Capítulo 40: Quero ser livre.

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Fedra não disse nada por longos segundos, apenas me encarou com os olhos verdes parecendo dois espelhos, revelando todos os sentimentos que estavam ameaçando consumi-la naquele momento. Ela estava se quebrando aos poucos e eu faria qualquer coisa para impedir que isso acontecesse.

—Pensei que odiasse a si mesmo, porque não deixa absolutamente ninguém se aproximar. —Fedra sussurrou, com os lábios trêmulos, enquanto eu sentia meu coração para de bater.

—Eu não me odeio, Fedra. Só não me acho bom o suficiente para ninguém. —Afirmei, deslizando a mão pela bochecha dela, para capturar todas as lágrimas que caiam dos seus olhos. —Mas você é boa, porque... porque confiou em mim para ajudá-la a voltar pra casa. Porque cuidou de mim, mesmo quando eu não merecia. Porque você olha pra mim como se eu fosse mais do que só um escravo...

—Você é mais do que só um escravo! —Fedra retrucou, se encolhendo, enquanto tentava cobrir o corpo nu com as mãos.

—Não, eu não sou. Mas vou ser, quando sair desse lugar. —Falei, sem deixar de olhar para Fedra e de tocar suas bochechas. —Mas você é boa, Fedra. Não importa o que Jonas fez com você. Você é boa.

—Suja. —Sussurrou, me  fazendo balançar a cabeça negativamente. —Suja e usada. Olhe pra mim, Harper. Eu não sou o que você pensa.

—Então nós dois estamos errados um sobre o outro. —Abri um sorriso fraco e forçado, antes de ficar de pé e sair do riacho, pegando as roupas limpas que Fedra havia levado até ali. —As coisas que Jonas ou qualquer outro fez com você, não definem quem você é. É você quem escolhe o que quer ser,  Fedra.

Ela não disse nada quando saiu do riacho e caminhou na minha direção. Desviei os olhos, sentindo o calor se espalhar pelo meu rosto e pelo meu corpo, soltando uma respiração pesada quando ela pegou a toalha das minhas mãos e se envolveu com ela.

—E o que você quer ser, Harper? —Indagou, me fazendo voltar a encará-la, agora que estava com o corpo coberto. Seus lábios ainda tremiam, mas pelo menos ela não estava mais chorando.

—Quero ser livre. Quero saber qual a sensação de viver de verdade. Não aqui, no inferno. Mas em um mundo de verdade, onde posso ser alguém de verdade, além de uma alma perdida no inferno. —Afirmei, sem nem hesitar, vendo o quanto minhas palavras a surpreenderam. Mas eu estava desesperado para sair do inferno, assim como estava desesperado para viver.

—Então não somos iguais, porque eu não faço ideia do que posso ser depois de tudo isso. —Sussurrou, enquanto eu pegava o vestido que ela havia separado, indicando que ela o vestisse.

Os lábios de Fedra tremeram mais ainda quando percebeu que eu não iria respondê-la, mas ela soltou a toalha, me fazendo desviar os olhos de novo, enquanto a deixava pegar o vestido e o colocar. Quando seu corpo já estava escondido pelo tecido azul, me coloquei atrás dela e comecei a fechar os botões, com meus dedos roçando naquelas cicatrizes nas suas costas.

—São de todas as vezes que eu disse "não". —Fedra murmurou, puxando os cabelos úmidos para frente, quando comecei a fechar os últimos três botões na parte de cima do vestido. Também não respondi a isso, o que a fez soltar uma respiração pesada. —De todas as vezes que tentei não fazer o que era obrigada. Pensei que ele fosse se cansar uma hora, mas quem acabou desistindo foi eu. Ele me cansou, até que eu dissesse "sim".

Ela se virou quando terminei de fechar o vestido. O rosto ainda estava vermelho, molhado pelas lágrimas que ela havia soltado antes, mas Fedra me encarava como se de alguma forma eu fosse a chave que colocaria um fim em tudo que ela passou. A confiança que ela depositava em mim me deixava sem fôlego. Me deixava a beira do abismo, porque a intensidade com que ela me olhava era demais.

—Mas depois de um tempo, percebi que preferia ter continuado apanhando do que ter aceitado me deitar com ele. —Fedra se aproximou, me encarando como se seu coração estivesse se estilhaçando. —Porque tenho a sensação de que tudo que ele me causou nunca vai passar, diferente das chibatadas que se tornam cicatrizem com o tempo.

Envolvi o rosto dela com as mãos, observando Fedra fechar os olhos no momento que sentiu o calor da minha pele, enquanto seu rosto estava frio e úmido pelas lágrimas. Pensei em várias coisas que poderia dizer a ela, mas sabia que não importava o que eu falasse, todos os anos que ela passou ao lado de Jonas jamais iriam desaparecer, assim como tudo que aconteceu comigo.

Então fiz algo que gostaria que alguém tivesse feito comigo, nos meus piores momentos naquele lugar. Eu a puxei para os meus braços e a abracei, afundando o rosto nos seus cabelos úmidos, enquanto Fedra me abraçava de volta, escondendo o rosto no meu peito. A abracei com mais força do que eu achava ser possível, sentindo meu coração bater com tanta força, que eu podia ouvi-lo na minha cabeça.

Não soltei Fedra em nenhum momento, esperando que ela desse o primeiro passo para longe disso. Mas quando ela o fez, senti falta do calor do seu corpo contra o meu, ao mesmo tempo que uma faísca acendia dentro do meu peito, quando ela segurou minha mão e me puxou na direção ao nosso acampamento improvisado e desajeitado.

Não falamos nada quando nós sentamos ao lado de Sebastian e eu impedi Fedra de se deitar, apenas segurando seu braço com cuidado. Observei os arranhões e cortes que ela havia causado a si mesma, enquanto tentava se limpar, antes de pegar um frasco com poção de cura e passar neles, sentindo os olhos de Fedra em mim o tempo todo. Devorando todas as minhas emoções.

Quando terminei, deixei que Fedra se deitasse ao lado de Sebastian, antes de me ajeitar ao lado dela, mantendo uma das facas na minha mão. Mas foi difícil me concentrar na tarefa de cuidar da floresta ao redor, para que nada nos atacasse, quando Fedra se aninhou no meu peito de novo, como se de alguma forma eu fosse seu porto seguro, antes de enfim dormir.

Fiquei olhando Sebastian e Fedra dormirem, enquanto girava aquela faca entre meus dedos, percebendo que estava mais envolvido do que deveria com os dois. Isso iria me trazer problemas no futuro, eu tinha absoluta certeza disso. Mas agora não tinha mais como voltar atrás.


Continua...

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