46 - A morte de Valderez

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Após o jantar compartilhado na casa de Claudio, todos se reuniram ao redor do fogão à lenha, para ouvir as melhores histórias. Teresinha ficou maravilhada.
_ Que costume bonito, esse! Assim as histórias dos nossos antepassados não morrem!
Claudio sorriu, brincando:
_ Aqui só morre o mate e o pinhão que às vezes acompanha as histórias das noites de sábado!
Ao terminar de falar, Claudio pousou a mão na região do estômago, fazendo uma careta de dor. Lenir percebeu:
_ O que foi, paizinho?
Claudio estava pálido.
_ Nada, filha. Uma dorzinha aqui...
A menina olhou nos olhos do pai e parecia saber o que se passara.
_ Pai... É a úlcera que dói, né? Vem aqui, paizinho...
Lenir puxou Claudio pela mão, ao interior do quarto das meninas. Claudio tentou disfarçar, mas a filha já conhecia as crises de dor do pai.
_ Já vai passar, filha! Sempre passa logo... Eu não deveria ter tomado tanto mate e comido tanto pinhão.
Tina, que notara a retirada de Claudio e Lenir da cozinha, deu por encerrada a sessão de histórias daquela noite. Teresinha olhou preocupada:
_Precisa de ajuda?
_ Creio que não. Essas dores do Claudio aparecem de vez em quando. Tá na hora dele fazer uns novos exames!
_ Se precisar, me chama!
Teresinha, Juvenal, Francisco e Miguel se retiraram. Arnaldo sugeriu:
_ Se quiser, eu fico aqui também, e dou uma mão! O Miguel foi junto na casa do Juvenal, porque ele e Francisco combinaram de brincar com as meninas, amanhã.
_ Não carece, Arnaldo! Essas dores dão e passam. Vou insistir pra ele fazer os exames de novo.
Claudio saiu do quarto das filhas, apoiando-se no umbral da porta, com a mão na região dolorida.
_ Tô bem, Arnaldo! Foi uma dor um pouco mais forte que as últimas que tive. Não te preocupa! Não vou morrer tão cedo!
Arnaldo olhou para Claudio, sério:
_ Com isso não se brinca, Claudio! Precisa fazer esses exames.
_ Tenho uma endoscopia marcada pra quarta-feira. É um exame novo, que mostra como o estômago tá por dentro... Vamos ver o que tá me dando essa dor.
_ Vou contigo. Na certa, pediram pra não ir sozinho.
_Pode sim. Vou levar o Juvenal pra Canoas primeiro, pra terapia. Depois, numa clínica de Canoas mesmo, vamo ver o tamanho do bichinho que me atormenta!
Quarta-feira, o alvorecer do dia recebeu a caminhonete de Claudio cruzando as cidades que separam Igrejinha de Canoas.
_ Tá aí, Juvenal! Se tu estiver pronto na terapia, espera na recepção, que assim que eu terminar minha endoscopia, te busco lá!
Claudio e Arnaldo dirigiram-se à clínica. Eles estavam apreensivos na sala de espera.
_ Pelo que sei, tu não precisa entrar junto...
A secretária interrompeu a conversa:
_ Sr Claudio? Está em jejum?
_ Sim.
_ Pode se dirigir à sala 2.
Após os preparos de praxe para realizar uma endoscopia, o médico iniciou o exame.
_ Vamos ver esse estômago por dentro!
Claudio permaneceu em silêncio. O Dr continuou:
_ Mmm. Isso aqui não é nada bom... Tá vendo isso aqui?
Além da parede estomacal avermelhada, o visor mostrava três pontos acentuados nas paredes do estômago de Claudio.
Claudio, temeroso pelo aspecto de anormalidade de seu estômago, esperou a conclusão do médico.
_ Essas partes avermelhadas são uma gastrite severa. Não há úlceras... Mas...
_ Pode falar, Dr!
_ As partes acentuadas são pólipos internos. Certamente são eles que causam a dor.
_ Pólipos?
_São três hérnias internas. Como elas são internas, o alimento que o senhor come fica trancado entre os pólipos, e aí surgem as dores.
_ Tem como operar, Dr?
_ Olha... Até agora, não sabemos de algum caso semelhante que tenha sido solucionado com cirurgia. Se fossem hérnias externas, seria fácil operar... O senhor trabalha em quê?
_ Sou agricultor, e faço revenda de erva mate.
_ Pois eu sugiro que o senhor não deverá mais erguer peso. Arrume alguém pra te ajudar nas coisas pesadas. E eu vou receitar um remédio de uso contínuo que vai ajudar na sua digestão. Assim, não ficarão resíduos no estômago, entre os pólipos.
_ Mas... Posso comer de tudo?
_ Sugiro que evite comer alimentos muito pesados, fibrosos ou ácidos.
_ Me diz, Dr... Posso tomar mate?
_Por enquanto, sem chimarrão ou café preto... Faremos uma nova avaliação daqui a uns dois a três meses.
Arnaldo, na recepção da clínica, não fazia ideia de que o amigo estava tão desolado.
_ Então, meu guri? Como tá esse estômago?
Claudio permaneceu cabisbaixo, sem coragem de falar naquele momento o que o médico lhe dissera.
_ Vou ter que mudar alguns hábitos meus, meu irmão!
Arnaldo estava curioso:
_Mas... É tão grave assim? Quer conversar?
_ Agora não, meu amigo. Vamos ver se o Juvenal tá pronto na terapia e vamos pra Igrejinha.
Claudio permaneceu em silêncio todo o caminho de retorno. Ao aproximar-se de casa, baixou a velocidade, como se quisesse adiar o momento de dar a notícia para a família.

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora