16 - A crueldade de Léo

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_Aqui, princesinha! Pra ti!
_O que é isso, Léo?
Mary segurou o bombom que Léo lhe estendera...
_ Meu pedido de desculpas, princesinha! Vossa alteza, aceita esse bombom como pedido de desculpas desse nobre cavalheiro...
Léo fez uma reverencia ao entregar-lhe o doce... Mary aceitou o bombom... Afinal! Um simples doce... Desembrulhou-o e foi comendo, enquanto Léo, apoiado sobre o parapeito da janela, observava o jardim.
_Hoje meu pai não tá aqui! Estamos sozinhos...
Mary não gostou da frase de Léo... Estariam sozinhos? Teve um mau pressentimento...
_Não estamos sozinhos, Léo! A cozinheira está também!
Mary parou de falar de repente... Tentou dizer mais algo, mas a voz não saía... Foi sentindo-se cada vez mais fraca... Uma sensação de torpor tomou conta de Mary...
_É isso aí, princesinha! Apagando feito uma vela! Esse"pó das fadas" que coloquei no bombom vai te deixar molinha, molinha! E toda minha!
Mary não sabe quanto tempo dormiu, nem o que se passara... Apenas sentia muita dor de cabeça... A fraqueza, ao sentar-se, fez com que ela concluísse que dormiu muito... Olhou para suas mãos, trêmulas... Notou a ausência de pijama... Não costumava dormir sem roupas, tampouco sem roupa íntima... Depois, seus olhos encontraram uma enorme mancha de sangue no lençol... Sentiu como se o sangue fugisse das veias...
_ O que é isso? Meu Deus! Nãããão!!!
Mary, trêmula, não sabia exatamente o que tinha acontecido... Apenas lembrava que comeu um bombom dado por Léo...
_ Não acredito!
Mary sentiu-se horrivelmente violada... Olhou aquele lençol manchado... As lágrimas explodiram... Tremendo, apenas conseguia repetir:
_Não pode ser! Não pode ser!
Instintivamente, arrancou o lençol da cama... Tentou, em desespero, rasgar o lençol... Aquela mancha era o sinal de que Léo tinha concretizado sua ameaça... Trêmula, cobriu o corpo com uma toalha e, no chuveiro, as lágrimas se misturaram às águas que caíam do alto... O sentimento de raiva e impotência se confrontavam, pois não tinha com quem contar para protegê-la... Nem ajudá-la...
_Nem a mãe não tá aqui...
Porém, Mary sabia que não poderia contar com a proteção de Irene, mesmo que ela estivesse ali... Irene não acreditaria no que acontecera, de fato... Enxugou-se e vestiu-se... Pegou o lençol manchado... Sua vontade era de rasgá-lo, porém, teria que colocar um outro no ligar...
_ O que vou fazer?
Mary lembrou-se que, ali naquela casa, as trocas de lençóis eram feitas pelos serviçais da casa... A voz de Léo a fez estremecer.
_Isso aí"me pertence", princesinha!
Mary sentiu o sangue gelar nas veias, ao ouvir a voz de Léo às suas costas. Léo tirou o lençol das mãos de Mary...
_Como ousa jogar fora meu trunfo?
_ Trunfo?
Léo jogou sobre a cama de Mary um lençol limpo.
_ Esse lençol manchado é a minha garantia de que tudo que eu pedir pra ti, de agora em diante, tu vai fazer! Vou guardar ele bem seguro, e quando eu tiver vontade de...
O olhar malicioso de Léo gelou novamente Mary... Como poderia ele ter feito o que fez? E ainda, ameaçar ela?
_E tu ficou tão quietinha, tão boazinha, quando eu "te peguei"...
Mary não aguentou... Ergueu a mão, tentando bater em Léo, porém, Léo era maior e mais forte...
_ De agora em diante, princesinha. Tu vai fazer tudo como eu quiser... E quando eu quiser... E se não for do jeito que eu quero, tua mãezinha vai saber de tudo... E vou dizer que tu deixou eu "te pegar"...
_ Não é justo! Não pode fazer isso!
_ Quero fazer e vou fazer mesmo, princesinha! E se tu não deixar, vou arrumar mais uns "tecos de pó de fada", e te faço engolir... Tenho como conseguir um monte deles! São das vendas do meu pai!
_ Mas... Teu pai não é vendedor de adubo?
_ Adubo? Não me faz rir, princesinha! O único"adubo"que meu pai vendeu até hoje foi esses tecos"! E dá a mó grana! Da onde tu acha que veio essa casa? Se fosse um simples vendedor de adubo, a gente moraria num "barraco", como tu morava!
_ Não é certo!
_ É certo, sim, princesinha... E tu vai "dançar direitinho, conforme a minha música"ou pode até "acabar com a boca cheia de formiga"!
_ Boca... O quê?
Léo estava falando uma linguagem que Mary desconhecia...
_ Eu explico, princesinha! Lembra quando eu falei que minha mãe morreu?
_ Lembro...
_ Pois é... Minha mãe também não obedeceu meu pai... Aí ele...
Léo fez um gesto do dedo indicador passando no sentido horizontal no próprio pescoço...
_ Ela, literalmente, "perdeu a cabeça"...
Mary olhou pasma para Léo. Não fazia ideia de que Léo poderia ser tão frio e cruel ao se referir à própria mãe... Eram muitas coisas ao mesmo tempo para compreender.
_E eu vou ser vendedor de "tecos" quando eu crescer! Vou tá sempre"na crista da onda"! Vou ter uma mansão ainda maior que essa! E tu vai ser"meu brinquedinho favorito"! Gostei de"brincar contigo"!
_ Não vou ser não!
_ Ahhhh, esqueci de falar... Tua mãezinha vai voltar do hospital hoje, e se tu gosta um tiquinho dela, tu vai ser meu brinquedinho, sim... Ela fez três cirurgias ao mesmo tempo... Tirou uma pinta nas costas, fez lipo e colocou silicone... Ela deve tá que nem uma múmia!
Uma risada irônica de Léo e uma ameaça...
_ Não vai querer que ela vai terminar como minha mãe, quer? Basta eu e meu pai"estalar os dedos"!
Léo pegou o lençol manchado e saiu assobiando... Mary sentiu o chão faltando sob os pés... Lentamente, escorregou as costas na parede onde estava, com o olhar fixo no nada, sentada no chão... Parecia que o mundo tinha desmoronado diante dela em um dia... Olhou ao redor... Então aquela casa bonita era produto do tráfico de drogas...
_Deus...
Lembrou do pequeno livro recebido de Teresinha...
_ Deus... Sei que tu vai me dar forças! Sei que não vai me deixar!
Mary abriu a pequena bíblia e leu... Sentiu que, aos poucos, Deus ia agindo em seu coração... Sentiu que seu coração ficara mais calmo... Sabia que não tinha como fazer o tempo voltar atrás, tampouco apagar o que acontecera.
_ Obrigada, Senhor! Sei que sempre vai estar comigo! Peço também que esteja com minha mãe... Sei que ela fez umas coisas erradas, mas perdoa ela, Papai do Céu...
_Dona Irene...A senhora teve algumas complicações na hora da anestesia... Uma parada cardíaca quase levou a senhora, deixando a senhora sob nossa observação por duas semanas... Mas está liberada agora.
_Eu senti que alguém me falou que eu iria ter mais uma chance, Dr. Acho que delirei...
_ Bom, isso eu não sei... Ninguém da nossa equipe médica falou nada sobre "chance". Tenho certeza. A senhora deve ter sonhado...
_ Dr! Eu não sonhei! Ouvi mesmo!
_Orientações sobre curativos, medicação, cuidados... Está tudo aqui!
O cirurgião entrega uma receita a Irene...
_Ah, e fique longe do cigarro, senhora... Ele não traz nada de bom!
_Traz sim! Fumar emagrece!
_ E dá câncer, parada cardíaca ou respiratória, trombose... Se quiser viver, fique longe do cigarro!
_Vou viver, sim, Dr! E muito!
_ Ahhhh, senhora... Consulte com um cardiologista... Essa parada cardíaca foi um alarme, de que alguma coisa está errada com seu coração!
_ A única coisa errada que tinha com meu coração foi meu ex marido, que não me dava o que eu precisava! Agora tô"por cima da carne seca"!
O médico meneou a cabeça, como se não acreditasse nas palavras que ouviu.
_Reconsulta daqui a duas semanas... Marque com a secretária!
Irene guardou a receita e dirigiu-se até a porta do consultório, onde Valderez a esperava... Andava devagarinho, pois estava com os movimentos limitados pelas ataduras.
_ Não se esqueça! Curativos diários!
Irene saiu sem responder ao médico. Só queria sair daquele ambiente hospitalar...
_Odeio hospital! A comida daqui é um lixo!!!
Irene fez uma careta, ao se referir à comida servida no hospital.
_ Estou louca de vontade de comer uma comida de verdade! Não esse"lixo"que servem no hospital!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora