73 - As pizzas de Roseli

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As gêmeas olharam horrorizadas para a mãe. Lenir colocou a mão na cabeça. Parecia não acreditar na cena que presenciara.
_ Mããããe!!! Eu não consigo acreditar no que tô vendo! Teu braço não tem mais músculos, nem pele! O câncer "comeu" teu braço! É só osso!!!
Tina tentou erguer o braço, para mostrar às filhas que estavam enganadas, porém, parecia que seu braço estava atado às costas. Não conseguia sequer mexer-se. Tentou manter a calma diante do olhar pasmo das filhas. Limitou-se, então, a responder:
_ Vocês estão enganadas. Estou bem, filhas.
Lenice cobriu a boca para não gritar ao olhar para as pernas da mãe.
_ Não acredito, mãe! Tuas pernas são só o esqueleto! Não tem pele nem músculos!
E novamente a mãe tentou acalmar as filhas, tentando em vão ergueu-se do chão e ficar em pé.
_ Vocês estão vendo coisas, meninas! Eu tô ótima.
Porém, misteriosamente, Tina sentia um peso estranho prendendo todo seu corpo ao chão. No sonho, via as filhas se distanciando lentamente de seu foco de visão, até perdê-las de vista. De repente, veio-lhe aos ouvidos o choro de Claudino. Ergueu-se com dificuldade, porém, ao pegar o bebê para amamentá-lo, sentiu que ele procurava avidamente o seio materno para alimentar-se, sem o encontrar.
_ O que tá acontecendo, filho? O tetê da mamãe tá aqui...
Porém, ao baixar os olhos, sentiu-se paralisada. Sua visão tentava em vão encontrar seus próprios seios, porém, só encontraram as próprias costelas, ali, expostas, como se o esqueleto fosse a única coisa que lhe restara...
_ Nããão!!!
Sentindo-se incapaz de alimentar seu filho, Tina ouvia-o chorar cada vez mais alto. Tentou sair do lugar para chamar Teresinha, mas a escuridão que repentinamente tomou conta do quarto pareceu pesar sobre seu corpo inteiro, sufocando-a. Sentiu o ar faltando aos pulmões, um frio intenso atravessando suas veias, silenciando as batidas do coração...
_ Não posso morrer! Preciso respirar... Preciso ajudar meu filho! Claudiiino!!!
Num repente, Tina despertou do pesadelo, olhando para o berço do filho, que dormia serenamente.
_ Meu guri... A mamãe tá fazendo tratamento pra ficar curada... Eu gostaria tanto de te dar mais um tempo de mamar, mas agora não posso mais...
As lágrimas desciam pelo rosto de Tina, enquanto o despontar da luz do dia dava lugar à escuridão daquele quarto.
_ Meu amor... Eu vou ficar boa logo. Eu confio em Deus, meu filho.
Lenir entrou correndo no quarto.
_ Manhê! Manhê! Tem um carro lá fora! É a mãe da Dani!
Dani era uma das muitas amigas das gêmeas, colega de escola.
_ Pois convide pra entrar, filha. A Roseli é uma amiga muito especial pra mim. Já vou atender ela. Vou só fazer a mamadeira do Claudino e trocar a fralda dele, pois a Teresinha vai cuidar dele e ficar de olho em vocês. Hoje tenho mais uma sessão de radioterapia pra fazer.
Lenice foi até o carro de Roseli e olhou curiosamente ao interior do automóvel.
_ A Dani não veio junto?
_ Hoje não, querida. Ela tá cuidando da avó dela, que tá adoentada.
_Pois entra, Dona Roseli! A mãe tá lá dentro, cuidando do nosso irmãozinho. Pode entrar!
_ Obrigada, amada.
Roseli dirigiu-se até o interior da casa, sendo conduzida até o quarto onde Tina trocava as fraldas do filho.
_ Bom dia, Tina. Sei que tu tá quase de saída, pra tua radioterapia, por isso não vou me demorar. Vou te dar uma carona até a cidade, porque tô indo pra lá também. Assim o Arnaldo não precisa te levar.
_ Sem problemas, Roseli. Só falta terminar de arrumar o nenê e tomar um café.
_ Olha, eu vim aqui pra te dar um presente. E eu não gostaria que recusasse.
Tina olhou interrogativamente para Roseli.
_ Não entendi, amada...
_ Sei que agora tu tá numa fase muito difícil, e a algumas semanas eu e minha família decidimos fazer uma promoção de pizzas.
_ Me desculpa... Mas eu não tenho como comprar pizzas agora, amada.
Roseli meneou a cabeça.
_ Calma, Tina. Vou explicar.
Roseli colocou sobre a mesa de Tina uma pequena caixinha.
_ Isso é pra tua família. Eu sei exatamente o que tu tá passando. Quando o pai da Dani faleceu eu também tive quem me ajudasse, e senti que Deus pediu-me pra te ajudar agora.
Tina pegou a pequena caixa e abriu-a. Arregalou os olhos diante do conteúdo dela.
_ Mas Roseli...
_ Esse dinheiro nossa família arrecadou com a promoção das pizzas que fizemos, e quero que aceite.
_ Mas tudo isso! Não posso aceitar...
_ E eu não quero que recuse. Pensa nos teus filhos, Tina! Até que tuas radioterapias vão terminar, não poderá trabalhar nem se estressar... Aí, esse dinheiro vai dar um pouco de tranquilidade pra tua família e pra ti.
Tina abraçou Roseli, com lágrimas nos olhos.
_ Não tenho como agradecer por tudo isso que vocês estão fazendo por nós.
_ Pois agradeça ficando boa, pois eu sou tua maior fã... Sempre te admirei pela tua força, determinação e fé, na escola e na vida pessoal. Agora é a hora de todos que tu já ensinou ou ajudou se unirem pra te ver curada. E agora, toma teu café e vamos, que te levo até o ônibus pra ir pra Porto Alegre, pra tu não faltar na radioterapia.

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