41 - O perdão... O castigo

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Após o término do sepultamento de Alessandro, Claudio e Arnaldo levaram Juvenal, Teresinha e Francisco para casa. Rostos abatidos, adentraram à casa de Juvenal. Claudio notou, com preocupação, a lesão no braço de Teresinha:
_ A senhora precisa tratar isso! Quer que a leve ao médico?
Teresinha acenou negativamente.
_ Não, seu Claudio... Agora, nada mais importa... Eu errei, e tenho que pagar pelos meus erros...
_Mas precisa tratar de curar isso, ou pode até perder o braço!
_ Eu sei... O médico que cuidou do...
Teresinha sentiu novamente a explosão de lágrimas brotarem, ao falar do filho recém sepultado.
_Bom... Eu e o Arnaldo vamos voltar pra casa, então... O Juvenal fica aqui pra te ajudar, e no final de semana nós vamos voltar, pra ver como estão.
Juvenal interveio:
_ Não quero deixar Teresinha sozinha com o Francisco, nessa hora tão difícil. Talvez semana que vem ainda não vá nas terapias...
_ Vamos voltar no domingo, pra saber o que decidiu. Pode deixar que eu comunico o setor das terapias.
Claudio e Arnaldo saíram, deixando o silêncio no lugar. Teresinha não conseguia deixar de pensar em tudo que ocorrera.
_ Tudo poderia ser diferente, se eu tivesse...
_ Foi a vontade de Deus, Teresinha...
Francisco , tristemente, adentrou no quarto que dividia com o irmão. Pegou seu caminhãozinho e ficou observando com tristeza o carrinho de vime onde Alessandro dormia. Aproximou-se, com os olhos, rasos d'água...
_Mano. Agora tu voltou a ser o anjo do Papai do Céu...
Teresinha, observando o filho , puxou-o ao colo. Sua voz saiu por um fio...
_ Francisco... O que vai ser de ti, meu filho? O mundo lá fora é tão cruel... Teu pai sem conseguir caminhar, com a visão comprometida... E eu, talvez, sem o braço...
Juvenal, da cozinha, ouviu o que Teresinha falara.
_ Confia em Deus, Teresinha! Ele há de nos ajudar a superar tudo isso. O Francisco vai ser um homem de bem.
_Vou confiar sim, Juvenal... Eu preciso pedir perdão a Deus...
Teresinha entrou no quarto do casal e caiu de joelhos em frente à cama.
_ Deus... Perdão por não ter correspondido ao teu amor... Perdão por quebrar minhas promessas...
Duas grossas lágrimas desceram pelo rosto de Teresinha.
_ Deus... Quero te dar graças por ter mandado esse anjinho pra nós... E também por ter salvo o Juvenal da morte...
A oração, cada vez mais fervorosa, foi acalmando aos poucos o espírito conturbado de Teresinha.
_E quanto a essa braço... Que seja feita tua vontade, Senhor. Se eu tiver que ficar sem ele...
Trêmula, Teresinha abriu o curativo. Assustou-se com uma casca de necrose que se formara ao centro da lesão. Ficou horrorizada com a proporção que a ferida estava tomando. Já alcançava mais de 15 cm de diâmetro. A veia principal do pulso estava dilatada ao máximo, latejando... A cada secreção que saía e tocava a pele, novas feridas se formavam.
_ Isso tá horrível, meu Deus... Como dói...
As lágrimas de Teresinha não cessavam... Não tanto pela dor do braço, mais pela dor da alma, pelo arrependimento de ter falhado com Deus.
_ Deus... Se quiser me levar, estou pronta... Se eu tiver que pedi-te perdão maís um milhão de vezes, assim o farei! Só te rogo... Se eu tiver que partir... Se essa veia estourar... Coloque alguém amoroso e dedicado pra cuidar do Juvenal e do Francisco, que ainda é um menino.
Teresinha ergueu os olhos em oração contínua e fervorosa. Tirou da gaveta o livro sagrado e leu um longo trecho.
_ Obrigada, meu Deus, por me dar uma chance de me redimir. Dai- me forças, Senhor. Que tudo seja conforme tua vontade!
Em seguida, Teresinha fez a assepsia da lesão, colocou a pomada e fechou o curativo. Juvenal preocupou-se:
_Tá tudo bem? Posso ajudar?
_ Já fiz o curativo... Tá feia, a ferida... Entreguei nas mãos de Deus...
_ E o que tu acha que é "confiar em Deus"? É isso que nós tamo fazendo...
_ Posso fazer um pedido?
Juvenal estranhou, mas acenou afirmativamente:
_ Se essa veia estourar, vou morrer sangrando... Promete que vai cuidar bem do Francisco, se isso acontecer?
Juvenal olhou no fundo dos olhos de Teresinha:
_ Não vai acontecer nada disso... Deus vai te ajudar.
_ Eu já não mereço que Deus me ajude. Quebrei minhas promessas contigo e com Francisco... Se Deus for justo, ele não me perdoará...
_ Pois Ele perdoará sim, se tu estiver arrependida de verdade.Deus é soberano.
_ Me promete... Se eu morrer, leva o Francisco pra morar lá com seu Claudio e dona Tina... E coloca ele no CTG... Eu sei que quebrei minha promessa, mas quero que tu faça isso...
_ É por isso que te amo, Teresinha... Teu coração é anorme...
_ Mas eu errei tanto...
_ Mas também acertou tanto... Lembra quando tu comprou as bíblias pras crianças da escola? Tu foi o instrumento de Deus pra esses anjinhos conhecer o livro sagrado, e conhecer o amor da Deus.
Teresinha, ao olhar Francisco, lembrou:
_ Tu e Francisco devem tá com fome. Vou preparar a janta.
_ Vou pedir pro Francisco arrumar a mesa.
Teresinha sentiu muito carinho nas palavras de Juvenal. Aqueceu água, passou café e ferveu leite. Francisco, sob as ordens do pai, já foi organizando cuidadosamente as louças na mesa. Juvenal reparou:
_ Mas que menino organizado! Onde tu aprendeu a arrumar a mesa assim?
_ A mãe me mostrou uma vez, e eu não esqueci... Eu gosto muito de arrumar coisas...
Teresinha segredou ao marido:
_ A Doutora que fez o diagnóstico de autismo do Francisco falou que essa é uma das características mais fortes dos autistas. Que são extremamente organizados...
Juvenal olhou com admiração para a esposa. Agora notara que a ausência dele também refletira em Francisco. Teresinha ainda completou:
_ Ela disse que, quando o Francisco crescer, ele vai escolher uma profissão, e vai trabalhar nela com perfeição.
Francisco, que ouvira o que a mãe dissera, logo adiantou:
_ Eu vou ser motorista de caminhão...
_ Mas tem muito tempo pela frente ainda!
_ Não faz mal. Eu tenho que crescer ainda, pai. E ficar forte que nem tu!
A família de Juvenal reuniu-se à mesa e deram graças ao alimento. Em seguida, Teresinha lavou a louça e Francisco ajudou o pai a arrumar a cozinha.
_ Trabalho de equipe, meu guri!
Naquela noite, Teresinha demorou a dormir. A lesão no braço latejava e doía muito. Sentiu a veia dilatar-se cada vez mais. Evitou deitar de frente para Juvenal, para que ele não notasse que as lágrimas queimavam sua face. Sua oração foi silenciosa, porém, saiu da alma.
_ Deus. Eu entrego minha vida inteira a ti. Se eu tiver que partir, eu tô pronta.Só te peço: coloque alguém no caminho de Juvenal e Francisco que cuide bem deles.
Teresinha não sabe por quanto tempo ainda chorou, mas acabou adormecendo. Sentiu-se envolta em um túnel de luz, de onde pairava o silêncio da paz. Ao final do túnel, viu uma figura conhecida.
_ Alessandro! Então é verdade! Tu é um anjinho que Deus me emprestou! Tu tá lindo!
Já não existia cicatriz das intervenções cirúrgicas no rosto da criança, tampouco a fissura do lábio leporino. A perfeição no rosto angelical de Alessandro não deixava dúvidas.
_ Mãe! Deus me trouxe de volta pra minha casa! E Ele te perdoou.
Teresinha despertou diante da força daquele sonho. Sentiu a boca seca. Foi até a cozinha beber água. Curiosamente, o braço já não latejava.
_ Estranho. Será que estourou a veia?
Curiosamente, abriu o curativo. As bordas da lesão estavam secando, a veia já não estava dilatada, a necrose estava descascando e a secreção já não existia mais ali.
_ Deus seja louvado! Só tu, meu Deus, pra fazer esse milagre em mim!
Ali, na cozinha,Teresinha caiu de joelhos, em agradecimento ao seu Deus . Ficou ali, em oração, um longo tempo.

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