26 - Pedrinho

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Acostumada a acordar no interior de seu quarto, algo diferente despertou Mary naquela manhã. Uma voz estranha...
_ Santo Dio!!! Lui é vivo!!!
Mary esfregou os olhos e não entendeu o que estava se passando, nem onde se encontrava. Apenas lembrava que na noite anterior tinha caminhado até não conseguir mais, e que encontrara um lugar com folhas de plátano e cheiro de ciprestes para descansar.
Olhou ao redor... À sua frente, estava uma estranha figura masculina. Atordoada, Mary limitou-se a perguntar:
_ Quem? Quem tá vivo?
_ Pedrinho...
A estranha voz a fez voltar à realidade...
_ Pedrinho? Quem?
Mary continuava sem entender o porquê do espanto daquele estranho homem. Ele, tremendo, apontava para a lápide coberta de folhas de plátano, onde a menina dormira...

_ Olha, Pedrinho, já fez anos que aconteceu o acidente...
M

ary sentia-se mais desnorteada ainda:
_ Acidente? Pedrinho?
O trêmulo senhor apontou para o epitáfio da lápide, que dizia:

"Aqui jaz Pedro Cappelletti
O menino que voou como os pássaros,
como o pai, aos braços do Nosso Senhor.
* 22 / 06 / 1965
+ 30 / 04 / 1974"

Pasma, com as mãos trêmulas, Mary tocou a foto da inscrição da lápide; era como se estivesse diante de um espelho.
Passou a mão lentamente sobre a data do óbito, sentindo o coração pulsar mais forte:
_ Esse dia...
_ Esse foi o dia do acidente, Pedrinho...
_ Eu... Eu nasci nesse dia...
O velho zelador ergueu os olhos ao céu:
_ O bondoso Deus te trouxe aqui, porque tua mãe precisa de ti, Pedrinho...
_ Minha mãe?
_ Pedro... Teu pai, Giuseppe, era piloto de avião. Eu conheci vocês... Vocês estavam naquele avião que caiu a quase dez anos atrás, voltavam de uma revisão do Centro de Manutenção de Aeronaves... Iam pousar no aereporto de Caxias, mas a neblina dificultou tudo... A tua mãe, ela chora até hoje tua partida. Ela também estava no avião e ficou tetraplégica no acidente... Dona Francesca mora na Itália atualmente, mas ela me escreveu que está muito doente, e que precisava voltar uma vez mais ao Brasil, para se despedir de Giuseppe...
_ Avião??? Francesca??? Giuseppe???
Mary arregalou os olhos, ao escutar o zelador falar sobre a aeronave, e o nome da mãe de Pedro lhe dizia algo, mas não sabia o quê...
_ Perdono, Pedrinho! Esqueci de me apresentar... Meu nome é Vincenzo... Sou zelador daqui fazem quase 20 anos. Meu trabalho aqui é manter tudo organizado durante o dia... Moro aqui pertinho, junto com minhas duas filhas. A mãe delas, Paulina... Já fazem dois anos...
Vincenzo olhou para o céu, o olhar marejado transparecia a perda da esposa. Mary sentiu uma estranha compaixão pelo desconhecido, e suas palavras fizeram Vincenzo tranquilizar-se.
_ Ela foi ajudar os anjos, senhor Vincenzo... Deus precisa de anjos bons.
Vincenzo desviou o olhar, para disfarçar os olhos marejados.
_ Tenho que trabalhar agora, Pedrinho... Preciso tirar essas folhas de plátano e limpar um pouco essas lápides...
_ Posso ajudar? Sempre gostei de mexer com folhas de árvores que o vento traz pro chão, mas minha mãe não...
Mary ia falar que a mãe sempre lhe falara que mexer com folhas secas era nojento, mas lembrou-se que fugira da casa de Valderez, para evitar mais abusos de Léo.
_Quer ganhar uns trocos e me ajudar? Minha coluna já não aguenta quando forço demais... Se incomoda de me dar uma mãozinha?
_ Claro que não me incomodo! Vou ajudar, sim... Vamos deixar esse lugar lindo como ele merece! Afinal, aqui estão Deus e a paz...
Vincenzo respirou fundo, observando a criança amontoar as folhas de plátano. Alguns pequeninos grilos saltavam por entre as folhas amareladas, abrindo um sorriso no rosto de Mary.
_ Olha, Vincenzo! O Freddy, o Pepe e a Maricota... Eles tavam brincando de esconde-esconde nas folhas de plátano!
A simplicidade daquelas palavras fizeram o zelador sorrir... A muito Vincenzo não sorria, pois a lacuna que a morte de Paulina deixara em sua vida o tornara um homem fechado e entristecido.
_ Agora, senhor Vincenzo! O senhor "Vento do Outono" resolveu derrubar esses vasos... Vou arrumar tudinho, tudinho!
Vincenzo distanciou-se, mas ouvia uma suave música que a criança cantava ao arrumar os vasos. O som parecia encher de vida aquele lugar , antes tão sombrio e silencioso...
_ Adorabile!!!
As ágeis mãos de Mary iam e vinham, ajeitando vaso por vaso, lápide por lápide.
_ Quelo bambino é uno angelo!!!
_ Senhor Vincenzo! Eu achei uma capela, onde tem Jesus... Posso entrar lá?
_ Pode sim, Pedro! A capela está aberta pra todos que quiserem rezar ou orar a Deus ou a Jesus... Olhe... Pegue... Isso é pra você!
O fato de Vincenzo chamar Mary de Pedro já não a perturbava... Mas temia aceitar o dinheiro que o zelador tão humildemente lhe estendia.
_ Não precisa me pagar, não, senhor...
_ Eu prometi uns trocados e quero que pegue, Pedro!
A menina abriu um sorriso tímido.
_ Obrigada, senhor Vincenzo.

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora