51 - As gêmeas brigam na escola

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    _ Eu tô preocupada, Teresinha. Daqui a uns dias as manas vão fazer 12 anos... Desde que nasceram, nunca comemoraram a troca de idade sem a presença do pai... Elas vão ficar muito tristes...
    _ Olha... É muito triste tudo isso... Mas tem um jeito... Sei que não é certo, mas tu conversa com os médicos. Será que ele não dá uma autorização especial pra elas visitarem o pai no hospital? Sei que são de menor, mas creio que, nesse caso, eles vão dar pelo menos uns minutos pras meninas estarem com o pai... Nem que seja...
    Teresinha olhou para a patroa com os olhos marejados, antes de concluir:
    _...a última vez...
    Tina desabou em prantos diante daquela frase... Quando acalmou-se, murmurou:
    _ Foi a melhor ideia que tu poderia me dar. Obrigada, amada. Só preciso da autorização especial dos médicos. Vou conversar com as meninas primeiro, pra ver o que elas dizem. Amanhã de manhã vou até o hospital, aí já converso com os médicos!
    _ Por falar nas crianças... As meninas e o Francisco vêm vindo aí. Pelo jeito a aula hoje não foi boa. Eles tão com uma cara...
    _ Deve ser cansaço, Teresinha. Antes o Claudio buscava elas e agora precisam caminhar da escola até aqui... É longe. Dá uns dois quilômetros.
    _ Sei não... Faz duas semanas que estão indo a pé e nunca voltaram com uma cara dessas! Acho que tem caroço nesse angu...
    Tina piscou para Teresinha.
    _ Eles estão na pré adolescência... Podemos esperar qualquer coisa! Lembro que, quando eu tava nessa fase, eu não falava nada sobre minhas dúvidas e problemas, mas quando minha mãe me xingava, eu pensava em fugir pro meio do mato e nunca mais voltar... Ainda bem que eu nunca coloquei meus planos em prática.
    As duas mulheres sorriram:
    _ Temos que usar a psicologia nesses momentos, Teresinha. Vamos fazer de conta que nem notamos. Vamos ver se contam o motivo dessa bufa!
    As crianças aproximaram-se da mãe.  Lenir baixou os olhos e entregou um envelope para a mãe.
    _ O que é isso?
    _ Um bilhete da professora...
    _ Aconteceu alguma coisa?
     As meninas baixaram os olhos e ficaram em silêncio. Tina olhou interrogativamente para Francisco, esperando que ele desse uma explicação, porém, o menino  também permaneceu calado. Ela resolveu abrir o envelope.
    _Nesse bilhete diz que eu devo estar presente amanhã no início da aula. O que me dizem sobre isso?
    As manas entreolharam-se, baixaram os olhos, e Lenice confessou:
    _A gente brigou com o Nino. Aquele menino que mora perto da igreja.
    Tina ficou paralisada com a revelação de Lenice.
    _ Brigaram??? Mas como???... Não entendi... Nunca fizeram isso!
    Francisco, que até aquele momento permaneceu calado, resolveu explicar:
    _Tia Tina... Elas bateram no Nino, sim... Mas bateram pra se defender!
    Tina, que sempre pregara o bom senso entre as filhas, não conseguiu compreender o motivo da briga. Sentou-se em frente a Francisco e pediu:
    _ Me conta, filho... Elas bateram em ti também?
    _ Não, tia. Só no Nino!
    Tina olhou-as com o canto do olho, e continuou:
    _ E tu sabe me dizer por que as meninas bateram no colega? Sabem que isso não tá certo!
    Francisco olhou para Teresinha e continuou:
    _ Se ele falasse mal da minha mãe também, eu também bateria nele! E bateria até mais que elas bateram...
    Tina ficou pensando no que o garoto teria falado dela. Resolveu perguntar:
    _ Me diga, Chico... O que o Nino falou de mim?
    Meio sem graça, após um longo silêncio, o menino resolveu falar:
    _  O Nino falou pra todos que a senhora é uma bruxa!
    _Como??? Eu??? Bruxa???
    Tina ficou pasma diante da revelação do menino. Olhou para as filhas:
    _ Então... Posso tentar entender que brigaram pra me defender... Mas... Eu? Bruxa???
    Lenice quebrou o silêncio:
    _ Sabe o pai do Nino? Aquele tio que veio aqui uma porção de vezes, e nós fizemos o Petruchio prá espantar ele?
    Tina deu uma risadinha.
    _ Lembro... E daí?
    _ Pois é, mãe... Ele foi embora daqui, foi até Taquara, num lugar chamado de... Sei lá... Acho que é Xurupitas... E na volta foi atropelado. Ele tá no hospital... E falou que foi atropelado porque o Petruchio amaldiçoou ele. Por isso que o Nino disse que a senhora é uma bruxa...
    _ Mas isso não tem cabimento! O homem vai a um prostíbulo, bebe até cair, e sai sem olhar onde atravessa a rua... E eu que sou a bruxa!
    As mulheres e as crianças estavam tão absortas no assunto, que não notaram que Juvenal chegara.
    _ Dona Tina! Acredito que alguém andou na lavoura depois da ponte. Tem uma porção de rastros de botas, e sumiram pelo menos umas cinco caixas de verduras. Foram cortados brócolis, repolhos e couve-flor. Além disso arrancaram beterrabas, cenouras e nabos.
     Tina arregalou os olhos.
    _ Mais essa! Só me faltava essa! É uma pessoa que sabe que o Claudio tá no hospital. Não sei mais o que fazer... Cai uma pedra do barranco, aí caí o barranco inteiro!
    As crianças, que até aquele momento estavam ali, sumiram de repente.
    _ A senhora vai ficar sem verduras se o ladrão voltar. Vou tentar plantar outras, mas demoram pra crescer!
    _ Onde estão as crianças?
    _ Acho que estão no galpão...
    _ Me ajude a terminar essas bolachas, Teresinha. Depois vamos ver o que esse trio tá aprontando!
    _ Após terminar de assar as bolachas, as duas mulheres foram furtivamente até o velho galpão. As vozes das crianças estavam muito baixas para serem compreendidas pelo lado de fora. Aproximaram os ouvidos, a fim de ouvir melhor o que estariam tramando.
     _ Aqui, Chico. O caixão vai no pescoço...
    _ Que nome vamo dar pra ele?   
    _ Mmmmm... Tem que ser incomum...
    _ Já sei! Ambrósio!
    Lenice abriu os braços e declamou:
    _ Senhoras e senhores! Eu lhes apresento o Ambrósio! Ele vai "levar pro além"aquele que tá roubando nossas verduras!
    Ouve-se a voz de Lenir:
    _ Espera! Temo que fazer uma placa de aviso... Ou a mãe vai ser chamada de bruxa de novo... Vai que o ladrão vai ser atropelado também...
    _ Tá... E o que vamos escrever?
    _ Já sei! " Se tu entrar aqui, vai ser o sacrifício da minha colheita!"
    Francisco soltou uma gargalhada.
    _ É engraçado... Mas até eu tô com medo...
    _ Esse é pra dar medo mesmo, Chico!
    _ E se esses tios malvados não deixarem nossa mãe em paz, vamos fundar a"República dos bonecos"!
    Tina e Teresinha, que estavam ouvindo, abriram a porta do galpão.
    _ Então estão fazendo tudo isso pra me defender?
    _ E tá funcionando, mãe!
    _ Mas já pensaram no que as pessoas vão dizer? Elss podem inventar qualquer coisa... Como me chamar de bruxa.
    Lenice olhou séria para a mãe.
    _Olha, mãe... Eu prefiro ser chamada de filha da bruxa que ver a senhora sendo assediada ou roubada por esses tios maus!
    _ Eu também!
    Tina olhou-as e comentou:
    _ Meninas... Essa foi a maior declaração de amor de filhas que eu poderia receber!
    Francisco também se manifestou:
    _ Tia Tina... A senhora sempre foi tão querida com a gente, que eu também me sinto um pouquinho teu filho...
    Francisco interrompeu e olhou para Teresinha.
    _ Posso, né mãe?
    As mulheres entreolharam-se. Aquelas crianças cheias de criatividade ainda iriam longe... Teresinha abraçou o filho.
    _ Claro, filho! Assim como as manas também são como se fossem minhas filhas...
    Teresinha interrompeu a frase, colocou a mão na barriga...
    _ Bom... Esse nenê vai ter uma família grande!
   
   

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