Desabafo

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Alicia

Conversar com tia Marina deveria ter me acalmado... mas confesso, que me sentia prestes a explodir!!!
O olhar dele, frio e intimidador, não saía da minha mente. E por mais pertinentes que fossem os argumentos usados por ela, para justificar a reação dele, eu me sentia injustiçada e ao mesmo tempo culpada.

E ainda que essa confusão de sentimentos me dominasse, tentei aparentar tranquilidade e autocontrole. Duas coisas que desde o acidente não tenho tido.
Eram duas Alicias naquele momento, a que tentava manter uma conversação coerente e, a que ficava rememorando cada segundo daquele momento horrível em que desconheci completamente o homem que amo.

A chegada de vovô Ben para me levar para casa foi providencial. Eu realmente não estava em condições de dirigir.
Me despedi de tia Marina e tio GianCarlo com abraços afetuosos e de braços dados com meu avô, segui para fora do hospital como quem caminha para fora de uma prisão.

Me mantive calada durante todo o percurso até em casa, apesar das tentativas do meu avô para entabular um diálogo.
Percebi que ele estava inquieto, querendo saber o que havia acontecido para me deixar tão quieta, porém eu não tinha forças ou ânimo para contar. E muito menos para lidar com a reação que ele teria, sendo assim, me mantive em um silêncio sepulcral.

Assim que chegamos, agradeci pela carona e me refugiei em meu quarto, dando finalmente vazão ao choro que me sufocava.
Como ele pôde achar que eu sinto pena dele?! Ou que sou preconceituosa ?!

Admito que realmente fiz aquele comentário infeliz ao ver o casal entrando na lanchonete, mas foi um... um...
Droga!!!
Foi o que senti!!!
Eu sei que é horrível!!! Mas sinto uma espécie de medo, ojeriza, ao ver alguém em uma cadeira de rodas.
É uma sensação angustiante, de repulsa mesmo e naquele maldito dia, não consegui me conter e falei demais.

Eu só não esperava que ele tivesse se sentido tão incomdado com esse meu deslize a ponto de contar para a mãe.
E com certeza, não esperava que a vida nos colocasse em uma situação semelhante.

Lembro quando tive que fazer um trabalho em dupla na faculdade e o parceiro que o professor de literatura escolheu para mim foi um rapaz cadeirante.
Recordo do meu desconforto e de como cheguei em casa, desesperada, despejando tudo em cima de vovó Cellie  que como sempre me acalmou.

Flash back On

Entrei como um furacão, indo diretamente para á cozinha, seguindo o cheiro de carne assada que só minha avó  sabia fazer.
A surpreendi com um abraço e lágrimas abundantes escorrendo pelo meu rosto.

- Alicia, o que houve meu amor?!- perguntou assustada, me afastando e olhando atentamente para o meu rosto.
Suspirei e respondi afoita:
- Tenho um trabalho de literatura para fazer em dupla e ...
- E? Qual o problema, Alicia?- me questionou enquanto me auxiliava a sentar e fazia o mesmo em frente a mim.
- Eu... ahn... é que...
- Fale de uma vez, Alicia!!! Você está me deixando nervosa!!!
- Terei que fazer o trabalho com o Adam, vó!!! - disse como se essa simples frase explicasse tudo.

Minha avó suspirou e pacientemente questionou:
- E isso é um problema porque...?
- Porque ele é cadeirante e eu me sinto mal em ficar perto dele!!!
Finalmente coloquei pra fora o que estava me consumindo e o olhar de surpresa, seguido de decepção da minha avó não me passou despercebido.
- Alicia, nós já falamos tanto sobre essa questão de você valorizar as aparências em detrimento da essência!!! - seu tom de reprovação e decepção, me fizeram por um instante me sentir péssima.
- Eu sei, vovó. - tentei me explicar sem nem mesmo conseguir entender o porquê de me sentir dessa maneira. - Mas é mais forte do eu!!! Sinto um medo... medo de... eu não consigo explicar!!!
- Ah, meu amor!!! Vamos procurar ajuda, terapia...
- Não!!! De forma alguma vou contar isso para alguém, vó!!! - interrompi abrupta- O que o terapeuta vai pensar de mim?! Com certeza que sou um monstro ou louca!!!
Voltei a chorar e ela me consolou.
Ainda conversamos durante algum tempo sobre o assunto e continuei me recusando a ceder aos apelos dela para procurar ajuda.

Rise UPOnde histórias criam vida. Descubra agora