50 - Petruchio

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Tina parecia não acreditar no que Juvenal acabara de falar.
_ E como tá ele? Se machucou muito?
_ Olha... Eu estive com ele. Aparentemente, não parecia muito ferido. Umas escoriações... Acho até que não teve fratura nenhuma...
_ Chegou a falar com ele? Ele tá consciente?
_ Falamos um pouco... Estava com a voz um pouco embargada. Parecia bastante atordoado por estar no hospital.
_ Chegou a falar com os médicos?
_ Sim. Eles vão fazer uma tomografia , pra saber se teve traumatismo craniano. Falaram que certamente o Claudio desmaiou no volante, na descida da ladeira.
_ Mas... Tu falou que ele bateu num carro estacionado, e que deu perda total nos dois carros... Mais alguém se machucou?
_ Não. Felizmente não tinha ninguém atravessando a rua naquele momento... E no carro estacionado também não tinha ninguém. O dono do carro estacionado é o proprietário de uma lancheira no local da colisão.
Diante das revelações de Juvenal, Tina sentiu o chão faltar sob seus pés, justamente no momento em que as crianças entraram na casa.
_ Mããããe!!!
Juvenal orientou as crianças:
_ Deixem ela respirar! Peguem um caderno e usem como um leque. Assim ela vai ter mais oxigênio...
_ Mãezinha... Acorda! Mããããe!!!
Aos poucos Tina foi voltando a si. Atordoada, olhou para Juvenal e perguntou:
_ Fala pra mim, Juvenal... Fala pra mim que não é verdade...
O pobre homem baixou os olhos, e confirmou:
_ Infelizmente, é verdade...
Tina sentiu o torpor tomar conta da sua cabeça... Já não sabia o que pensar... Tampouco o que dizer.
_ Ainda bem que agora eu tô com a prótese na perna... Ao invés de dar trabalho pra vocês, vou ajudar. Vou ver com o proprietário do carro estacionado, o que podemos fazer... Como podemos resolver isso.
_ Ele vai querer que o Claudio pague o estrago no carro dele... E se deu perda total...
_ Mas primeiro vamos até o hospital. Vou até lá e fico hoje durante a noite. Amanhã vamos dar um jeito de te levar. As meninas podem ficar com a Teresinha e o Francisco... E eu garanto que o Arnaldo também vai ajudar.
Tina estava aos prantos...
_ Não sei o que dizer... Não sei o que pensar... Claudio...
_ Pois não é a senhora que sempre fala que devemos confiar em Deus? Pois chegou o momento de colocar em prática essa fé!
Tina pôs a mão no ombro do amigo.
_ De onde vou tirar forças?
_ Olha... Deus nos trouxe pra cá com um propósito. Eu e Teresinha vamos estar aqui, pra te ajudar, até que o Claudio vai ficar bom. Chegou o momento de retribuir toda bondade de vocês com a gente.
_ Tu vai mesmo ficar com o Claudio essa noite, no hospital?
_ Claro! Vou só tratar os bichos de vocês, tomo um banho e desço. Amanhã de manhã tu desce pra cidade e fica no meu lugar. Talvez até lá já vamos saber o que aconteceu pra ele desmaiar dirigindo. Ele sempre foi tão atencioso e responsável no trânsito.
Tina ficou pensativa:
_E ele iria levar as crianças... Deus protegeu as crianças do acidente...
_ As crianças são os seres que formam o reino de Deus, Tina... Lembra da passagem do livro sagrado que Jesus diz: "_ Deixai vir a mim os pequeninos, pois é deles o reino de Deus!" Deus não deixaria acontecer nada pra elas.
_ Não imagina como eu me sentiria culpada se as meninas e o Francisco teriam ido junto...
Juvenal dirigiu-se até os galpões de Claudio, a fim de alimentar os animais e fazer a ordenha. Após um banho e um lanche reforçado, dirigiu-se até a casa do vizinho de Claudio. Narrou o acontecido, e pediu:
_ Seu Alceu... Preciso que me leve até o hospital. Vou acompanhar o Claudio durante a noite. Amanhã volto e a Tina vai ficar no meu lugar!
_ Claro! Se precisar que eu ajude, só falar... O Claudio sempre foi um bom homem.
_ Se tu quiser ajudar, traga a Tina ao hospital amanhã de manhã, aí eu volto contigo pra tratar os bichos do Claudio e tirar o leite. Eu espero que logo o Claudio volte pra casa. Tomara que não seja nada sério!
No dia seguinte, Alceu já estava cedinho na casa de Claudio, para levar Tina ao hospital. As gêmeas correram.
_ Também queremos ir cuidar do paizinho, mãe! Ele precisa da vitamina "manas"!
_ Não vão deixar vocês entrarem... Tem regras lá... Só com 18 anos, pra ajudar a cuidar de um doente.
