12 - Riscos rondam Mary e Miguel

13 0 0
                                    

_ Miguel! Miguel! O que está acontecendo?!
Arnaldo encontrou Miguel caído no galpão das lenhas. O olhar do menino estava paralisado, sua fisionomia também... Respirava com dificuldade, pois a secreção gerada pela convulsão impedia o fluxo normal de ar aos pulmões.
_ O glicosímetro... Onde o deixei?!?
Arnaldo estava desesperado. A cor do rosto de Miguel passava de branco para roxo pela falta de oxigenação causada pela convulsão. Ele não encontrava o bendito glicosímetro... Pensou no que fariam no hospital.
_ Açúcar... Açúcar!!
Entrou correndo em casa, saindo com o açucareiro na mão. Segurou a cabeça de Miguel e encheu uma das mãos com açúcar; com a outra mão, ajudou Miguel a abrir a boca. Os cristais de açúcar rolaram garganta abaixo, e aos poucos Miguel recuperava o viço da pele e a respiração normalizava.
_ Vamos ser mais rigorosos na aplicação da insulina, de agora em diante. Meia hora antes da refeição, como o Dr Nelson receitou.
_ Mas eu não quero usar isso! Isso dói!
Miguel arregalou os olhos. A ideia de furar o dedinho no glicosímetro já não o deixava à vontade, porém, quando lembrou das seringas usadas no hospital, estremeceu... Lá tinha uma enfermeira que não era nada delicada na aplicação de injeções.
_ O que foi, Miguel? Tremeu todinho...
_ Nada, pai. Lembrei daquela enfermeira fortinha, lá do hospital... Aquela que parecia mais o Freddy Krueger, lembra?
Arnaldo soltou uma gargalhada.
_ Então, marujo... Quer que o capitão aqui faça a aplicação da insulina ou levo você até o Freddy Krueger no hospital?
_ Tá bom, pai... Mas que dói, isso dói!
_ Não quero que aconteça de novo o que aconteceu agora a pouco. Eu morreria se te perdesse por um descuido meu... Vamos fazer tudo juntos, de agora em diante.
_ Tu vai na escola também, pai? Vai voltar a estudar? Se vamos fazer tudo juntos...
Arnaldo não escondeu o riso.
_ Não, marujo... O capitão tá muito velho pra se sentar na carteira da escola. Vou achar alguém ligado à escola pra ficar de 'zôio em ti...
_ Como assim, pai? Ficar de "zôio em mim"?? Isso parece frase daqueles filmes de bangue-bangue*!
_ Calma! Vamos achar alguém que está na escola e tem alguém com diabetes em casa... Assim, essa pessoa vai notar algumas mudanças em ti e avisar a professora. Aí não corre o risco de acontecer na escola o que aconteceu hoje, aqui. Vou ver com a professora Sirlei se ela pode me ajudar. Amanhã de tarde, quando eu for no armazém, vou até a escola, porque fica no caminho.
_ Vai comigo, quando eu for pra aula? Ebbbba! Vou ir com meu paizinho! Igualzinho às gêmeas da escola! Elas são minhas amigas... Elas sempre me ajudam a entender o dever...
_ Elas te ajudam, é? Se são tuas amigas... Mmmm... Isso é ótimo!!!
_ Sim, pai! Elas são duas loirinhas de cabelos beeeeem compridos... Elas sempre vêm de tranças... Teve um dia que uma puxou a trança da outra por causa de um lápis de cor!
Miguel deu uma risadinha, ao falar das coleguinhas.
_ E eu posso saber o nome dessas duas arteiras?
_ A Lenice é um pouquinho mais bochechuda que a Lenir... Mas a Lenir me ajuda mais nos deveres...
_ Mmmmm...
_ Elas são muito inteligentes e gostam de me ajudar.
_ E de quem são filhas?
_ Não sei o nome da mãe delas, mas sei que o pai se chama Claudio... Elas disseram que ele vende erva de fazer chimarrão.
_Conheço ele... São gente boa! Amanhã, quando eu for conversar com a professora, já vou passar na casa do Claudio para conversar com ele. Se elas te ajudam tanto, é sinal que realmente são tuas amigas... Aí vou pedir para elas avisar a professora se notarem que você não tá bem.
_ Eeeebbbbba! Vou ter dois anjos da guarda!!! Elas parecem dois anjinhos, sabia?
_ Amanhã cedinho vou pegar o trator e lavrar aquela roça perto do açude, antes do sol ficar muito quente. Depois, vamos fazer um rango bem gostoso e depois te acompanho até a escola.
Miguel não cabia em si de felicidade... Olhou para o céu e pareceu ver uma nuvem em formato de gente.
_ Olha, pai! Acho que é o papai do céu, acenando pra mim!!!
Miguel, no ímpeto da frase que saiu-lhe dos lábios, ergueu a mãozinha e acenou para a nuvem.
_Obrigado, papai do céu!
Arnaldo olhou o filho, tomado de orgulho.
_ Agora vamos, marujo! Temos muito o que fazer...
Os primeiros raios do sol encontraram Arnaldo riscando o solo, na ladeira que circunda o açude. Miguel, em seu sonho, flutuava por entre as nuvens... Um lampejo de luz e um vulto de vestes douradas lhe chama:
_ Miguel... Miguel...
Miguel esfrega os olhos, tentando aproximar-se do vulto, mas não consegue...
_ Quem é você? Não consigo ver teu rosto... E não consigo chegar mais perto...
_ Miguel... Quem eu sou não importa. Sei que você sempre cuidou da Mary, mas agora, peço para você cuidar do teu paizinho... Mais uma vez te peço para zelar pelo teu pai... A missão dele ainda não terminou aqui... Levanta-te e sai até a roça onde ele está, lá perto do açude. Ele precisa de você agora!
Outro lampejo de luz e o vulto desaparece no mesmo lampejo que surgiu. Miguel esfregou os olhos novamente... Notou que não estava dormindo.
_ Não foi sonho...
Miguel saiu correndo porta afora, na direção que o vulto indicara... Olhou na direção da roça da ladeira do açude e não viu o pai.
_ Ué...
Um sentimento forte fez Miguel sair correndo na direção do açude. Encontrou Arnaldo se debatendo na água, já sem forças... O trator perdera os freios e saíra ladeira abaixo, afundando na parte mais profunda do açude e Arnaldo, apesar de tentar sair, não tinha forças para subir o barranco da margem.
_ Paaaaai!!!
Miguel pegou um galho que encontrou e estendeu para Arnaldo, que, com a ajuda de Miguel, conseguiu sair da água.
_ Foi Deus que te trouxe para me tirar daqui, meu filho!
A cena era forte... Arnaldo e Miguel estavam de joelhos, molhados e abraçados no barranco do açude. Suas expressões dispensavam palavras. Ambos olhando o céu, com olhos e rostos iluminados pela gratidão...
_ Graças a Deus... Só Deus...
_ Foi Deus quem me acordou e mandou que eu viesse até aqui, pai! Foi Deus... Eu vi!!!

*

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora