_ Eu tô preocupada, Teresinha. Daqui a uns dias as manas vão fazer 12 anos... Desde que nasceram, nunca comemoraram a troca de idade sem a presença do pai... Elas vão ficar muito tristes...
_ Olha... É muito triste tudo isso... Mas tem um jeito... Sei que não é certo, mas tu conversa com os médicos. Será que ele não dá uma autorização especial pra elas visitarem o pai no hospital? Sei que são de menor, mas creio que, nesse caso, eles vão dar pelo menos uns minutos pras meninas estarem com o pai... Nem que seja...
Teresinha olhou para a patroa com os olhos marejados, antes de concluir:
_...a última vez...
Tina desabou em prantos diante daquela frase... Quando acalmou-se, murmurou:
_ Foi a melhor ideia que tu poderia me dar. Obrigada, amada. Só preciso da autorização especial dos médicos. Vou conversar com as meninas primeiro, pra ver o que elas dizem. Amanhã de manhã vou até o hospital, aí já converso com os médicos!
_ Por falar nas crianças... As meninas e o Francisco vêm vindo aí. Pelo jeito a aula hoje não foi boa. Eles tão com uma cara...
_ Deve ser cansaço, Teresinha. Antes o Claudio buscava elas e agora precisam caminhar da escola até aqui... É longe. Dá uns dois quilômetros.
_ Sei não... Faz duas semanas que estão indo a pé e nunca voltaram com uma cara dessas! Acho que tem caroço nesse angu...
Tina piscou para Teresinha.
_ Eles estão na pré adolescência... Podemos esperar qualquer coisa! Lembro que, quando eu tava nessa fase, eu não falava nada sobre minhas dúvidas e problemas, mas quando minha mãe me xingava, eu pensava em fugir pro meio do mato e nunca mais voltar... Ainda bem que eu nunca coloquei meus planos em prática.
As duas mulheres sorriram:
_ Temos que usar a psicologia nesses momentos, Teresinha. Vamos fazer de conta que nem notamos. Vamos ver se contam o motivo dessa bufa!
As crianças aproximaram-se da mãe. Lenir baixou os olhos e entregou um envelope para a mãe.
_ O que é isso?
_ Um bilhete da professora...
_ Aconteceu alguma coisa?
As meninas baixaram os olhos e ficaram em silêncio. Tina olhou interrogativamente para Francisco, esperando que ele desse uma explicação, porém, o menino também permaneceu calado. Ela resolveu abrir o envelope.
_Nesse bilhete diz que eu devo estar presente amanhã no início da aula. O que me dizem sobre isso?
As manas entreolharam-se, baixaram os olhos, e Lenice confessou:
_A gente brigou com o Nino. Aquele menino que mora perto da igreja.
Tina ficou paralisada com a revelação de Lenice.
_ Brigaram??? Mas como???... Não entendi... Nunca fizeram isso!
Francisco, que até aquele momento permaneceu calado, resolveu explicar:
_Tia Tina... Elas bateram no Nino, sim... Mas bateram pra se defender!
Tina, que sempre pregara o bom senso entre as filhas, não conseguiu compreender o motivo da briga. Sentou-se em frente a Francisco e pediu:
_ Me conta, filho... Elas bateram em ti também?
_ Não, tia. Só no Nino!
Tina olhou-as com o canto do olho, e continuou:
_ E tu sabe me dizer por que as meninas bateram no colega? Sabem que isso não tá certo!
Francisco olhou para Teresinha e continuou:
_ Se ele falasse mal da minha mãe também, eu também bateria nele! E bateria até mais que elas bateram...
Tina ficou pensando no que o garoto teria falado dela. Resolveu perguntar:
_ Me diga, Chico... O que o Nino falou de mim?
Meio sem graça, após um longo silêncio, o menino resolveu falar:
_ O Nino falou pra todos que a senhora é uma bruxa!
_Como??? Eu??? Bruxa???
Tina ficou pasma diante da revelação do menino. Olhou para as filhas:
_ Então... Posso tentar entender que brigaram pra me defender... Mas... Eu? Bruxa???
Lenice quebrou o silêncio:
_ Sabe o pai do Nino? Aquele tio que veio aqui uma porção de vezes, e nós fizemos o Petruchio prá espantar ele?
Tina deu uma risadinha.
_ Lembro... E daí?
_ Pois é, mãe... Ele foi embora daqui, foi até Taquara, num lugar chamado de... Sei lá... Acho que é Xurupitas... E na volta foi atropelado. Ele tá no hospital... E falou que foi atropelado porque o Petruchio amaldiçoou ele. Por isso que o Nino disse que a senhora é uma bruxa...
_ Mas isso não tem cabimento! O homem vai a um prostíbulo, bebe até cair, e sai sem olhar onde atravessa a rua... E eu que sou a bruxa!
As mulheres e as crianças estavam tão absortas no assunto, que não notaram que Juvenal chegara.
_ Dona Tina! Acredito que alguém andou na lavoura depois da ponte. Tem uma porção de rastros de botas, e sumiram pelo menos umas cinco caixas de verduras. Foram cortados brócolis, repolhos e couve-flor. Além disso arrancaram beterrabas, cenouras e nabos.
Tina arregalou os olhos.
_ Mais essa! Só me faltava essa! É uma pessoa que sabe que o Claudio tá no hospital. Não sei mais o que fazer... Cai uma pedra do barranco, aí caí o barranco inteiro!
As crianças, que até aquele momento estavam ali, sumiram de repente.
_ A senhora vai ficar sem verduras se o ladrão voltar. Vou tentar plantar outras, mas demoram pra crescer!
_ Onde estão as crianças?
_ Acho que estão no galpão...
_ Me ajude a terminar essas bolachas, Teresinha. Depois vamos ver o que esse trio tá aprontando!
_ Após terminar de assar as bolachas, as duas mulheres foram furtivamente até o velho galpão. As vozes das crianças estavam muito baixas para serem compreendidas pelo lado de fora. Aproximaram os ouvidos, a fim de ouvir melhor o que estariam tramando.
_ Aqui, Chico. O caixão vai no pescoço...
_ Que nome vamo dar pra ele?
_ Mmmmm... Tem que ser incomum...
_ Já sei! Ambrósio!
Lenice abriu os braços e declamou:
_ Senhoras e senhores! Eu lhes apresento o Ambrósio! Ele vai "levar pro além"aquele que tá roubando nossas verduras!
Ouve-se a voz de Lenir:
_ Espera! Temo que fazer uma placa de aviso... Ou a mãe vai ser chamada de bruxa de novo... Vai que o ladrão vai ser atropelado também...
_ Tá... E o que vamos escrever?
_ Já sei! " Se tu entrar aqui, vai ser o sacrifício da minha colheita!"
Francisco soltou uma gargalhada.
_ É engraçado... Mas até eu tô com medo...
_ Esse é pra dar medo mesmo, Chico!
_ E se esses tios malvados não deixarem nossa mãe em paz, vamos fundar a"República dos bonecos"!
Tina e Teresinha, que estavam ouvindo, abriram a porta do galpão.
_ Então estão fazendo tudo isso pra me defender?
_ E tá funcionando, mãe!
_ Mas já pensaram no que as pessoas vão dizer? Elss podem inventar qualquer coisa... Como me chamar de bruxa.
Lenice olhou séria para a mãe.
_Olha, mãe... Eu prefiro ser chamada de filha da bruxa que ver a senhora sendo assediada ou roubada por esses tios maus!
_ Eu também!
Tina olhou-as e comentou:
_ Meninas... Essa foi a maior declaração de amor de filhas que eu poderia receber!
Francisco também se manifestou:
_ Tia Tina... A senhora sempre foi tão querida com a gente, que eu também me sinto um pouquinho teu filho...
Francisco interrompeu e olhou para Teresinha.
_ Posso, né mãe?
As mulheres entreolharam-se. Aquelas crianças cheias de criatividade ainda iriam longe... Teresinha abraçou o filho.
_ Claro, filho! Assim como as manas também são como se fossem minhas filhas...
Teresinha interrompeu a frase, colocou a mão na barriga...
_ Bom... Esse nenê vai ter uma família grande!
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INFÂNCIA ROUBADA
RandomHistória baseada em fatos reais. ALERTA DE GATILHOS: contém violência, abusos, suicídio e morte. Não indicado para menores de 18 (dezoito) anos e/ou pessoas sensíveis aos assuntos abordados. Miguel e Mary são duas crianças, irmãos... Após a tenta...