Lenir colocou a mão no queixo:
_ Então, temos 12 anos... Vamos as duas... 12 mais 12 dá 24... Ainda vai sobrar...
Tina, apesar da preocupação com Claudio, não escondeu a risadinha:
_ Boa tentativa... Mas não cola! Regras são regras!
Juvenal voltou à casa de Claudio, enquanto Tina acompanhou o marido à realização da tomografia craniana. Os médicos entreolharam-se, ao ver o resultado:
_ Isso não é nada bom...
_ O que foi, Dr?
_ Bom... Vamos ser sinceros com a senhora... Mas primeiro responda uma pergunta... O seu marido queixou-se de alguma dor na cabeça, ou algum outro sintoma?
_ Sim... Tonturas e dor na cabeça... Muitas...
_ Vamos ser sinceros com a senhora... A tomografia mostrou cinco tumores intracranianos. Sendo que um deles rompeu-se, provocando um acidente vascular cerebral... Provavelmente a um ou dois dias...
Diante das revelações dos médicos, Tina sentiu o chão faltar sob os pés novamente.
_ Emergência... A esposa dele desmaiou... Dona Tina...
Quando a mulher voltou a si, os médicos explicaram:
_ Poderíamos fazer uma intervenção cirúrgica no paciente, mas diante do quadro clínico do seu marido, temos que ter cautela. A pressão intracraniana está muito forte. E a anestesia aguça a formação de novos tumores e pode aumentar ainda mais essa pressão.
_ Pois eu quero que façam tudo o que for possível pra salvar o meu marido... Temos duas crianças pra criar...
Os médicos entreolharam-se mais uma vez:
_ Pois se fizermos alguma intervenção cirúrgica, a anestesia poderá provocar a multiplicação dos tumores... Infelizmente, não há nada pra fazer... Podemos medicar ele, para que a pressão intracraniana se estabilize, e esperar que os tumores não se multipliquem.
O coração de Tina estava em pedaços com a notícia.
_ E ele... Tá consciente? Parece que tá dormindo...
_ É o quadro do acidente vascular cerebral... O tumor rompido deixou-o assim... E para que a medicação para conter a pressão intracraniana fazer efeito, onduzimos o coma.
_E... Ele vai melhorar?
_ Infelizmente, temos que ser sinceros com a senhora... Vai depender do organismo dele. Ele pode estabilizar o estado dele, mas também pode ir a óbito a qualquer momento, pois os outros tumores podem se romper a qualquer momento, em função da pressão...
Aquele dia foi o primeiro de muitos para Tina, entre a casa e o hospital. Os amigos revezavam-se para auxiliar com os cuidados a Claudio.
_ Obrigada, Noêmia... Não sei como agradecer... Não imagina como estou cansada. Hoje colocaram a sonda de alimentação nele. Não consigo olhar sem chorar...
_Se tu precisar de mais alguma coisa, só me fala...
_ Obrigada, mas o que agora eu mais quero é que o Claudio fique bom. O resto a gente resolve depois.
_Tina... Tenha calma... Cuida do teu marido, que nós vamos te ajudar.
Tina parecia não acreditar nas palavras da amiga.
_ Não tenho palavras...
_ Pois não fale nada, amiga!
_ E qualquer coisa que precisar pras crianças,me fala!
_ Por que faz tudo isso por nós?
_ Tu faria o mesmo, amada... E Deus nos pediu pra amar o próximo como a ti mesmo!
Ao retornar Tina encontrou as crianças ajudando Teresinha na faxina da padaria. Lenice, ao ver a mãe, saiu correndo:
_ Mãe! O seu Zé, o pai do Nino, tava aqui...
Tina estranhou:
_ Ué... Seu Zé nunca veio visitar o Claudio...
_ Ele falou umas coisas esquisitas. Perguntou pela senhora. Quando falamos que tava no hospital com o pai, ele foi embora.
Tina adentrou a padaria, onde Teresinha arrumava o depósito de ingredientes.
_ Vamos ter que comprar umas coisinhas que tão faltando, ou não vamos conseguir atender as encomendas.
_ Amanhã, quando eu sair do hospital, passo no supermercado e trago. Anota o que falta!
Miguel entrou correndo.
_ Tia Tina! O seu Zé voltou!
_ Vou ver o que ele quer...
Tina foi até o portão, onde o homem a esperava.
_ Boa tarde, seu Zé. Precisa de alguma coisa?
_ Tarde! Eu fiquei sabendo que o seu marido tá no hospital. Ocê não carece de homem?
Tina ficou pensando no que o homem perguntara.
_ Como assim? Se eu careço de homem? Pra trabalhar, tenho braços, e ademais, o Juvenal e a Teresinha estão me ajudando bastante.
_ Não, Tina... Eu perguntei se ocê não carece de um marido novo, porque eu soube que seu marido não vai voltar mais.
Tina não sabia se espancava o homem, ou se, simplesmente respondesse.
_ Olha aqui, seu Zé... Meu marido está no hospital sim... Mas o senhor faça o favor de se retirar, ou não respondo por mim.
Zé olhou-a com um jeito irônico:
_ É tão "quente"assim? Eu gosto desse tipo de mulher!
Tina já estava a ponto de baixar o nível das palavras, mas as crianças aproximaram-se.
_Meninas... Vocês procisam de um pai novo... O de vocês não vai voltar mais. Ele já tá com um pé na cova...
_Pois o senhor faça o favor de se retirar daqui!
Os olhos da mulher faiscavam de raiva diante das palavras do seu Zé.
_ Eu vou, mas eu volto!
Tina e as crianças estavam pasmas diante da ousadia do homem. Miguel respirou fundo.
_ Pena que meu pai sempre me diz pra não bater em ninguém... Mas esse homem...
_ Mãe... Será que ele vai voltar mesmo? Tô com medo...
Miguel colocou a mão no ombro de Lenir.
_ Tenho uma ideia que vai manter o tio Zé longe daqui! Vamos até o paiol!
Tina não entendeu os planos de Miguel.
_ Não quero violência, crianças. Vamos confiar em Deus, que o seu Zé não vai voltar.
_ Vamos dar uma mãozinha pta Deus manter ele longe da senhora, tia Tina! Vem, Chico... Vem, manas... Preciso da ajuda de vocês!
Mal as crianças entraram no paiol, já se ouviam o pequeno serrote cortando madeira, e algumas marteladas. Teresinha olhou para Tina.
_ O que será que esses quatro estão planejando?
Lenice entrou correndo em casa.
_ Mãe! Precisamos de uma roupa de roça do pai!
_ O que vocês estão mutretamdo?
_ Depois a senhora olha? Podemos usar os sacos velhos de silagem? E também queremos aquela foice de cortar pasto sem cabo...
_ Podem. Mas, pra quê?
_ Segredo nosso! Depois contamos!
Tina ficou pensando o que as crianças estariam tramando. Porém, seus afazeres na padaria afastaram qualquer ideia. No paiol, cessaram as marteladas.
_ Aqui, Chico... Coloca a máscara...
_ Vai Mig! Tem que prender bem a foice, ou ela cai do vento...
_ Onde vamos colocar ele?
_ Bem no portão... Aí seu Zé vai ver e sair correndo.
Mais alguns adereços e estava pronto. Miguel anunciou:
_ Agora, vamos escolher um nome pra ele!
_ João.
Miguel olhou para o boneco.
_ Não tem cara de João... João é nome de bonzinho... Ele tem que meter medo mesmo!
Lenice teve a ideia:
_ Vamos chamar ele de Petruchio!
_ Legal! Seu Petruchio... Bem-vindo ao nosso humilde lar! Agora, vamos trabalhar... Tu vai ser o porteiro!
Enquanto Tina e Teresinha estavam na padaria, não faziam ideia da surpresa que as esperaria. As crianças levaram o boneco próximo ao portão, prenderam bem na extremidade superior do poste do varal. Miguel olhou o boneco.
_ Espera! Temos que colocar um chapéu, igualzinho ao do seu Zé!
Chapéu posto... Boneco pronto... As crianças levantaram os olhos e avistaram seu Zé aproximaram-se do portão de entrada.
_ Bem quietinhos... Se ele chegar até aqui, a gente fala com ele.
O homem aproximou-se, ergueu os olhos e deu de cara com o espantalho Petruchio. O medo era visível no rosto dele.
_ Santo Deus! O que é isso?
As crianças aproximaram-se do portão. Lenice apontou para o boneco:
_ Seu Zé... Agora nossa casa tem um protetor. Esse é Petruchio. Caso o senhor esteja querendo ser o nosso novo paí, o Petruchio vai ficar brabo!
Miguel completou:
_ O Petruchio vai descer dali e vai "cortar o brinquedinho" do senhor, aí o senhor nunca mais vai conseguir namorar ninguém!
Zé ficou estático de repente.
_ Isso é bruxaria!
Miguel não perdeu a oportunidade de continuar a brincadeira:
_ Sim, seu Zé... E se o senhor vier aqui de novo, o Petruchio vai ficar revoltado e dar uma surra no senhor!
Com o susto, Zé decidiu girar os calcanhares e ir embora, o mais rápido que pôde. As crianças entraram na padaria eufóricas:
_ Mãe! Mãe! Mãe! O seu Zé nunca mais vai vir aqui!
Tina e Teresinha ficaram surpresas:
_ Que milagre foi essa?
_ Vem aqui, mãe! Vem ver, tia Teresinha!
As crianças conduziram as mulheres até o portão, onde o imponente Petruchio abria os braços na direção da rua. Explicaram o ocorrido.
_ Essas crianças...
Tina estava num misto de agradecer e de repreender... Optou por agradecer.
_ Obrigada, meus amores! Se eu não tivesse vocês, eu estaria perdida!


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