Capítulo 30: Bicho de estimação.

433 107 27
                                    

Mostrei a Hunter pra onde deveríamos ir. A leste da Fortaleza dos Corvos, na direção das montanhas Vale das Estrelas perdidas. Naquele ponto do território, as montanhas eram próximas demais das terras de Jonas. Separadas por uma simples faixa de água. Eu disse a ele que o lusion havia me mandado ir naquela parte do inferno, porque era lá onde a estrela estaria. Mas na verdade, aquele era um dos melhores pontos para deixar Hunter e sair do navio dele.

Hunter vai estar ocupado demais tentando encontrar a sereia lá para notar o momento que eu irei fugir. Além do mais, tenho certeza de que ele vai pensar que fugi para o interior do vale, porque não faria sentido voltar para as terras de Jonas quando ele gostaria muito de me matar. Mas é ai que eu vou pegá-lo. Já estarei longe demais quando Hunter notar que se deixou ser enganado por um escravo.

—Tem certeza que ela está lá? —Hunter indagou, olhando para o mapa do inferno e a posição que eu coloquei o objeto, para marcar a direção que precisávamos ir. Lancei a ele um olhar demorado ao ouvir sua pergunta, antes de abrir um sorrisinho.

—Estou repassando o que o lusion me disse. Mas se quiser voltar ao território de Jonas e perguntar diretamente a criatura das sombras, fique a vontade. —Afirmei, observando Khan soltar uma risada, enquanto balançava a cabeça negativamente. A expressão de Hunter não se alterou, mas senti Sadie se aproximando mais de mim, como um alerta para que eu tomasse cuidado.

—É isso que dá dar a liberdade a um escravo. —Khan embaralhou as cartas, estalando a língua em reprovação. —Eles começam a se sentir mais importantes do que são. Mas um escravo, sempre escravo.

—Pelo menos eu estou fazendo mais do que você, que está apenas sentado aqui jogando cartas. —Sibilei, vendo os olhos de Khan se fixarem em mim, se estreitando em desafio. —Pensei que fosse o campeão dele, mas não vi você ganhar nada até agora.

—Khan! —Hunter alertou, assim que o macho ficou de pé, mostrado os dentes pra mim, como se quisesse rasgar minha garganta. Ergui as sobrancelhas pra ele, provocando-o mais ainda, porque sabia que quando eu partisse, isso seria o suficiente para minar a própria lealdade de Khan com Hunter, já que o mago confiou em mim a ponto de deixar seu campeão de lado. —Chegaremos lá em breve, Fox. Então vá aproveitar sua fêmea, porque depois você descerá desse navio para caçar aquela sereia pra mim.

Ele moveu a mão no ar, pra cima, e na mesma hora o navio mudou de direção. Precisei me segurar na mesa para não cair, já que havia perdido o equilíbrio com a mudança brusca de direção do navio. Hunter começou a distribuir as cartas para começar outro jogo, enquanto eu dava as costas pra eles e caminhava até a porta, sentindo os olhos de Khan me seguirem o caminho todo até eu desaparecer.

[...]

Entrei no quarto, parando um segundo ao ver que Fedra havia se deitado na cama ao lado de Sebastian e agora eles dormiam pacificamente lado a lado. Soltei um suspiro pesado ao desviar os olhos e então fechei a porta, passando a tranca, para que ninguém entrasse ali e visse Sebastian. Iria mantê-lo em segredo quanto tempo fosse possível, porque quanto mais tempo ele passasse despercebido, mais tempo ele ficaria em segurança.

Fedra se moveu quando eu me sentei na cadeira e a madeira rangeu sobre meu peso. Ela me olhou por cima do ombro. Os olhos se demorando em mim quando percebeu que eu observava os dois. Nossa última conversa parecia ter sido esquecida, porque ela se sentou na cama, me encarando com os olhos ligeiramente abertos em determinação.

—Agora que já conversou com o mago, vai me contar como as coisas vão funcionar? —Indagou, com um toque ácido na voz, deixando claro que não estava nem um pouco contente comigo. Aquilo quase me fez sorrir, porque não havia nada além de uma expressão adorável no rosto dela, quando tentava soar séria e chateada.

—Vamos descer a leste da Fortaleza dos Corvos, no Vale das Estrelas Perdidas. Precisamos arrumar tudo que vamos precisar, porque assim que o navio atracar, fugiremos. —Afirmei, percebendo a surpresa que minhas palavras causaram nela. —Vamos atravessar a faixa de água até o Bosque dos Sonhos Mortos e depois percorrer a pé a floresta até a sala dos tesouros perdidos.

—Vamos atravessar a água como? —Fedra questionou, enquanto eu a via estremecer de leve só com a menção de chegar perto da água.

—Sei que não vai voltar a ser sereia se entrar na água, mas vamos precisar atravessar nadando. Se irmos de barco, Hunter pode facilmente nos encontrar mais tarde e isso poderia ser um problema pra nós mais pra frente. —Esfreguei as mãos na minha calça, sentindo meu coração martelando no meu peito, enquanto os olhos de Fedra pareciam engolir cada parte de quem eu era.

—Não sei se consigo nadar com pernas humanas. —Foi a resposta dela, assim que desviei os olhos para o chão, tentando espantar a sensação de calor que se espalhava pelo meu corpo, como uma reação a presença e a atenção dela sobre mim. —E não sei se Sebastian sabe nadar também.

—Podemos dar um jeito nisso depois. Vamos nos preocupar com uma coisa de cada vez. —Falei, ficando de pé, pronto para sair dali e ir xeretar pelo navio. Precisava ver se havia coisas boas e fáceis de serem roubadas, que eu poderia levar quando fugisse. Além disso, tinha algo que eu queria de volta. —Vocês dois comeram alguma coisa desde que estamos nesse navio?

—Sim. —Ela olhou para Sebastian, que continuava dormindo, quando indiquei ele com a cabeça. —Ele também, apesar de ter comido pouco, porque estava preocupado com você.

Tinha certeza de que Fedra havia dito aquilo para me acertar com as palavras de alguma forma. Podia ver nos olhos dela, a vontade de me testar e ver até onde eu podia ir com minhas ações de manter Sebastian longe. Não sabia se estava fazendo aquilo pelo garoto ou por ela mesmo, mas eu não deixaria que ela visse qualquer coisa dentro de mim. Não havia nada, na verdade. Fox Harper era uma casca oca, vazia e solitária. Eu estava desesperado para viver, porque estava desesperado para me sentir de outra forma que não vazio por dentro.

—Sabe que ele vai vir atrás de você, não é? —Fedra sussurrou, se deitando de novo na cama, assim que alcancei a porta. Eu parei, olhando-a por cima do ombro. Aqueles olhos faiscando sobre mim, com calor e algo mais que eu não conseguia decifrar. —Jonas vai mantar homens atrás de você, para matá-lo e me conseguir de volta.

—Você não vai voltar para aquele lugar, Fedra. —Rebati, porque sabia que Jonas mandaria pessoas atrás de mim. Aquilo não era uma surpresa pra mim. —E Jonas não vai me matar.

—Como pode ter tanta certeza disso? —Os lábios dela tremeram quando ela perguntou aquilo. —Eu o conheço, Fox. Eu sei o que Jonas faz para conseguir seus animais de estimação de volta. Ele não vai se importar de deixar um rastro de sangue pelo caminho, se isso for traze-lo até nós dois.

—Você não é um bicho de estimação dele! —Exclamei, sentindo meu sangue ferver com a naturalidade que ela falou aquelas palavras, como se sentisse que não tinha valor algum além de ser a amante de alguém. —Estamos no inferno, Fedra. Eu posso jogar o mesmo jogo que Jonas se for necessário.

Não me importava de deixar um rastro de sangue pelo caminho também, se isso fosse manter as mãos imundas dele longe de Fedra.


Continua...

Bosque dos Sonhos Mortos Onde histórias criam vida. Descubra agora