64 - Boas sementes

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_ Manhê! A tia Inês tá aí!
_ Mas guria! O que tu tá esperando pra convidar ela pra entrar? Não posso dar de mamar pro nenê e sair andando por aí!
_ Eu já convidei... Ela já tá aqui dentro, mãe!
Tina estava tão absorta nos pensamentos e na mamada de Claudino, que não notara que Inês já havia entrado no quarto.
_ Me desculpa, Inês... Mas agora, o guri aqui tá enchendo a barriguinha! Mama feito bezerro!
_ Inês olhou ao redor.
_ Tu que me desculpa, porque eu vim sem avisar... Eu sei muito bem como é isso. Já criei três! Como vocês estão?
_ O nenê tá ótimo, fora alguns chorinhos de gases, mas isso é normal. Nada que uma boa massagem na barriguinha não resolva! As meninas choravam muito mais! Puxa um banquinho e senta, Inês!
Inês toca o ombro da amiga.
_ Vi que o nenê tá muito bem. E tu, Tina... Como tá?
_ Bastante dor na barriga, por causa da cesárea... Mas eu não consigo parar. As meninas não tão dando conta de fazer o serviço da casa, porque elas tão se revezando entre minha casa e a da Teresinha, que também teve nenê.
_ Pois é... Tô até meio "sem jeito"pra falar o motivo que me trouxe aqui...
_ Pois fale! Somos amigas a tanto tempo, que não devemos ficar "sem jeito"... O que você precisa?
_ O que eu preciso? Não, Tina... Eu tava conversando com o Plínio... Deve ser difícil pra ti, tudo isso...
_ E é... Eu ainda tô meio "sem chão"... Mas eu confio em Deus, Inês!
_ Foi exatamente no momento que tivemos nosso momento de oração com nossos filhos, ontem à noite, que tomamos uma decisão!
O olhar surpreso de Tina focou na amiga.
_ Decisão? Que decisão?
_ Eu soube que a Teresinha também teve nenê. E esse momento de resguardo vocês duas precisam respeitar!
_ Mas temos as crianças e o Juvenal pra nos ajudar... E algumas coisas podemos fazer na casa.
_ Nada feito! Resguardo de "ganhar nenê"é sagrado, amiga! E eu tô aqui justamente por isso! E as meninas ainda são muito pequenas pra algumas coisas...
_ Não entendi...
_ Eu soube do acidente na padaria, e vim oferecer meus serviços pra ajudar vocês duas nas tarefas pesadas da casa e das refeições! Sei que tem as crianças, mas são crianças... E vi que "trabalho de criança"às vezes pode dar acidente... Vi a padaria...
Tina ficou ali, sem saber o que dizer. Inês completou:
_ E eu não aceito um não!
_ Mas... Não tenho como pagar! Tô com uns problemas de saúde que tenho que resolver quando o Claudino fizer três meses. Antes disso eu não posso fazer o tratamento! E durante o tratamento eu não vou conseguir trabalhar.
Tina relatou sobre o resultado da mamografia. Três meses após o procedimento cesáreo ela poderia começar as sessões de radioterapia.
_ Então... Foi Deus que me mandou te ajudar. Não quero que me pague um centavo, nem quero que Teresinha me pague! Vou vir todos os dias, ali pelas 8, e vou embora de tarde, quando eu tiver deixado tudo certinho nas duas casas!
_ Mas... Não pode trabalhar de graça! Tu também tem família...
_ Deus já me paga, com a saúde da minha família! E isso não tem preço! Nossas roças já tão todas plantadas, e no parreiral não tem serviço agora! Vou conversar com a Teresinha também, e quero que vocês só se preocupem com esses nenês lindos aí!
_ Inês... Nem sei o que dizer...
_ Eu sei o que tu deve dizer! Deve dizer "Aceito"! Se fosse o contrário, tu faria o mesmo por mim! Eu sei disso, porque tu ajudou o Arnaldo e o Miguel quando eles tavam no hospital, quando a mãe do Miguel abandonou eles! Deus sabe que tu faria o mesmo!
_ Verdade...
_ E se tu tiver que fazer as radioterapias, tem que ficar tranquila, e não agitada! Ou vai passar toda essa agitação pra esse pequeno Claudio aqui!
_ Claudino... Vai se chamar Claudino.
_ Tu não viu que ele é a cara do Claudio? Até aquelas rugas na testa iguaizinhas às que ele fazia...
_Eu não tinha reparado ainda...
Tina olhou para o filho recém nascido... Reparou que realmente todos os traços do rosto eram semelhantes aos do pai.
_ Tu viu? Ele não vai ser só Claudino! Vai ser um Claudinho! Um baita de um guri! E se tiver a personalidade do pai...
Tina sorriu:
_ Devagar, Inês... Assim ele não vai ter nada meu! Tô me sentindo como se tivesse emprestado só a barriga!
Inês interrompeu:
_ Me dá licença, que eu vou dar uma espiadinha na nenê da Teresinha, e conversar com ela também! Alguma coisa as crianças podem até fazer, mas tem coisas que só um adulto consegue! Vi o que deu na tua padaria...
_ Infelizmente...
Inês saiu da casa de Tina e cruzou o pátio para a casa de Teresinha. Juvenal chegava da lavoura.
_ Entre, dona Inês! A Teresinha tá lá dentro, com a nenê!
_ Não vou me demorar hoje, seu Juvenal... Só vou ter um dedinho de prosa com dona Teresinha!
_Se aprochega, vizinha!
Inês entrou de mansinho no quarto das crianças, onde Teresinha vestia e arrumava Valéria. Em voz branda, cumprimentou-a:
_ Boa tarde, Teresinha. Desculpa entrar assim...
_ Tão estranho ter uma menina, depois de parir dois guris...
_Pra Tina deve ser estranho também... Ela teve duas meninas primeiro...
_ Verdade... Deus trocou as coisas, agora.
_ É por causa das crianças que eu tô aqui. Eu soube do acidente na padaria, e vim ajudar!
Teresinha olhou surpresa para Inês. Em Caxias, a fatos que aconteciam na vizinhança ninguém dava importância. Inês continuou:
_ Sei que seu Juvenal ajuda bastante, mas ele também não é de ferro... Tina me falou que o irmão dela e Juvenal vão pras lavouras, e o serviço pesado da casa que as crianças ainda não podem fazer eu faço pra vocês duas!
_ Mas a senhora tem sua casa, e se vai fazer o serviço pesado na casa da dona Tina, não precisa fazer aqui... A gente dá um jeito...
_ Me revezo entre uma casa e outra, pra tudo dar certo! E meus dois filhos mais velhos já estão crescidos e fazem o serviço da minha casa! O que importa é que vocês duas cuidem bem desses nenês, e façam o resguardo necessário pra saúde de vocês!
Teresinha sorriu:
_ Que Deus abençoe você, Inês, pela sua bondade.
_ Já falei pra Tina! Deus me abençoou com a saúde da minha família, e eu sou grata a Ele por isso! Agora chegou o momento de mostrar minha gratidão a Deus, ajudando quem realmente precisa!
_ Dona Tina realmente precisa... Ela tá doente, e a padaria dela pegou fogo!
_ É por isso que eu tô aqui, Teresinha! Tina e Claudio plantaram boas sementes durante a vida toda deles, ajudando todo mundo da vizinhança, e até de outros lugares. E agora, chegou a minha vez de plantar boas sementes! Vou ajudar enquanto ela precisar!
_ Às vezes me dá vontade de fazer mais por ela, mas agora também não posso. Preciso fazer o resguardo também...
_ É justamente pra isso que vim ajudar, Teresinha! Sei que não é a solução pra todos os problemas de vocês, mas se cada um fizer um pouquinho, pelo menos fica mais leve pra ela e pra ti!
_ Dona Inês... Eu não sei como agradecer...
_ Pois agradeça apenas a Deus, Teresinha. Ele é o merecedor de todas as graças, por colocar a gente no mesmo caminho!
_ E eu que não queria sair de Caxias...
_ Raízes são importantes, Teresinha, mas às vezes precisamos ficar onde podemos cultivar flores, frutos e sementes, pois são as sementes que dão continuidade à vida!
_ Nunca pensei nisso, dona Inês... Sempre corremos de um canto pro outro de Caxias, feito ciganos. Sempre procurando um aluguel mais barato, pra conseguir comprar comida e pagar as contas... Aqui a gente realmente "respira"!
_ Então, Teresinha... Agradeça a esse Deus bondoso que te trouxe pra cá... E agora, vou deixar vocês descansar. Amanhã de manhã, venho pra cá, faço pão e almoço pras duas famílias e o serviço pesado das casas. As coisas leves eu boto nas mãos das crianças! Elas podem aprender também...
_ Com certeza... Até amanhã... E obrigada, mais uma vez...
Na casa ao lado, Tina não cansava de olhar o céu... Parecia que Claudio estava por entre aquelas nuvens, amenizando o calor dos raios do Sol.
_ Milhões de graças não lhe serão suficientes, meu Pai! Sinto tua proteção... Agora, muito mais ainda...
Tina respirou fundo. Pela primeira vez, em muito tempo, parecia que aquele peso no coração estava um pouco menor...

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora