62 - O incêndio

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Lenir estava eufórica na saída da escola:
_ É hoje, Mig! A maninha do Chico já deve tá em casa! Teu pai ia buscar elas no hospital hoje de manhã, quando levou a nossa mãe!
_A tia Tina também vai ter nenê hoje? Então, quem vai fazer o almoço pra vocês?
_ Nós mesmas, Mig! A mãe já nos ensinou a cozinhar faz tempo!
_ Então, se vocês forem fazer o almoço ainda, temo que ir ligeiro! Eu e o Chico vamo ajudar vocês!
_ Vamo apostar corrida até em casa, pra ver quem chega primeiro! Quem chegar em último lugar, acende o fogo pra fazer o almoço!
As crianças desceram a ladeira na corrida. O pó da estrada de chão ia grudando na roupa suada. Ao chegarem em casa, Juvenal saiu do galpão da lenha.
_ Improvisei um almoço pra todos. Não é grande coisa, mas dá pra quebrar o galho! Fiz um carreteiro campeiro, como eu fazia quando trabalhava no caminhão!
_ Nossa mãe nos ensinou a cozinhar, tio Juvenal! Não precisa se preocupar.
_ Mas até que vocês acendem o fogo e cozinham, já almoçaram aqui. Teresinha e a nenê já estão de volta, mas não deixei ela nem chegar perto das panelas e do fogão! Arnaldo... Tu vai almoçar aqui, né?
_ Tudo certo, meu amigo. Assim, aproveito e pego o trator pra buscar pasto pra uns dois dias pro gado! Ainda bem que Tina ainda tem silagem que sobrou do inverno! Agora, com ela no resguardo, não poderá fazer esforço físico.
Miguel olhou para o interior da casa.
_ Podemos... Ver a nenê?
_ Mas sem fazer muito barulho, crianças. Teresinha e ela acabaram de chegar do hospital...
A voz de Juvenal foi interrompida pela chegada de Lenice, que aproximou-se de Arnaldo.
_ Foi o senhor que levou minha mãe pro hospital de manhã. Como ela tá? E o nenê? Ela chegou triste ontem, mas não quis falar com a gente. Tô preocupada...
_ Fiquei no hospital até a Teresinha ganhar alta, mas não cheguei a falar com a tua mãe. Acho que ela ainda não tinha sido atendida! Acredito que ela só volte amanhã ou depois.
_ Eu e a mana vamo limpar a casa todinha e fazer o serviço da casa.
_ O Miguel pode ajudar também. Amigo é pra essas coisas!!
Miguel gostou da ideia.
_ Se o Chico ajudar também, vamo terminar ligeiro... Depois vamo limpar a casa da tia Teresinha.
Arnaldo l olhou orgulhoso para as crianças.
_ Esses jovenzinhos ainda vão trabalhar na Cruz Vermelha... Essa equipe ninguém segura!
Juvenal completou, com uma risadinha:
_ Depois que eles aprenderam mais umas coisinhas...
_ Eu escutei isso, pai... A gente vai aprender "essas coisinhas"e mais um montão de coisas, pra ajudar vocês! Combinamos fazer o almoço, mas o seu Juvenal já fez... Então, podemos fazer a janta depois das faxinas, claro... Se o senhor deixar eu ficar aqui!
_ Mas tu não trouxe roupa limpa, Miguel!
_ Eu e o Chico vamo lá em casa buscar... Deixa, vai...
Arnaldo olhou para Miguel, notando que não tinha argumentos para evitar que ele ficasse.
_ Tudo bem, Miguel... Mas eu não quero que esqueça que tá na casa dos outros... E tu deve cuidar mais que na tua casa...
_ Eu prometo, pai! Tu ainda vai ter orgulho de mim!
Juvenal interveio:
_ O rango tá servido, gurizada! Vamos?
As circunstâncias de uma refeição diferente fizeram as crianças sentirem-se mais responsáveis. Recolheram os pratos e lavaram a louça.
_ Assim, Chico! Tem que passar um pano de prato seco pra limpar bem a pia, né? Esse negócio de deixar poça de água na pia é pra mosquito brincar de nadar!
A tarde passou-se rápida, diante da faxina da equipe. Miguel aprovou:
_ Prontinho! Tudo limpo! Sem barulho e sem poeira! Trabalho de equipe! Os mosqueteiros entraram em ação... Agora, eu e o Chico vamo lá em casa buscar minha roupa, pra trocar depois do banho! Amanhã cedinho vamo tudinho junto pra aula!
Quando Juvenal retornou da ordenha das vacas, surpreendeu-se ao ver tudo organizado.
_ Mas que belezura de organização! Vocês tão inspirados pra tudo mesmo!
_ Amanhã de tarde, depois da aula, vamo terminar de fazer a encomenda das bolachas que a mãe não conseguiu terminar! A equipe já tá combinando tudinho!
_ Fazer bolachas? E vocês sabem fazer bolachas?
_ A gente já ajudou bastante a mãe e a tia Teresinha nas bolachas, seu Juvenal! Já combinamos tudinho! Assim quando a mãe e o nenê vierem pra casa, vai tá tudo prontinho e o pai do Mig pode entregar e ganhar o dinheiro!
Juvenal deu uma risadinha.
_ Será que vai dar pra comer essas bolachas?
_ Dá sim! Vamo fazer amanhã de tarde, iguaizinhas às da mãe e da tia Teresinha!
Ingredientes à postos... A tarde seguinte recebeu os jovens aprendizes de confeitaria na padaria de Tina.
_ Mig e Chico! Vocês vão acender o fogo do forno. Enquanto ele esquenta, eu e a mana vamo fazendo e cortando a massa. Peguei a receita com a tia Teresinha!
_ Lenha temos. Falta graveto, papel... Chico! Vai no quartinho da bagunça e pega umas coisas pra acender fogo, que eu vou ajeitando a lenha.
Francisco entrou no quartinho das bagunças, olhou para os lados...
_ Bahhh... O que será que queima mais fácil?
Após uma breve procura com o olhar, encontrou uma caixa de papelão. Encheu-a com algumas coisas que acreditava queimar fácil.
_ Pronto... Tá aqui! Uma caixa cheia de coisas inúteis que podemo queimar!
_ Então traz aqui, Chico! Tem que ser ligeirinho, porque as manas já tão com a massa quase pronta! Esse fogo tá fraco demais. Parece que não anda!
_ Então, vamo jogar com a caixa e tudo! Papelão também queima fácil!
Miguel pegou a caixa de papelão com o conteúdo que Francisco trouxera, jogando tudo no interior do forno. O crepitar do fogo aumentou, à medida que os materiais pegavam fogo.
_ Vamo deixar essa lenha sequinha bem na boca do forno e ir ver o serviço das manas. Enquanto isso, o forno esquenta!
Mal os meninos chegaram onde as meninas estavam cortando a massa de bolachas, ouviram uma explosão da direção do forno. A fumaça espalhara-se rapidamente, tomando conta da padaria inteira.
_ Chico! O que tu jogou no forno? Deu fogo demais!
_ Além da caixa de papelão, tudo que tinha dentro dela!
Miguel olhou para Francisco franzindo o cenho.
_ Tá, Chico... O que tinha naquela caixa?
_ Tinha jornal velho, sacos plásticos, garrafas plásticas e algumas pilhas de rádio velhas. Tudo coisa inútil...
Àquela altura, o fogo já tomara conta da lenha seca que Miguel deixara na boca do forno, se alastrando pela padaria inteira. Juvenal, que estava voltando da lavoura, sentindo o cheiro da fumaça,, sentiu um arrepio.
_ Fogo... As crianças... Teresinha...
Com dificuldade para caminhar rapidamente, em função da prótese, restou a Juvenal pedir a Deus para que nada tenha acontecido com as crianças.
_ Deus... As crianças... Deus proteja as crianças!
Ao chegar no que restou da padaria de Tina, Juvenal presenciou as crianças de baldes em punho, apagando os restos de fagulhas que teimavam em manter-se destruindo a padaria.
_ Santo Deus, crianças!O que aconteceu aqui? Eu sabia que eu não deveria ter ido na lavoura hoje... Se eu estivesse aqui, poderia ter evitado essa destruição toda... Alguém tá machucado?
Juvenal olhou de criança em criança, esperando uma explicação.
_ Alguém me explica o que aconteceu? Dona Tina tá no hospital, e vocês destroem a padaria dela e quase se matam queimados...
Juvenal colocou a mão na cabeça, desolado, repetindo a pergunta:
_ Alguém se machucou?
_ Não, pai. Desculpa. A gente só queria ajudar... Colocamo umas coisas que explodiram no forno e o fogo se espalhou mais ligeiro que o vento!
_ Sim... Ajudar a quem? Botando fogo na padaria da dona Tina, que tá no hospital?
A irritação de Juvenal diante daquele momento, era visível. Porém, ao ver que nenhuma das crianças havia se ferido, respirou fundo.
_ Todos cheios de fuligem... Parecendo até que entraram na chaminé... O que vão explicar pra dona Tina?
As meninas baixaram os olhos.
_ A verdade, tio Juvenal... Nossa mãe sempre nos ensinou que nunca devemo mentir!

INFÂNCIA ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora