76 - A reforma da padaria

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A igreja estava lotada... A marcha nupcial tocada no harmonium da pequena capela de Serra Grande, no interior de Igrejinha, enchia o ambiente de paz. Rosas brancas envoltas em fartos laços de tule branco enfeitavam os bancos enfileirados até o altar. Lá, o Pastor estava de frente para o altar, aguardando o horário de celebrar mais uma união.
_ Será que a noiva vai tá bonita?_ perguntavam as crianças aos seus pais.
De repente, o badalar dos sinos misturou-se à marcha nupcial. Um casal que apareceu na porta da igreja deixou os convidados de queixo caído. A noiva, linda, ostentava uma trança loira que lhe caía na cintura, entrelaçada com minúsculas flores brancas. Segurando o véu, no alto da cabeça, uma coroa de gerânios brancos. O homem que a acompanhava estava elegantemente vestido, ostentando um sorriso largo que Irene conhecia muito bem.
_ Arnaldo! Então é isso? Tu tava me traindo esse tempo todo com essa biscate!!!
Irene tentava em vão, do fundo da igreja, focar seu olhar no rosto da noiva.
_ Quem é essa kenga que tomou o meu lugar?
Como se fosse chamada pelo pensamento, a noiva virou o rosto na direção de Irene, e sorriu largamente.
_ Espera aí... Eu conheço esse sorriso...
O olhar insistente de Irene parecia prender o olhar da noiva que, paralisada, ficou ali diante dos presentes, estática.
_ Maryyyyyy!!!
Irene arregalou os olhos, colerizada. Saltou do banco onde se encontrava e partiu em direção à noiva, arrancando-lhe o véu.
_ Então é tu a biscate que sempre foi a amante do meu marido? Eu senti desde o começo que tu não prestava!
A agressividade de Irene chegou ao extremo quando, enraivecida, rasgou o vestido da noiva, deixando-a só de roupa íntima.
_ Tu não merece vestir branco, traidora! Agora sei que foi por isso que tu sempre tava no colo dele quando era uma criancinha ranhenta! Já tava tendo relação com ele naquela época!
Um jovem, cujos olhos azuis Irene conhecia muito bem, tirou seu próprio paletó, para vestir a noiva que chorava copiosamente.
_ Miguel! Eu te proíbo de proteger essazinha, que sempre foi amante do meu marido!
Miguel estava estarrecido diante da situação, apontando para um jovem moreno de fraque na lateral do altar.
_ Ela é minha irmã! E vai casar com o Francisco! Não com meu pai!
O Pastor, que estava de costas até aquele momento, virou-se, deixando à mostra o rosto de Maria.
_ Tu??? Tu não é Pastor coisa nenhuma! Tu é uma mãe desnaturada que deixou teu filho comigo no lixão pra se livrar do filho! Também deve ser amante desse véio aqui!
No auge dos seus devaneios, o pesadelo de Irene chegou ao extremo da loucura. Da Cruz do altar, uma voz decretou:
_ A partir desse teu ato de repúdio à tua filha, não posso aceitar que tua alma seja salva através de uma criança inocente. A sua última chance acabou de ser rasgada feito o vestido dessa pobre noiva! Ainda hoje o Ângelo voltará a mim.
_ Não pode fazer isso! Eu mereço perdão!
Com o suor escorrendo pelo rosto, Irene implorava, agarrada à túnica de Pastor.
_ Me dá mais uma chance, pelo amor de Deus!
Irene olhou para os rostos pasmos dos convidados, que meneavam a cabeça em sinal de reprovação.
No momento seguinte, a igreja parecia uma floresta de atrozes cipós espinhentos, que lhe sangravam o corpo, causando dores extremamente fortes. De cada orifício que fluía sangue, brotaram enormes furúnculos purulentos.
_ Não pode fazer isso! Eu preciso de mais uma chance! Eu quero mais uma chance!!!
Aaaaai!!!
Com o próprio grito, Irene despertou suando frio... Enxugou o rosto com as costas da mão.
_ Ainda bem que foi sonho! Ainda tenho chance de me redimir com Deus.
Porém, ao olhar para o colchão onde Ângelo deveria estar dormindo, notou que o colchão estava vazio.
_ Não pode ser! Ele era minha última chance de me redimir pra Deus!
Aquele pesadelo ficou ali, girando em seu pensamento. Enquanto sentia as lágrimas queimarem suas faces, perguntas martelavam sua cabeça: Onde foi parar Ângelo? Onde estaria Mary? E como estariam Arnaldo e Miguel?
Longe de Caxias, Arnaldo despertou de um salto e entrou no quarto do filho.
_ Temos que levantar, Miguel. Tenho que levar a Tina até a cidade, pra ela pegar o ônibus pra radioterapia. Aí tu já fica lá nas manas e podem ir juntos pra escola. Depois, na hora do almoço, tenho uma reuniãozinha com o pessoal das duas igrejas de Serra Grande, aí tu pode ficar lá na Teresinha, com o Francisco.
_ Das duas igrejas, pai? Mas não são religiões diferentes?
Arnaldo olhou sério para o filho.
_ Sim, filho. São religiões diferentes... Mas aprenda uma coisa! Temos um só Deus e Ele pede pra gente ajudar o próximo, quando ele precisa. E a Tina tá precisando de ajuda!
_ Mas quem vai ajudar?
_ O Claudemir e o Edson vão fazer uma surpresinha pra Tina.
Miguel ficou curioso.
_ Surpresinha? Vão dar um presente pra ela?
Arnaldo sorriu.
_ De certa forma, sim... As duas comunidades vão se juntar. Vai ser um presente muito especial.
_Mmmmm... Tô curioso, agora...
_ Ahhhh, não me enrola, piá! Eu não vou contar nada! Tu é fofoqueiro de carteirinha e vai correndinho contar pras manas!
Miguel fez um muxoxo.
_ Aaaa, pai! Tu sabe que minha boca é um túmulo! Eu não conto nada pra ninguém...
_ Prefiro não arriscar, Miguel. Túmulos, às vezes, são violados e saqueados. E vê se toma esse café, pra não assaltar a geladeira da Tina.
_ Aaaaaa, paí!
Arnaldo põe a mão no queixo.
_Falando em "geladeira da Tina"...
A curiosidade de Miguel aguçou-se mais uma vez.
_ O que tem a geladeira da Tina? Alguma coisa a ver com a surpresinha que tu me falou?
_ Não, não... Nada a ver... Deixa de ser enxerido, piá! Toma logo esse café e vamo lavantar âncora, marujo! Hoje o dia vai ser proveitoso!
Após deixar

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