81 - Felicidade na corda bamba

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" SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA"... Arnaldo e Juvenal estavam em frente ao setor do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação do governo estadual, a fim de obter o CNPJ da empresa de comunicação de rádio que estavam prestes a criar.
_ Pra que precisa tudo isso, Arnaldo? Não é só conseguir os equipamentos pra rádio e trabalhar?
_ Não, meu amigo... Tem que ser feito um Contrato Social, pra reconhecer a empresa.
_ Bahhhh... É muita coisa pra fazer pra criar uma simples rádio!
_ Não, meu guri... Tem que ser tudo legalizado, ou var ser trabalho ilegal! A ONG também precisa ser legalizada.
_ Pra abrir a ONG também?
_ Não é tão complicado quanto fundar uma rádio, mas como a ONG e a rádio vão funcionar juntos, com o mesmo objetivo, vão fazer a diferença no nosso povoado. Vão ser dois projetos comunitários em um prédio só!
_ Mas tem muita coisa pra fazer e juntar muito material e dinheiro pra fazer tudo isso!
_ Por isso que é bom ter bastante amigos, Juvenal. O Claudio era benquisto por toda região... E sabendo que era um objetivo dele, o pessoal que tem condições financeiras e interesse de ajudar, vai fazer a diferença.
_ Mas bahhhh! Então vai ser um monte de gente rica envolvida!
_ Sim... Alguns que tem dinheiro pra investir, e outros que vão ajudar com trabalho... Só temos que ter a cautela de aceitar ajuda só de gente de bem, pra não dar problema depois!
_Ué...
_ É que eu tô convidando alguns dos colaboradores pra fazer parte da diretoria... Se não for gente honesta, não vai dar pé!
_ Diretoria?
_ Sim... Pra criar a ONG precisamos escolher uma representação pra diretoria e criar um estatuto que vai reger os objetivos da ONG. Aí, o passo pra legalizar tudo é curtinho!
_ Eu tava pensando...
Arnaldo olhou sério para Juvenal.
_ Pensando o quê? Tá achando que é muito trabalho pra tua rádio? Se quiser voltar atrás, ainda tá no tempo!
_ Não... Não é isso...
_ Então?
Juvenal olhou diretamente para o rosto do amigo.
_ Desculpa, Arnaldo... Mas eu não pude evitar de reparar...
Arnaldo fez um gesto de limpar o rosto com a mão.
_ Tô com a cara suja? Ainda bem que não entramos ainda...
Juvenal caiu na gargalhada.
_ Não, meu amigo... Eu tive reparando outra coisa...
Arnaldo olhou para o amigo, desconcertado.
_ Outra coisa? Não entendi...
_ Está claro como a água... A Dona Tina... Tá fazendo tudo isso por ela, né?
_ Também... Mas eu prometi pro Claudio...
_ Me diz uma coisa: se fosse qualquer outra mulher a perder o marido, faria o mesmo?
Arnaldo ficou embaraçado.
_ Mmmm... Não!
Então, temos um provável patrão em ti?
Arnaldo hesitou em responder.
_Mmmm... Acho que eu tenho muitas pendências ainda... Não posso sobrecarregar a Tina com meus problemas...
_ Problemas? Mas tu resolve os problemas dela, e deixa os teus próprios trancos pendentes? Como assim?
Arnaldo baixou os olhos, tristemente.
_ São pendências sem solução, por enquanto...
_ Existem problemas sem solução pra ti? Quando eu te conheci, vi em ti um homem forte, guerreiro... Criando sozinho o filho...
_ São essas as minhas pendências sem solução...
_ O Miguel? Ele é só um menino, ainda... Logo vai ser teu braço direito!
_ Não... Eu vou fazer de tudo pra ensinar ele a se virar sozinho! Ele quer entrar pro serviço militar, e eu dou a maior força! Lá ele vai aprender o que não consigo ensinar em casa. Quero um filho, não um empregado... O caráter é tudo! O resto se conquista!
_ Por isso que o Francisco tava comentando sobre o quartel? Ouvi ele falando com a Teresinha...
_Sim, Juvenal...
_ Mas... Ele vai ficar longe... O Miguel não vai ter a tua proteção!
Arnaldo pousou a mão no ombro do amigo.
_ Sem proteção ele vai tá se ele ficar comigo...
_Mas bahhhh! Agora que eu não entendi nada!
_ Olha, meu amigo... A minha esposa foi embora, fazem oito anos... Mas, legalmente, não estamos separados... Se um dia ela voltar, pode requerer seus direitos... Aí o Miguel vai estar longe e preparado pra se defender...
_ Mas... Será que ela vai voltar pra cá, um dia?
_ Não sei... Prefiro ficar previnido! Também por isso que eu não me aproximei da Tina ainda... Se a Irene voltar, vai destruí-la...
_ É vero! E a Dona Tina não merece isso!
_ É por isso que eu ajudo ela, mas fico longe...
_ Posso te fazer outra pergunta?
_Pode sim, meu amigo.
_ Se, por um acaso, não existisse a dona Irene, o que tu faria?
Arnaldo sorriu.
_ Eu seria o homem mais feliz da face da Terra!
_ Pois então... Faça de conta que ela não existe mais... Seja feliz! Peça pra Dona Tina casar com você!
_ Prefiro não arriscar, meu amigo... Vaso ruim não quebra, meu guri... A Irene não deu notícias faz oito anos, mas eu conheço ela... Ela não dá ponto sem nó!

*

Naquele momento, no lixão, em Caxias...
_ Que bom que eu não tenho mais o Ângelo pra sustentar... Daqui a mais um ou dois meses eu tenho dinheiro pra comprar passagem pra Igrejinha... O Arnaldo deve ter juntado um bom dinheiro nesses oito anos que estive fora. Lá eu vou fazer valer meus direitos...
Irene olhou para as próprias mãos.
_ Aí, chega de sujar as mãos e quebrar minhas unhas pra ganhar o pão de cada dia no lixo! O Miguel já deve tá trabalhando também... Afinal, ele já tem quase treze anos... Vão ser dois a me sustentar!
Os olhos azuis de Irene brilharam diante da perspectiva de volta àquela casa.
_ Eu sei que o Arnaldo nunca teve bom gosto pra decoração de casa, mas eu tenho certeza que é melhor que isso aqui!
Olhou demoradamente para o colchão que Ângelo usava, agora usado por ela.
_ Ainda bem que aquele fedelho foi recolhido daqui por Deus! Pelo menos eu não precisei mais dormir no papelão, nem dividir a comida!
Por um momento, passou-lhe à cabeça o que Maria lhe falara... Irene fez uma careta e ironizou:
_ Chance... Eles que dêem a última chance ao Dianho... Ele sim que tá precisando... Eu tenho o direito de voltar pra "minha casa"...
Por um instante, passou-lhe à cabeça a imagem de Mary...
_ Aquela "perdida"deve tá lá com o velho também! Deve tá todo mundo nadando na grana agora!
Irene olhou para o velho maço de cigarros, abandonado a muito tempo na fenda de uma rachadura da pilastra do viaduto.
_ Ahhhh... Desde que o Ângelo tava aqui eu não fumei mais nenhum cigarrinho... Aaaa, que vontade de sentir aquela sensação de novo! Vou tragar só unzinho...
Irene não resistiu. O pensamento em Arnaldo e na possibilidade de voltar a Igrejinha para sair daquele lixão fizeram-na escorregar para o vício novamente.
_ Mais unzinho...
Com as mãos trêmulas, acendeu outro cigarro na bituca do anterior.
_ Booooom...
Irene parecia relaxar... Soltou uma estrondosa gargalhada que escoou entre as pilastras do viaduto. De repente, uma forte fisgada nas costas a fez contrair-se toda.
_ Mas que Dianho!!! Essa ferida que não sara... Mas eu vou voltar pra "minha casa", e lá vou fazer um tratamento de primeira, como eu mereço!



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