádio, enquanto Arnaldo sorria, ao observar Claudino e Valéria tentando pegar um dos gatos.
_ Essas crianças... Elas perseguindo o gato assim, me lembra tanto o Miguel... Ele era um exímio "torturador de gatos"!
_ Deve estar muito bem no quartel, pois até se esqueceu de telefonar... Até parece que perdeu o número da central do Sr Arlindo...
_ Eu sei que os quatro primeiros meses são de treinamento intensivo, por isso acredito que ele não conseguiu ligar ainda pra gente.
Durante um certo tempo, o silêncio imperou na padaria. Apenas os gritinhos de Valéria e Claudino na frenética perseguição ao gato se faziam ouvir. Depois, silêncio total... Arnaldo sorriu, erguendo o dedo indicador.
_ Ouviu isso?
Tina arriscou.
_ Não... O que eu deveria ouvir? A única coisa que eu ouço são meus passos até o forno e voltando...
_ É issssso!
_ Isso o quê? Tá maluco?
_ Eu tô farejando alguma coisa... É silêncio demais!
_ Epa, epa, epa! Quem fareja é cachorro! E não existe esse negócio de "silêncio demais"!
Arnaldo ergueu-se , indo silenciosamente até a saída da padaria, na área de serviço encontrou Claudino e Valéria. As duas crianças tinham mergulhado o gato na água do tanque de lavar e colocado o pobre bichinho na secadora. O visor da secadora mostrava claramente o pobre felino tentando equilibrar-se naquele verdadeiro redemoinho que girava sem parar. Arnaldo, de um pulo, desligou a máquina e abriu-a, para que o pobre e indefeso animal ganhasse a liberdade.
_ Santo Deus, Claudino e Valéria! O que vocês fizeram com o pobre gatinho?
Inocentemente, Claudino ergueu os olhos para a mãe.
_ Eu e a Léia demo banho nele, mãe... Ele tava "fedolento"!
Tina segurou-lhe pela mãozinha.
_ Ô, meu filho... A secadora não é pra secar gatos. É pra secar roupa!
Dessa vez foi Valéria que explicou:
_ Titia... O gatinho tava "moiado, moiado"... "Nós queria" secá ele.
_ Infelizmente, eu vou ter que fazer vocês sentar no "banquinho do pensamento"... Assim, vocês não vão repetir essa travessura!
Claudino resmungou, fazendo beicinho,
_ Eu vô po castigo sim, mãe... Ma qui o gatinho tava "fedolento", isso tava!

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