27 - Novas expectativas

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A escola estava em polvorosa... Crianças se agrupavam por todos os lados.
_ Todos pra sala de aula! Lauro! Depois, no intervalo, quero conversar um pouquinho com você! Vou começar as visitas às famílias nesse fim de semana, tua mãe respondeu ao memorando do diretor e permitiu minha visita.
_ Tudo bem, profe!
_ Todos pras carteiras, que já vou fazer a chamada!
Mara correu os olhos pela sala e notou a ausência de Mary. A aluna sempre era pontual e frequente. Após aos ocorridos da noite anterior, Mara sentiu-se ainda mais ligada à menina.
Seu olhar parou na cadeira, também vazia, de Francisco.
_ Alguém viu se o Francisco está na cozinha, com a dona Teresinha?
Diante da negativa da turma, a professora decidiu:
_ Vou dar uma olhada lá... Volto já! Comportem-se!
A passos rápidos, Mara dirigiu-se até a cozinha da escola.
O fato de Francisco não estar em sala não a surpreendera em nada, pois era corriqueiro o menino se enfurnar no cantinho da cozinha e fazer girar as rodas do caminhãozinho. Porém, o fato de Mary também não estar presente a perturbava.
Passou em frente à sala onde Léo estudava e viu-o sentado diante de sua carteira. Algo lhe dizia que deveria ir conversar com o garoto, mas sua turma a aguardava na sala e ela não poderia demorar-se ali.
Dirigiu-se então até a cozinha, onde Teresinha ocupava-se com o preparo do lanche.
_ Dona Teresinha... O Francisco está aí?
_ Não, professora, ele tá doente. Teve uma crise muito forte de asma esta noite e tossiu bastante hoje pela manhã... Achei que não seria bom pra ele se viesse. O tempo tá oscilando muito, e o outono tá bem mais frio esse ano.
_ E Mary? Por acaso ela está aqui? Ela também não está na sala.
Teresinha lembrou-se dos sonhos de Francisco e, preocupada, contou-lhe:
_ Francisco me disse que teve uns sonhos estranhos sobre à Mary; diz que sonhou que um sapo enorme levou Mary para algum lugar. Falei pra ele que sapos não levam crianças, mas ninguém convence ele!
Mara lembrou-se das marcas de cigarro nas palmas das mãos da menina, e sentiu que alguma coisa formava ligação entre elas e seu sumiço repentino.
_ Dona Teresinha... Tem alguma coisa muito errada acontecendo com aquela menina. Vou descobrir o que é, pode ter certeza! Só espero não descobrir tarde demais...
Mara lembrou-se que na noite anterior Mary quase abrira seu coração para ela, mas a chegada inesperada de Irene e Valderez interrompera a conversa.
A cozinheira, como sempre, tranquilizadora, tocou o ombro de Mara.
_ Confia em Deus, professora... Às vezes não tá ao nossa alcance resolver, mas sempre estará no alcance de Deus.
_ Vou conversar com o diretor e voltar à sala de aula. A classe está quase toda presente, só faltam Francisco e Mary. Obrigada, dona Teresinha.

*

_ Com licença, senhor Júlio... Preciso conversar com o senhor. Serei breve.
O diretor, fechando alguns arquivos que folheava, indicou a cadeira à frente de sua mesa.
_ Pois fale, professora Mara... Problemas com o Lauro de novo?
_ Dessa vez não... Estou preocupada com Mary.
_ Algum problema com ela? Também andei reparando que ela anda triste e mais isolada quando sai para o intervalo.
_ Ontem ela ficou na escola até fechar, ninguém veio buscá-la. Léo não veio... Então levei-a até a casa dela, mas não encontrei ninguém. E para não deixar a pobre criança sozinha na rua levei-a até minha casa. Conversei com ela, e quando, enfim, ela iria abrir seu coração, a família veio buscá-la.
Mara relatou a Júlio todo o ocorrido na noite anterior, sem omitir nada.
_ E hoje não está na aula... Sinto algo errado... Muito errado...
Mara sentia o coração pesado ao lembrar da expressão de Mary ao ver Irene e Valderez.
_ Podes voltar à sua sala, vou chamar o Léo para ver se ele sabe de alguma coisa.
_ Nããão! Por favor... Ontem, quando Mary estava para abrir seu coração para mim, ela deixou escapar que era Léo o responsável pelas queimaduras de cigarro nas palmas das mãos dela. Temo que estamos diante de um caso de...
_ Abuso? É possível, pelo que a senhora me relatou... Mas pode deixar comigo, professora! Vou começar a investigar agora mesmo, e vou chegar à verdade... E seremos obrigados a fazer uma denúncia às autoridades, mas temo que não surtirá efeito, pois as autoridades só avaliarão as condições socioeconômicas da família da Mary. Infelizmente, não temos autoridade para interferir na vida particular deles.
_ Isso é ridículo! A gente sabe e nota nitidamente que a Mary é maltratada ou até abusada naquela família e não podemos fazer nada...
Mara estava consternada por não ter como ajudar a pequena Mary.
_ Deveria ter uma lei especial que protegesse as crianças numa situação dessas!
_ Quem sabe um dia existirá, professora Mara... Quem sabe... Depende dos nossos governantes, que fazem as leis.
Mara, com os olhos cheios de lágrimas, voltou ao trabalho com seus alunos. A falta de Francisco e, principalmente, de Mary, a fez pensar muito.
No intervalo, todas as crianças deixaram a sala, exceto Lauro.
_ Queria falar comigo, professora?
_ Sim, Lauro. Conforme os memorandos enviados às famílias, sua mãe foi a primeira que respondeu.
Marquei junto à diretoria a minha visita à casa de vocês para esse fim de semana. Será uma visita simples, não se preocupe... Só pra conhecer a sua mãe e as pessoas que moram na casa de vocês, será uma visita de amigos.
_ Sendo assim, vai ser bem-vinda, profe!
Mara olhou com surpresa para Lauro. Não esperava uma reação amistosa por parte do aluno, uma vez que o garoto sempre saía com alguma brincadeira de mau gosto.
_ Está evoluindo, meu guri!
Lauro esboçou um sorriso que Mara nunca vira antes naquele menino, e sentiu que uma confiança mútua estava surgindo entre aluno e professora.

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora