Capítulo 3: A morte estava ali.

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Percorri o corredor elegante e decorado com ouro do castelo, evitando olhar na direção de qualquer um que passava por mim, enquanto o ogro caminhava mais a frente. O balde cheio de água e o pano nas minhas mãos deixava claro qual trabalho eu teria que fazer ali, e eu não estava nem um pouco ansioso pra isso.

Descemos vários degraus de escadas, que giravam ao redor de uma parede circular. O teto sobre nós era aberto, revelando a escuridão constante lá fora, enquanto as escadas desapareciam nas sombras do túnel lá embaixo, muito mais longo do que eu poderia imaginar. Não ousei olhar pelo parapeito de madeira e muito menos ficar próximo demais dele. Tinha certeza que o ogro me empurraria dali se eu fizesse isso.

—É aqui. —Ele parou na frente de uma porta que havia naquele túnel circular. O espaço entre o chão e as escadas de cada lado era pequeno para nós dois, o que me fez ficar encolhido contra a parede. —Limpe tudo e nem perca tempo procurando pedaços de ossos. O corpo estava inteiro quando foi arrastado dai.

Balancei a cabeça, me inclinando para a entrada. Era uma cela, assim como todas as salas que ficavam naquele lugar em que estávamos. Uma cela para aqueles que vem de outros territórios e ousam invadir esse lugar. Estou cansado de ouvir os sussurros pelos corredores de como os três territórios principais da morte vivem em guerra, tentando matar uns aos outros. O que eles não sabem é que já estamos todos mortos.

Não havia cama, banheiro, cadeira ou qualquer coisa. Era uma sala vazia com correntes presas na parede, onde os prisioneiros eram colocados. O chão estava imundo e coberto de sangue, assim como as paredes. Eles não tentavam matar os prisioneiros importantes. Arrancavam quanto sangue conseguia deles e depois de se divertir o suficiente, enviavam o corpo para a cozinha. Tento não pensar no que é servido na sopa dos escravos. Eu provavelmente vomitaria se tentasse.

—Ande logo! —O ogro me empurrou para dentro da sala, fazendo cada parte do meu corpo gritar quando a dor varreu minha coluna e minhas costas queimaram como se estivessem pegando fogo. Ofeguei, engolindo a comida que havia subido do meu estômago para a garganta quando senti minhas costas ensopadas e o cheiro do meu sangue no ar. —Da próxima vez que o pegar conversando, corto sua língua.

A porta se fechou com força atrás de mim, enquanto eu ouvia apenas o som raso da minha respiração, enquanto meu corpo ainda lutava para suportar a dor excruciante nas minhas costas. Me coloquei de joelhos, mordendo a língua para não gritar quando o movimento me causou mais dor a ponte de minha cabeça girar.

Respirei fundo e comecei a limpar o chão, tentando tirar toda sujeira e o sangue ali. Não fazia sentido limpar se eles iriam torturar alguém ali de novo. Mas era isso que eles gostavam de fazer. Dar ordens e torturar. O tempo todo, era isso que agradava a todos eles. Então me esforcei para agrada-los o melhor possível. Deixaria aquela cela tão limpa que eles iriam se surpreender.

Fiz tudo com o maior esforço que conseguia, ignorando a dor latejante nas minhas costas e o sangue que ensopava minha camisa. Teria tempo para cuidar disso mais tarde. Esfreguei o chão até o pano estar imundo e depois fiz o mesmo com a parede, até meus braços estarem tremendo e meus músculos desesperados para eu parar.

Um dia eu sairia dali. Um dia eu deixaria tudo isso pra trás. Pode ser impossível, mas eu prefiro sonhar com algo assim do que viver a eternidade em um pesadelo. Não desejo morrer aqui.

Parei de esfregar as paredes, me aproximando da outra extremidade da cela, antes de me abaixar no chão. Havia uma pena caída ali, tão negra quanto as dos corvos que voam lá fora, observando tudo para a dona de todo o inferno. Haviam lendas que diziam que penas de corvos eram muito valiosas no inferno. Mas eu não fazia ideia do porque.

Peguei a pena, erguendo-a até a frente do meu rosto, antes de gira-la e observar seus detalhes. Valiosa ou não, eu guardei dentro da minha calça, onde ninguém a encontraria. Podia descobrir se essas lendas são verdade depois.

[...]

Caminhei pelo corredor, tomando cuidado para não encontrar com ninguém. O ogro não estava ali para me guiar de volta para as cavernas embaixo do castelo, o que deixava qualquer sangue nobre livre para mexer comigo se quisesse. Mas não havia absolutamente ninguém nos corredores.

Parei de andar quando virei em um corredor. Eu deveria ir até as escadas em um dos lados do corredor, mas havia sons de gritos, risadas e conversas altas atrás das portas do lado oposto. Hesitei por alguns segundos, sabendo que estaria morto se alguém me pegasse. Mas caminhei lentamente até lá, ouvindo os sons ficarem ainda mais altos. Era óbvio que aquilo dava para uma das varandas do fosso.

Fiquei em frente as portas, apertando os dedos ao redor da alça do balde, antes de segurar a maçaneta e a girar de leve. Meu sangue esfriou tanto quanto gelo, enquanto meu coração parava de bater quando a empurrei até uma fresta me permitir olhar o que havia do outro lado.

O espaço da varanda estava ocupado por bancos e cadeiras confortáveis, além de mesas cheias de bebidas e comidas. Haviam peregrinos, elfos, ogros e feéricos ali dentro. Mas não deixei de reconhecer as fêmeas humanas que circulavam por ali servindo a todos aqueles seres., que gritavam toda vez que a luta no fosso parecia ficar divertida, ou mais sangrenta. Eles gostavam de espetáculos mortais.

As portas do outro lado da varanda se abriram, revelando um macho feérico de pele e cabelos brancos. Os olhos eram claros demais, desenhados de uma forma sombria e mortal, assim como o rosto fino e as bochechas marcadas e magras.
Jonas Norton era a cabeça por trás deste lugar. Ele servia a deusa da morte, mas era o governante dessas terras quando ela não estava por perto.

Ao seu redor, como era mais do que comum ver, haviam três fêmeas de beleza ofuscante. Uma com cabelos ruivos chamativos e olhos vermelhos como sangue. A outra tinha pele e cabelos negros, além de olhos tão claros como os de Jonas. A última, tinha uma beleza peculiar. As bochechas eram mais cheias e redondas que as das outras, além dos cabelos serem volumosos e possuírem um tom roxo, que não combinavam nem um pouco com os olhos verde água.

Estava ocupado observando os quatro tomarem seus lugares nas cadeiras mais à frente da varanda, que não percebi que todos ali estavam em silencioso absoluto. Havia uma figura de cabelos negros sentada sobre o parapeito, com um sorriso lascivo nos lábios, enquanto acariciava as penas de um corvo sobre seu colo.

A morte estava ali.



Continua...

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